Quando fazemos nossos votos, pomos de lado as velhas
famílias. Seu pai terá sempre um lugar no meu coração,
mas meus irmãos agora são estes - indicou com o punhal
os homens que os rodeavam, todos eles duros, frios e
vestidos de negro.
Jon levantou-se no dia seguinte de madrugada para
assistir à partida do tio. Um de seus ho mens, grande e
feio, cantava uma canção obscena enquanto selava um
pequeno mas forte cavalo, com a respiração formando
nuvens no ar frio da manhã. Ben Stark sorriu ao ouvi-lo,
mas não teve sorrisos para o sobrinho.
- Quantas vezes terei de lhe dizer que não, Jon?
Conversaremos quando eu regressar. Enquanto observava
o tio levar o cavalo para o túnel, Jon recordara as coisas
que Tyrion Lannister lhe dissera na estrada do rei, e vira,
com o olho da mente, Ben Stark morto, com o sangue
vermelho na neve. O pensamento lhe provocou náusea. Em
que estava se transformando? Mais tarde, procurou
Fantasma na solidão da cela e enterrou a cara no espesso
pelo branco do animal.
Se tinha de estar só, faria da solidão sua armadura.
Castelo Negro não possuía um bosque sa grado, apenas um
pequeno septo e um septão bêbado, mas Jon não sentia
vontade de rezar a deuses, fossem velhos ou novos. Se
existissem, pensava, eram tão cruéis e implacáveis c omo o
inverno.
Tinha saudade de seus verdadeiros irmãos: o pequeno
Rickon, com os olhos inteligentes bri lhando enquanto
suplicava um doce; Robb, seu rival, melhor amigo e
constante companheiro; Bran, teimoso e curioso, sempre
querendo seguir Jon e Robb e juntar-se ao que quer que
fosse que estivessem fazendo. Também sentia falta das
meninas, até de Sansa, que nunca o chamava de outra
coisa a não ser "o meu meio -irmão", pois já tinha idade
para saber o que bastardo queria dizer. E Arya... tinha
ainda mais saudades dela que de Robb, aquela coisinha
magricela,
sempre
de
joelhos
esfolados,
cabelos
emaranhados e roupas rasgadas, feroz e voluntariosa. Arya
nunca parecera ajustada, nunca mais do que ele... , mas
conseguia sempre fazer Jon sorrir. Daria qual quer coisa
para estar agora com ela, despentear -lhe os cabelos uma
vez mais e observá -la fazer uma careta, ouvi-la terminar
uma frase com ele.
- Quebrou meu pulso, bastardo.
Jon ergueu os olhos ao ouvir a voz carrancuda. Grenn
erguia-se a seu lado, de pescoço gro sso e rosto vermelho,
com três dos amigos atrás dele. Reconheceu Todder, um
rapaz baixo e feio com uma voz desagradável. Todos os
recrutas o chamavam Sapo. Lembrou -se de que os outros
dois tinham sido trazidos por Yoren, violadores apanhados
nos Dedos. Esquecera-se de seus nomes. Quase nunca
falava com eles, a não ser que não pudesse evitar. Eram
brutos e rufiões, sem um resquício de honra entre os
dois.
Jon ergueu-se.
- E quebro-lhe o outro se pedir com jeitinho - Grenn
tinha dezesseis anos e era uma cabeç a mais alto que Jon.
Todos os quatro eram mais altos que ele, mas não o
assustavam. Batera-os todos no pátio.
- Se nos for conveniente, podemos quebrar você - disse
um dos violadores.
- Tentem - Jon puxou a mão para trás em busca da
espada, mas um deles ag arrou-lhe o braço e torceu-o atrás
das costas.
- Você nos faz parecer maus - queixou-se Sapo.
- Você já parecia mau antes de conhecê -lo - disse-lhe Jon.
O rapaz que agarrava seu braço deu -lhe um puxão para
cima, com força. A dor assolou -o, mas Jon não queria
gritar.
Sapo aproximou-se.
- O fidalgote tem boa boca - disse. Tinha olhos de porco,
pequenos e brilhantes. - É a boca da tua mamãe,
bastardo? O que ela era, alguma rameira? Diga-nos seu
nome. Talvez eu a tenha possuído uma vez ou duas - e
riu.
Jon retorceu-se como uma enguia e esmagou um calcanhar
no peito do pé do rapaz que o segurava. Ouviu-se um
grito de dor, e Jon se livrou. Saltou sobre Sapo, atirou-o
para trás por cima de um banco e pisou sobre seu peito,
prendendo-lhe a garganta com ambas as mão s, e batendo
a cabeça dele na terra batida.
Os dois dos Dedos puxaram-no, atirando-o rudemente ao
chão. Grenn começou a dar-lhe pontapés. Jon rolava,
tentando afastar-se dos golpes, quando uma voz
trovejante soou na obscuridade do armeiro.
- PAREM COM ISTO JÁ!
Jon pôs-se em pé. Donal Noye os olhava furioso.
- O local das lutas é o pátio - disse o armeiro. -
Mantenham suas disputas longe do meu armeiro, ou as
transformarei em minhas disputas. Não gostariam que isso
acontecesse.
Sapo sentou-se no chão, tateando a nuca com cuidado. Os
dedos voltaram cheios de sangue.
- Ele tentou me matar.
- Verdade. Eu vi - interveio um dos violadores.
- Quebrou o meu pulso - disse de novo
Grenn, mostrando-o a Noye. O armeiro deu
ao pulso o mais breve dos olhares.
- Uma contusão. Talvez um entorse. Meistre Aemon lhe
dará um unguento. Vai com ele, Sapo, essa cabeça precisa
ser tratada. Os outros voltem às celas. Você não, Snow.
Você fica.
Jon sentou-se pesadamente no longo banco de madeira
enquanto os outros saíam, indiferente aos olhares dos
outros, às promessas silenciosas de futuras desforras.
Sentia seu braço latejar.
- A Patrulha necessita de todos os homens que consiga
arranjar - disse Donal Noye quando ficaram a sós. -
Mesmo de homens como o Sapo. Não ganhará honrarias se
matá-lo.
A ira de Jon relampejou.
- Ele disse que minha mãe era...
- ... uma rameira. Eu ouvi. E daí?
- Lorde Eddard Stark não era homem de dormir com
rameiras - disse Jon em tom gelado.
- Sua honra...
- ... não o impediu de ser pai de um bastardo. Não é?
Jon estava gelado de raiva.
- Posso ir?
- Vai quando eu disser para ir.
Jon observou carrancudo o fumo erguendo -se do braseiro,
até que Noye lhe tomou o queixo, com dedos grossos que
lhe viraram a cabeça.
- Olha para mim quando falo com você, rapaz.
Jon olhou. O armeiro tinha um peito que era como uma
barrica de cerveja, e um estômago à al tura. O nariz era
largo e achatado, e parecia estar sempre precisando fazer
a barba. A manga esquer da de sua túnica de lã negra
estava presa ao ombro com um alfinete de prata em forma
de espada.
- As palavras não farão da sua mãe uma rameira. Ela era
o que era, e nada que Sapo diga pode mudar isso. Sabe,
temos homens na Muralha cujas mães eram rameiras.
A minha mãe não, pensou Jon, teimosamente. Nada sabia da
mãe; Eddard Stark não fala va dela. Mas por vezes sonhava
com ela, com tanta frequência que quase podia ver seu
rosto. Nos sonhos, era bela, bem-nascida e tinha olhos
bondosos,
- Você pensa que tem azar por ser bastardo de um grande