Выбрать главу

Pela primeira vez, Rand se deu conta de que Ba’alzamon agia como se a lâmina com a marca da garça pudesse feri-lo. Aço não pode ferir o Tenebroso. Mas o inimigo olhava para a espada com preocupação. Rand era um com a lâmina. Podia sentir cada partícula dela, pedaços minúsculos mil vezes menores do que era possível enxergar com os olhos. E podia sentir o Poder que o inundava correndo também para a espada, percorrendo os desenhos intrincados forjados por Aes Sedai durante a Guerra do Poder.

Foi outra voz que ele ouviu, naquele momento. A voz de Lan. Chegará o momento em que você desejará algo ainda mais do que a própria vida. A voz de Ingtar. Todo homem tem direito de escolher quando Embainhar a Espada. Pensou em Egwene, encolarada, vivendo a vida de uma damane. Fios da minha vida em perigo. Egwene. Se Asa-de-gavião entrar em Falme, pode salvá- la. Antes de perceber, já assumira a primeira posição da Garça Atravessando os Juncos. Equilibrando-se em um pé só, com a espada no alto, com a guarda aberta. A morte é mais leve que a pluma. O dever, mais pesado que a montanha.

Ba’alzamon ficou olhando para ele.

— Por que está sorrindo como um idiota, seu tolo? Não sabe que posso destruí-lo por completo?

Rand sentia uma calma além da que vinha do vazio.

— Nunca servirei a você, Pai das Mentiras. Em mil vidas, nunca servi. Sei disso. Tenho certeza. Venha. É hora de morrer.

Os olhos de Ba’alzamon se arregalaram. Por um instante, viraram fornalhas que fizeram o rosto de Rand suar. O negrume atrás do Tenebroso fervia ao redor, e sua expressão endureceu.

— Então morra, verme! — Ele golpeou com o bastão, como se segurasse uma lança.

Rand gritou ao senti-lo perfurando seu flanco, queimando como um atiçador incandescente. O vazio tremeu, mas ele o manteve com as últimas forças que tinha e cravou a lâmina com marca de garça no coração de Ba’alzamon. O Tenebroso gritou, e a escuridão atrás dele também. O mundo explodiu em fogo.

48

A Primeira Reivindicação

Min subiu a ladeira de calçamento de pedra com dificuldade, abrindo caminho à força pela multidão que permanecia pálida e vidrada. Pelo menos, era como se comportavam os que não estavam dando gritos histéricos. Alguns corriam, parecendo não ter ideia de para onde ir, mas a maioria apenas se movia como marionetes mal manipuladas, mais temerosos de sair do que de ficar. Ela procurou entre os rostos, esperando encontrar Egwene, Elayne ou Nynaeve, mas via apenas falmenos. E algo a atraía, tão certo quanto se a puxasse por uma corda.

Ela se virou uma vez para olhar para trás. Navios Seanchan queimavam no porto. Ela conseguia ver outros, em chamas, além da entrada da enseada. Muitas embarcações quadradas já pareciam pequenas contra o sol poente, seguindo para oeste tão depressa quanto as damane conseguiam impeli-las. Um pequeno navio se afastava do porto, inclinando-se para pegar um vento que o levaria ao longo da costa. O Espuma. Não culpava Bayle Domon por desistir de esperar. Não depois do que vira. Achava admirável ele ter ficado tanto tempo.

Havia uma embarcação dos Seanchan no porto que não estava em chamas, embora as torres estivessem pretas pelo fogo já apagado. Enquanto o navio alto saía para o mar, uma figura a cavalo surgiu de repente por trás dos rochedos, contornando as margens do porto. Ela cavalgava sobre as águas. Min ficou boquiaberta. A figura ergueu um arco que cintilou ao sol. Um feixe prateado voou do arco até a embarcação, descrevendo uma linha brilhante. Com um rugido que Min conseguiu ouvir mesmo àquela distância, o fogo engolfou a torre da popa outra vez, e os marinheiros se agitaram no convés.

Min piscou e, quando voltou a olhar, a silhueta sumira. O navio seguia devagar rumo ao oceano, com a tripulação lutando contra as chamas.

Ela se forçou a recuperar o foco e continuou a subir a ladeira. Vira coisas demais naquele dia para que considerar alguém cavalgando sobre as águas apenas uma distração momentânea. Mesmo que de fato fosse Birgitte e seu arco. E Artur Asa-de-gavião. Eu o vi. Tenho certeza.

