Os outros olharam para as feras, estupefatos, enquanto passavam pela casa protegida.
— Em nome da Luz, o que são aquelas coisas? — perguntou Mat.
Os olhos de Hurin estavam do tamanho do rosto.
— Lorde Rand, são… Aqueles são…
— Não importa — respondeu Rand.
Após um instante, Hurin assentiu.
— Estamos aqui pela Trombeta — lembrou Ingtar —, não para ficar admirando os monstros dos Seanchan. Concentre-se em encontrar Fain, Hurin.
Os soldados mal os olharam. A rua ia direto até o porto arredondado. Rand conseguia ver os navios ancorados lá embaixo: eram altos, com um formato quadrado e mastros altos, mas estavam pequenos àquela distância.
— Ele veio aqui muitas vezes. — Hurin coçou o nariz com o dorso da mão. — A rua fede com camadas e mais camadas do cheiro dele. Acho que ele talvez tenha vindo aqui faz pouco tempo. Ontem, Lorde Ingtar. Talvez ontem à noite.
De repente, Mat agarrou o casaco com as duas mãos.
— Está lá dentro — sussurrou. Ele se virou e andou de costas, olhando para a grande casa com o estandarte. — A adaga está lá dentro. Não notei antes por causa daqueles… daquelas coisas, mas consigo sentir.
Perrin o cutucou nas costelas.
— Bem, pare com isso. Antes que eles comecem a se perguntar por que você está olhando para lá como um idiota.
Rand olhou para trás. O oficial já olhava na direção deles.
Mat se virou, desanimado.
— Mas vamos só continuar andando? Está lá dentro, estou dizendo.
— É a Trombeta que estamos procurando — rosnou Ingtar. — Quero encontrar Fain e obrigá-lo a me dizer onde ela está. — Ele não diminuiu o passo.
Mat não disse uma palavra, mas sua expressão inteira suplicava.
Preciso encontrar Fain também, pensou Rand. Preciso. Mas, quando olhou para o rosto do amigo, falou:
— Ingtar, se a adaga está naquela casa, é provável que Fain também esteja. Não o imagino deixando a adaga ou a Trombeta muito longe da vista.
Ingtar parou. Depois de um instante, respondeu:
— Pode até ser, mas nunca saberemos daqui de fora.
— Podemos esperar que ele saia — sugeriu Rand. — Se sair agora de manhã, é porque passou a noite lá. E aposto que dorme bem onde está a Trombeta. Se ele sair, é capaz de voltarmos para Verin ao meio-dia e ter um plano antes do anoitecer.
— Não pretendo esperar por Verin — a firmou Ingtar —, e nem pelo anoitecer. Já esperei demais. Terei a Trombeta nas mãos antes do sol se pôr.
— Mas não sabemos, Ingtar.
— Eu sei que a adaga está lá dentro — interveio Mat.
— E Hurin disse que Fain esteve aqui ontem à noite. — Ingtar ignorou as tentativas de Hurin de falar. — Foi a primeira vez que você aceitou dizer que era mais recente que um dia ou dois. Vamos recuperar a trombeta agora. Agora!
— Como? — perguntou Rand. O oficial não olhava mais para eles, mas ainda havia pelo menos vinte soldados na frente do prédio. E dois grolm. Isso é loucura. Não pode haver grolm por aqui. Contudo, pensar naquilo não fazia as feras desaparecerem.
— Parece que atrás de todas essas casas há alguns jardins — começou Ingtar, olhando, pensativo, ao redor. — Se uma dessas vielas passar por um dos muros de um jardim… Às vezes os homens se ocupam tanto com a proteção da frente que negligenciam a retaguarda. Venham.
Ele seguiu direto para a viela estreita mais próxima, entre duas das casas altas. Hurin e Mat seguiram depressa, logo atrás dele. Rand e Perrin se entreolharam. O amigo de cabelos encaracolados deu de ombros, resignado, e os dois também seguiram o grupo.
A viela era pouco mais larga que os ombros de todos, mas seguia entre os altos muros dos jardins até cruzar com outra, larga o suficiente para um carrinho de mão grande ou uma carroça pequena. Também tinha calçamento de pedra, mas apenas os fundos dos prédios davam vista para ela. Viam janelas fechadas, paredões de pedra e os altos muros dos jardins, acima dos quais despontavam galhos quase sem folhas.
