Agora sabe por que deve viver.
- Por quê? - disse Bran, sem compreender, e caindo,
caindo.
- Porque o inverno está para chegar.
Bran olhou para o corvo em seu ombro, e o corvo
devolveu-lhe o olhar. Possuía três olhos, e o terceiro
estava cheio de u ma terrível sabedoria. Bran olhou para
baixo. Nada havia agora abaixo dele além de neve, frio e
morte, um vazio gelado onde agulhas denteadas de gelo
azul esbranquiçado esperavam para abraçá-lo. Voavam em
sua direção como lanças. Viu os ossos de mil outro s
sonhadores empalados em suas pontas. Sentia um medo
desesperador.
- Pode um homem continuar a ser valente se tiver medo?
- ouviu sua voz dizer, uma voz pequena e distante.
E a voz de seu pai lhe respondeu.
- Essa é a única maneira de um homem ser valente . E
agora, Bran, insistiu o corvo. Escolhe. Voa ou morre. A morte
estendeu as mãos para ele, gritando.
Bran abriu os braços e voou.
Asas invisíveis beberam o vento e encheram-se, e
empurraram-no para cima. As terríveis agu lhas de gelo
afastaram-se lá embaixo. O céu abriu-se lá em cima. Bran
pairou. Era melhor que escalar. Era melhor que qualquer
outra coisa. O mundo encolheu por baixo dele.
- Estou voando! - gritou, deliciado.
Já percebi, disse o corvo de três olhos. Levantou vô o,
batendo as asas contra o rosto de Bran, reduzindo -lhe a
velocidade, cegando -o. O rapaz hesitou no ar quando as
asas da ave bateram no seu rosto. O bico do corvo
apunhalou-o ferozmente, e Bran sentiu uma súbita dor
cegante no meio da testa, entre os olhos.
- O que está fazendo? - guinchou.
O corvo abriu o bico e grasnou, um estridente grito de
medo, e as névoas cinzentas estreme ceram, rodopiaram à
sua volta e rasgaram-se como um véu, e ele viu que o
corvo era na realidade uma mulher, uma criada com
longos cabelos negros, e ele a co nhecia de algum lugar, de
Winterfell, sim, era isso, agora se lembrava dela, e então
compreendeu que estava em Winterfell, numa cama, num
quarto gelado qualquer, numa torre, e a mulher de
cabelos negros deixara uma bacia de água estilhaçar-se no
chão e corria pelos degraus abaixo gritando: "Ele está
acordado, ele está acordado, ele está acordado".
Bran levou a mão à testa, entre os olhos. O lugar onde o
corvo bicara ainda ardia, mas não havia nada, nem sangue,
nem ferida. Sentiu-se fraco e tonto. Tentou sai r da cama,
mas nada aconteceu.
E então sentiu um movimento ao lado da cama, e algo
pousou agilmente sobre suas pernas. Nada sentiu. Um par
de olhos amarelos olhava os seus, brilhando como o sol. A
janela estava aberta e fazia frio no quarto, mas o calor
que vinha do lobo envolveu-o como um banho quente.
Bran compreendeu que se tratava de sua cria... ou não? O
lobo estava tão grande. Estendeu a mão para lhe fazer uma
festa, uma mão que tremia como uma folha.
Quando o irmão Robb entrou correndo no quarto, sem
fôlego por causa dos degraus da torre acima, o lobo
gigante lambia o rosto de Bran.
Bran ergueu os olhos calmamente.
- O nome dele é Verão - ele disse.
Catelyn
- Chegaremos a Porto Real dentro de uma hora. Catelyn
afastou-se da amurada e forçou-se a sorrir.
- Vossos remadores trabalharam bem por nós, capitão.
Cada um receberá um veado de prata, em sinal da minha
gratidão.
Capitão Moreo Tumitis concedeu-lhe uma meia reverência.
- E demasiado generosa, Senhora Stark. A honra de
transportar uma grande senho ra como vós é toda a
recompensa de que necessitam.
- Mas mesmo assim receberão a prata.
Moreo sorriu.
- Como desejar - falava a língua comum fluentemente,
com não mais que um ligeiro sinal de sotaque tyroshi.
Dissera-lhe que já percorria o mar estreito ha via trinta
anos, como remador, contramestre e, finalmente, capitão
de suas próprias galés comerciais. O Dançarino da Tempes-
tade era seu quarto navio, e o mais rápido, uma galé de
dois mastros e sessenta remos.
Fora certamente o mais rápido dos navios disp oníveis em
Porto Branco quando Catelyn e Sor Rodrik Cassei
chegaram do seu impetuoso galope ao longo do rio. Os
tyroshis eram célebres pela sua avareza, e Sor Rodrik
argumentara em favor de contratarem uma corveta de
pesca vinda das Três Irmãs, mas Catelyn insistira na galé.
Ainda bem. Os ventos tinham soprado contrários durante
a maior parte da viagem, e sem os remos da galé ainda
estariam tentando ultrapassar os Dedos, em vez de
deslizarem em direção a Porto Real e ao fim da travessia.
Tão perto, pensou. Sob as ataduras de linho, seus dedos
ainda latejavam nos lugares onde o punhal penetrara.
Catelyn sentia a dor como seu chicote, que existia para
que não esquecesse. Não conseguia dobrar os últimos dois
dedos da mão esquerda, e os outros nunca mais seriam
destros. Mas era um preço bem pequeno a pagar pela vida
de Bran.
Sor Rodrik escolheu aquele momento para aparecer no
convés.
- Meu bom amigo - disse Moreo através da barba verde e
bifurcada. Os tyroshis adoravam cores viv as, mesmo nos
pelos faciais. - É tão bom vê-lo com melhor aspecto.
- Sim - concordou Sor Rodrik. - Já há quase dois dias que
não desejo morrer - fez uma reverência a Catelyn. -
Minha senhora.
E estava com melhor aspecto. Um pouco mais magro do
que era quando partiram de Porto Branco, mas quase ele
próprio de novo. Os ventos fortes da Dentada e a dureza
do mar estreito não se conjugavam com ele, e quase fora
atirado borda afora quando a tempestade os apanhara
inesperadamente ao largo de Pedra do Dragão, mas de
algum modo conseguira agarrar -se a uma corda, até que
três dos homens de Moreo lograram salvá-lo e o levaram
em segurança para o interior do navio.
- O capitão acaba de dizer-me que a nossa viagem está
quase no fim - disse ela. Sor Rodrik conseguiu lhe dar um
sorriso fatigado.
- Tão depressa? - parecia estranho sem as grandes suíças
brancas; de certo modo menor, me nos feroz e dez anos
mais velho. Mas na Dentada parecera prudente submetê -
las à navalha de um tripulante depois de terem se sujado
irremediavelmente, pela terceira vez, quando ele se
inclinou sobre a amurada para vomitar contra os
turbilhões de vento.
- Vou deixá-los discutindo seus assuntos - disse o capitão
Moreo. Fez uma vénia e afastou-se. A galé deslizava sobre
a água como uma libélula, com os remos subindo e
descendo em perfeita cadência. Sor Rodrik apoiou-se na
amurada e observou a costa que ia passando.
- Não tenho sido o mais valente dos protetores. Catelyn
tocou-lhe o braço.
- Estamos aqui, Sor Rodrik, e em segurança. É tudo o que