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Os outros obedeceram à ordem com a mesma falta de jeito e pavor. Quando todos estavam de pé, a figura flutuante falou novamente:

— Sou conhecido por muitos nomes, mas o que vocês devem usar para se referir a mim é Ba’alzamon.

O homem que chamava a si mesmo de Bors cerrou os dentes para impedi-los de baterem. Ba’alzamon. Na língua dos Trollocs, a palavra significava Coração das Trevas, e até mesmo os descrentes sabiam que aquele era o nome que os Trollocs davam para o Grande Senhor das Trevas. Aquele Cujo Nome Não Deve Ser Pronunciado. Aquele não era o verdadeiro nome, Shai’tan, mas ainda assim era proibido. Entre os que estavam ali reunidos e outros de sua espécie, macular qualquer um desses títulos com uma língua humana era blasfêmia. O ar passou por suas narinas com um assovio, e ele pôde ouvir que os outros ao redor também ofegavam por trás das máscaras. Os serviçais haviam partido, assim como os Trollocs, embora ele não os tivesse visto sair.

— O lugar onde vocês estão fica à sombra de Shayol Ghul.

Mais de um dos presentes no salão gemeu ao ouvir essas palavras, e o homem que chamava a si mesmo de Bors não tinha certeza de que não fora um deles. Um tom do que quase poderia ser chamado de escárnio transpareceu na voz de Ba’alzamon quando ele abriu bem os braços e continuou:

— Não temam, pois o Dia em que seu Mestre dominará o mundo está quase chegando. O Dia do Retorno está próximo. Minha presença aqui, para ser visto por vocês, os poucos escolhidos dentre seus irmãos e irmãs, não é prova disso? Em breve, a Roda do Tempo será quebrada. Em breve, a Grande Serpente morrerá, e, com o poder dessa morte, a morte do próprio Tempo, seu Mestre recriará o mundo à sua imagem e semelhança, nesta Era e em todas as que virão. E aqueles que me servem, fiéis e diligentes, vão se sentar aos meus pés, acima das estrelas no céu, e governarão o mundo dos homens para sempre. Foi isso que prometi, e é assim que será, pela eternidade. Vocês viverão e reinarão para sempre.

Um murmúrio de expectativa percorreu a multidão, e algumas pessoas até chegaram a dar um passo à frente, na direção da figura vermelha flutuante, com os olhos erguidos em êxtase. Até mesmo o homem que chamava a si mesmo de Bors sentiu a atração daquela promessa, a promessa pela qual ele vendera sua alma uma centena de vezes.

— O Dia do Retorno está próximo — continuou Ba’alzamon. — Mas ainda há muito o que fazer. Muito o que fazer.

O ar à esquerda de Ba’alzamon tremeluziu e se adensou, e a figura de um rapaz foi projetada ali, um pouco abaixo do Grande Senhor das Trevas. O homem que chamava a si mesmo de Bors não conseguiu perceber se aquilo era ou não um ser vivo. Era um camponês, a julgar por suas roupas, com um ar levemente matreiro nos olhos castanhos e um sorriso sutil nos lábios, como se estivesse se lembrando de uma peça que pregara ou estivesse na expectativa dela. A pele da figura parecia quente, mas seu peito não se movia com a respiração e seus olhos não piscavam.

O ar à direita de Ba’alzamon bruxuleou como se houvesse uma lufada de ar quente, e uma segunda figura vestida com roupas de camponês surgiu, um pouco abaixo de Ba’alzamon. Era um jovem de cabelos encaracolados, musculoso como um ferreiro. E um detalhe estranho: trazia um machado de batalha pendurado em sua cintura, uma enorme meia-lua de aço com um cabo grosso. O homem que chamava a si mesmo de Bors se inclinou para a frente de súbito, ao reparar em algo ainda mais estranho. O jovem tinha olhos amarelos.