Em frente a um dos prédios altos de pedra, ela parou, hesitante, ignorando as pessoas em que esbarrava como se estivesse atordoada. Era ali, em algum lugar, que ela precisava estar. Correu escada acima e empurrou a porta.

Ninguém tentou detê-la. Pelo que podia dizer, não havia ninguém na casa. A maior parte de Falme estava fora, nas ruas, tentando chegar à conclusão de que todos haviam ou não enlouquecido juntos. Ela atravessou a casa, alcançou o jardim dos fundos, e lá estava ele.

Rand jazia, esparramado de barriga para cima sob um carvalho. Estava com o rosto pálido e os olhos fechados. A mão esquerda segurava firme o cabo de uma lâmina de pouco mais de um palmo cuja ponta parecia ter derretido. Seu peito subia e descia devagar, mas não com a regularidade de uma respiração normal.

Respirando fundo para se acalmar, Min foi até ele ver o que podia fazer para ajudá-lo. Primeiro precisava se livrar daquele toco de lâmina: ele podia se machucar, ou machucá-la, se começasse a se debater. Ela abriu a mão dele e estremeceu quando o cabo ficou preso na palma. Jogou a arma de lado com uma careta. A garça no cabo havia marcado sua mão. Mas era óbvio que não fora aquilo o que o deixara ali, inconsciente. Como ele ficou assim? Nynaeve pode passar um unguento nisso, mais tarde.

Um exame apressado mostrou que a maioria dos cortes e contusões não era recente. Ao menos, o sangue tivera tempo de coagular, e as escoriações já começavam a amarelar nas bordas. Mas havia um buraco queimado no casaco, do lado esquerdo. Ela o abriu e levantou a camisa. Então assoviou entre dentes, perdendo o fôlego. Uma ferida calcinada marcava a lateral do corpo, mas havia cauterizado sozinha. O que a abalou foi a sensação que teve ao tocar a pele de Rand. Estava gelada. Fazia o ar parecer quente.

Segurando-o pelos ombros, ela começou a arrastá-lo para a casa. Ele pendia, mole. Um peso morto.

— Seu grande palerma — resmungou. — Você bem que podia ser pequeno e leve, não podia? Precisa ter tudo isso de perna e ombro. Eu devia deixar você largado aqui.

Com dificuldade, ela subiu a escada, tomando cuidado para não deixá-lo bater nos degraus mais do que conseguia evitar, e o puxou para dentro. Deixando-o à beira da porta, massageou a base da coluna, resmungando sozinha sobre o Padrão, e fez uma busca rápida. Nos fundos da casa havia um pequeno quarto, talvez para serviçais. Lá, encontrou uma cama com uma pilha de cobertores e toras de madeira na lareira. Em instantes, arrumou os cobertores e acendeu o fogo, assim como um lampião na mesa de cabeceira. Então voltou para buscar Rand.

Não foi tarefa fácil levá-lo até o quarto e colocá-lo na cama, mas ela conseguiu. Ficou apenas um pouco ofegante pelo esforço, mas logo o cobriu. Depois de um instante, colocou uma das mãos sob os cobertores. Então fez uma careta e balançou a cabeça. Os lençóis estavam gelados: ele não tinha calor corporal para os cobertores conservarem. Com um suspiro exausto, entrou debaixo das cobertas e deitou ao lado dele. Por fim, aninhou a cabeça de Rand em seu braço. Os olhos dele ainda estavam fechados, e a respiração, entrecortada, mas ela estava com medo de que ele morresse enquanto saía para buscar Nynaeve. Ele precisa de uma Aes Sedai, pensou. Tudo que posso fazer é tentar lhe dar um pouco de calor.

Analisou o rosto do rapaz por um tempo. Via apenas o rosto: nunca conseguia ler alguém inconsciente.

— Eu gosto de homens mais velhos — disse. — Homens de educação e perspicácia. Não tenho interesse em fazendas, ovelhas ou pastores. E muito menos em garotos pastores. — Com um suspiro, ela alisou o cabelo dele, tirando-o do rosto. Rand tinha cabelos sedosos. — Mas até aí você não é um pastor, não é mesmo? Não mais. Luz, por que o Padrão precisava me envolver com você? Por que eu não podia ter uma vida segura e simples, como naufragar sem comida em companhia de uma dúzia de Aiel famintos?