senhor? - prosseguiu o armeiro. - Aquele rapaz, Jeren, é
descendente de um septão, e Cotter Pyke é filho ilegítimo
de uma mulher de taberna. Hoje, comanda Atalaialeste do
Mar.
- Não me importa - disse Jon, - Não me importo com eles,
e não me importo com você ou Thorne ou Benjen Stark,
ou seja quem for. Detesto isto aqui. E muito... é frio.
- Sim. Frio, duro e miserável, é assim a Muralha e assim
são os homens que a percorrem. Nada como as histórias
que sua ama de leite te contou. Pois bem, cague nas
histórias e cague na sua ama de leite. É assim que as
coisas são, e está aqui para a vida toda, tal como o resto
de nós.
- Vida - repetiu Jon amargamente. O armeiro podia falar
da vida. Tivera uma. Só vestira o negro depois de perder
um braço no cerco de Ponta Tempestade. Antes disso,
fora ferreiro de Stannis Baratheon, o irmão do rei. Vira os
Sete Reinos de uma ponta à outra, gozara de festins e
mulheres, e lutara numa centena de batalhas. Dizia -se que
fora Donal Noye quem forjara o martelo de batalha do Rei
Robert, aquele que esmagara a vida de Rhaegar Targaryen
no Tridente, Fizera tudo aquilo que Jon nunca faria, e
depois, quando envelheceu, bem para lá dos trinta anos,
recebeu um golpe de raspão de um machado, mas a ferida
ulcerou até que todo o braço teve de lhe ser tirado. Só
então, aleijado, é que Donal Noye vi era para a Muralha,
quando tinha a vida praticamente acabada.
- Sim, vida - disse Noye, - Uma vida longa, ou curta, é
contigo, Snow, Pelo caminho que está seguindo, um dos
teus irmãos te abrirá a garganta uma noite.
- Eles não são meus irmãos - Jon retorquiu bruscamente. -
Odeiam-me porque sou melhor que eles.
- Não. Odeiam-no porque age como se fosse melhor que
eles. Olham para você e veem um bastardo educado num
castelo que pensa que é um fidalgo - o armeiro se
aproximou. - Não é fidalgo nenhum. Lembre -se disso. É
um Snow, não um Stark. É um bastardo e um arruaceiro.
- Um arruaceiro? - Jon quase se engasgou com a palavra. A
acusação era tão injusta que lhe tirou a respiração. -
Foram eles que me atacaram. Os quatro.
- Quatro que você humilhou no pátio. Quatro que
provavelmente o temem. Vi você lutar. Contigo não há
treinos. Um bom gume na sua espada, e eles estão mortos;
você sabe, eu sei, eles sabem. Não lhes deixa nada.
Envergonha-os. Isso o deixa orgulhoso?
Jon hesitou. Sentia -se orgulhoso quando ganhava. E por
que não havia de sentir? Mas o ar meiro também estava
lhe tirando isto, tentando convencê -lo de que estava
fazendo algo de errado.
- Eles são todos mais velhos que eu - disse,
defensivamente.
- Mais velhos, maiores e mais fortes, é verdade. Mas
aposto que seu me stre de armas em Winterfell o ensinou
a lutar contra homens maiores. Quem é ele, algum velho
cavaleiro?
- Sor Rodrik Cassei - disse Jon com prudência. Havia ali
uma armadilha. Sentia-a fechar-se em seu redor.
Donal Noye inclinou-se para a frente, encarando J on de
perto,
- Pense agora nisto, rapaz. Nenhum dos outros teve
alguma vez um mestre de armas até Sor Alliser. Os pais
deles eram lavradores, carroceiros e caçadores furtivos,
ferreiros, mineiros e rema dores numa galé mercantil. O
que conhecem da luta apren deram entre os conveses, nas
ruelas de Vilavelha e Lanisporto, em bordéis e tabernas na
estrada do rei. Podem ter dado uns golpes com uns paus
antes de terem chegado aqui, mas garanto -lhe que nem
um em cada vinte foi sufi cientemente rico para possuir
uma espada verdadeira - seu olhar era sombrio. - Então,
que lhe parecem agora as suas vitórias, Lorde Snow?
- Não me chame assim! - disse Jon em tom penetrante,
mas sua ira perdera força. De re pente, sentiu-se
envergonhado e culpado. - Eu nunca... não pensei...
- É melhor que comece a pensar - Noye o preveniu. - É
isto, ou passar a dormir com um punhal na cabeceira.
Agora vá.
Quando Jon saiu do armeiro era quase meio -dia. O sol
rompera as nuvens. Virou -lhe as costas e ergueu os olhos
para a Muralha, que ardia azul e cristalina à luz do sol.
Mesmo depois de todas aquelas semanas, vê -la ainda o
fazia arrepiar-se. Séculos de poeira soprada pelo vento
tinham-na marcado e polido, cobrindo -a como uma
película, e parecia frequentemente ser de um cinza-claro,
da cor do céu nublado..., mas quando o sol caía sobre ela
num dia luminoso, brilhava, viva de luz, um colossal
penhasco azul-esbranquiçado que enchia metade do céu.
A maior estrutura alguma vez construída por mãos
humanas, dissera Benjen Stark a Jon na estrada do rei
quando, pela primeira vez, vislumbraram a Muralha a
distância. "E, sem a menor dúvida, a mais inútil"
acrescentara Tyrion Lannister com um sorriso, mas até o
Duende se remeteu ao silêncio quando se aproximaram.
Podia-se vê-la de milhas de distância, uma li nha azul--
clara ao longo do horizonte norte, estendendo -se para
leste e oeste e desaparecendo na distância longínqua,
imensa e contínua. Isto é o fim do mundo, parecia dizer.
Quando finalmente viram Castelo Negro, suas fortificações
de madeira e torres de pedra não pareciam mais que um
punhado de blocos de brincar espalhados na neve sob a
vasta muralha de gelo. A antiga fortaleza dos irmãos
negros não era nenhum Winterfell, nem sequer era um
castelo. Sem muralhas, não podia ser defendida, não pelo
sul, leste ou oeste; mas era apenas o norte que
preocupava a Patrulha da Noite, e para o norte erguia -se
a Muralha. Erguia-se a cerca de duzentos metros, três
vezes a altura da mais alta torre do forte que defendia. O
tio dissera-lhe que o topo era suficientement e largo para
que uma dúzia de cavaleiros cavalgassem lado a lado
vestidos de armadura. As esguias silhuetas de enormes
catapultas e monstruosas gruas de madeira mon tavam
guarda lá em cima, como esqueletos de grandes aves, e
entre elas caminhavam homens de negro, pequenos como
formigas.
A porta do armeiro, olhando para cima, Jon sentiu -se
quase tão esmagado como naquele dia na estrada do rei
em que vira a Muralha pela primeira vez. A Muralha era
assim. Por vezes quase conseguia se esquecer de que ela
estava ali, do mesmo modo que uma pessoa se esquece do
céu ou da terra que pisa, mas havia outras alturas em que
parecia que nada mais existia no mundo. Era mais velha
que os Sete Reinos, e quando Jon olhava para cima,
sentia-se entontecido. Conseguia sentir o enorme peso de
todo aquele gelo fazendo pressão sobre ele, como se
estivesse prestes a ruir, e de algum modo Jon sabia que se
a Muralha caísse, o mundo cairia com ela.
- Faz-nos pensar no que está do outro lado - disse uma