Pela terceira vez, o ar assumiu a forma de um rapaz, dessa vez logo abaixo dos olhos de Ba’alzamon, quase a seus pés. Um sujeito alto, com olhos que mudavam de cor com a luz, ora acinzentados, ora quase azuis, e cabelos de um tom vermelho-escuro. Outro aldeão ou fazendeiro. O homem que chamava a si mesmo de Bors perdeu o fôlego: havia mais uma coisa fora do comum, embora ele se perguntasse por que deveria esperar que qualquer coisa ali fosse normal. Uma espada de duas mãos pendia do cinturão da figura, uma espada com uma garça de bronze na bainha e outra gravada no longo cabo. Um camponês com uma espada com a marca da garça? Impossível! O que isso signi ica? E um rapaz com olhos amarelos. Ele reparou que o Myrddraal encarava as figuras, tremendo, e, a menos que estivesse completamente enganado, o tremor não era mais de medo, e sim de ódio.

Um silêncio sepulcral havia caído sobre o ambiente, um silêncio que Ba’alzamon deixou se prolongar antes de prosseguir:

— Há, agora, alguém que caminha pelo mundo, alguém que foi e que será, mas que ainda não é, o Dragão.

Um murmúrio assustado percorreu a multidão.

— O Dragão Renascido! Devemos matá-lo, Grande Senhor? — Isso veio do homem de Shienar, cuja mão ansiosa buscava a espada que deveria estar pendurada no cinturão.

— Talvez — respondeu Ba’alzamon, simplesmente. — Talvez não. Talvez ele possa servir a meus propósitos. Mais cedo ou mais tarde, é o que acontecerá, nesta Era ou em outra.

O homem que chamava a si mesmo de Bors pestanejou. Nesta Era ou em outra? Eu achava que o Dia do Retorno estava próximo. O que me importa o que acontecerá em outra Era se eu envelhecer e morrer durante esta? Mas Ba’alzamon já voltara a falar.

— Uma dobra começa a se formar no Padrão, um de muitos pontos em que aquele que será o Dragão poderá ser trazido para o meu lado. Precisa ser! Melhor que me sirva vivo do que morto, mas, vivo ou morto, ele deve me servir e assim fará! Vocês precisam conhecer estes três, pois cada um é um fio no padrão que eu pretendo tecer, e caberá a vocês cuidarem para que eles sejam dispostos de acordo com as minhas ordens. Estudem-nos bem, para serem capazes de reconhecê-los.

Subitamente, o salão ficou em silêncio. O homem que chamava a si mesmo de Bors se mexeu, desconfortável, e viu outras pessoas fazerem o mesmo. Todos, menos a mulher de Illian, percebeu. Com as mãos abertas sobre o seio, como se para ocultar o busto arredondado, e os olhos arregalados, tanto assustada quanto em êxtase, ela assentia, ansiosa, como se para alguém bem na sua frente. Às vezes, ela parecia responder algo, mas o homem que chamava a si mesmo de Bors não ouvia uma palavra. De repente, ela arqueou as costas e começou a tremer, erguendo-se na ponta dos pés. Ele não entendia como ela não caía, a menos que algo invisível a estivesse segurando. Então, do mesmo modo repentino, ela voltou a ficar de pé e assentiu outra vez, fazendo uma mesura trêmula. No instante em que ela se endireitou, uma das mulheres com anel da Grande Serpente sobressaltou-se e passou a balançar a cabeça de modo afirmativo.

Então cada um ouve suas próprias instruções, e ninguém ouve as do outro. O homem que chamava a si mesmo de Bors gemeu de frustração. Se soubesse as ordens recebidas por uma só pessoa ali, poderia usar a informação em proveito próprio, mas desse jeito… Impaciente, ele esperou pela sua vez, distraindo-se o suficiente para permanecer ereto.

Um a um, os membros da reunião receberam suas ordens, todos em silêncio, mas fornecendo pistas que seriam interessantíssimas caso ele conseguisse decifrá-las. O homem dos Atha’an Miere, o Povo do Mar, enrijeceu-se, relutante, ao assentir. O shienarano mantinha uma postura que deixava transparecer sua confusão, apesar dos gestos de anuência. A segunda mulher de Tar Valon sobressaltou-se, como se levasse um choque, e depois a figura envolta em cinza, cujo sexo ele não conseguia determinar, balançou a cabeça antes de cair de joelhos e assentir vigorosamente. Alguns tiveram as mesmas convulsões que a mulher de Illian, como se fosse a dor que os levantasse e os fizesse ficar nas pontas dos pés.