Ingtar os conduziu pela viela até estarem do lado oposto do estandarte tremulante. Ele calçou as manoplas com dorso de aço que tirou do casaco, saltou, segurando-se no topo do muro, e alçou o corpo o suficiente para olhar por cima. Então relatou, em um voz baixa e monótona:
— Árvores. Canteiros de flores. Passeios. Não há uma alma a… Esperem! Um guarda. Um homem. Ele não está sequer usando elmo. Contem até cinquenta e me sigam. — Ele passou um pé por cima do muro e rolou para dentro, desaparecendo antes mesmo que Rand pudesse dizer uma palavra.
Mat começou a contar devagar. Rand prendeu a respiração. Perrin passou os dedos pelo machado. Hurin segurou firme os cabos das armas.
— … cinquenta. — Hurin escalou o muro e pulou antes que a palavra deixasse os lábios de Mat. Perrin o seguiu.
Rand pensou que Mat talvez precisasse de ajuda, já que parecia tão pálido e abatido, mas o rapaz não deu sinal disso ao subir. O muro de pedra oferecia muitos pontos de apoio, e segundos depois Rand já estava agachado do outro lado, com Mat, Perrin e Hurin.
O jardim já exibia sinais do outono avançado. Os canteiros estavam vazios, exceto por alguns arbustos perenes, e os galhos das árvores estavam quase sem folhas. O vento que fazia o estandarte tremular levantava poeira nos caminhos de ladrilhos. Por um momento, Rand não conseguiu ver Ingtar. Então localizou o shienarano. Estava com o corpo grudado à parede da casa, gesticulando com a espada na mão para que fossem até ele.
Rand correu agachado, mais ciente das janelas da casa que davam para os jardins, onde não havia qualquer movimento, do que dos amigos correndo a seu lado. Foi um alívio alcançar a parede da casa ao lado de Ingtar.
Mat não parava de repetir para si mesmo:
— Está ali dentro. Eu posso sentir.
— Onde está o guarda? — sussurrou Rand.
— Morto — respondeu Ingtar. — O homem tinha excesso de confiança. Sequer tentou dar um alarme. Escondi o corpo embaixo de uma daquelas moitas.
Rand o encarou. O Seanchan tinha excesso de confiança? A única coisa que o impedia de voltar naquele momento eram os murmúrios angustiados de Mat.
— Estamos quase lá. — Ingtar também parecia estar falando sozinho. — Quase lá. Venham.
Rand sacou a espada quando começaram a subir a escada dos fundos. Estava ciente de Hurin, que desembainhou a espada e a quebra-espadas, e de Perrin, que sacou o machado do cinturão, com relutância.
O corredor de dentro da casa era estreito. Uma porta semiaberta à direita cheirava a cozinha. Diversas pessoas moviam-se naquele cômodo, de onde vinha um som de vozes indistintas e, volta e meia, o tilintar suave de uma tampa de panela.
Ingtar fez um gesto para que Mat seguisse na frente, e todos se esgueiraram para passar pela porta. Rand observou a abertura estreita até que virassem no corredor seguinte.
Uma jovem esbelta, de cabelos escuros, saiu por uma porta à frente deles carregando uma bandeja com um copo. Todos ficaram paralisados. Ela virou para o outro lado sem olhar para eles. Os olhos de Rand se arregalaram: a longa túnica branca era quase transparente. Ela dobrou em outro corredor e sumiu de vista.
— Vocês viram aquilo? — perguntou Mat, rouco. — Dava para ver através…
Ingtar pôs a mão sobre a boca de Mat e sussurrou:
— Concentre-se no que viemos fazer aqui. Agora encontre. Encontre a Trombeta para mim.
Mat apontou para uma escada curva estreita. Subiram um lance, que os levou para a parte da frente da casa. Havia poucos móveis nos corredores, e parecia que a maioria era feita de linhas curvas. As paredes eram cobertas por tapeçarias ou escondidas por biombos, todos com pinturas de pássaros em galhos, ou a figura de uma ou duas flores. A imagem de um rio atravessava um dos biombos, mas, exceto pela água ondulante e algumas faixas estreitas como margens, o restante era branco.