voz familiar. Jon olhou em volta.
- Lannister. Não vi... quer dizer, pensei que estivesse
sozinho.
Tyrion Lannister estava enrolado em peles tão grossas que
parecia um urso muito pequeno.
- Muito se pode dizer em defesa de apanhar as pessoas
desprevenidas. Nunca se sabe o que se pode aprender.
- Não aprenderá nada comigo - disse-lhe Jon. Pouco vira o
anão desde o fim da viagem. Na qualidade de irmão da
rainha, Tyrion Lannister era convidado de honra da
Patrulha da Noite. O Senhor Comandante destinara -lhe
aposentos na Torre Real - embora, apesar do nome, ne-
nhum rei a tivesse visitado em cem anos -, e Lannister
jantava à mesa de Mormont, passava os dias percorrendo
a Muralha e as noites jogando dados e bebendo com Sor
Alliser, Bowen Marsh e os outros oficiais de alta patente.
- Ah, eu aprendo coisas onde quer que vá - o homenzinho
indicou a Muralha com um ca jado negro e nodoso. - Como
estava dizendo... por que será que quando um homem
constrói uma parede, o homem seguinte precisa
imediatamente saber o que está do outro lado? - inclinou
a cabeça e olhou Jon com seus olhos curiosos e desiguais.
- Você quer saber o que está do outro lado, não quer?
- Não é nada de especial - disse Jon. Desejava partir com
Benjen Stark em suas patrulhas, penetrar profundamente
nos mistérios da Floresta Assombrada, desejava lu tar com
os selvagens de Mance Rayder e defender o reino contra
os Outros, mas era melhor não mencionar as coisas que
desejava. - Os patrulheiros dizem que é só floresta,
montanhas e lagos gelados, com montes de neve e gelo.
- E os gramequins e os snarks - disse Tyrion. - Não nos
esqueçamos deles, Lorde Snow, caso contrário, para que
serve aquela grande coisa?
- Não me chame Lorde Snow.
O anão ergueu uma sobrancelha.
- Preferiria ser tratado por Duende? Se deixá -los
perceber que suas palavras o magoam, nunca se verá livre
da troça. Se lhe quiserem atribuir um nome, aceite -o,
faça-o seu. Assim, não poderão voltar a magoá -lo com ele
- fez um gesto com o cajado. - Vem, anda comigo. A esta
altura devem estar servindo um guisado nojento na sala
de estar, e não recusarei uma tigela de qualquer coisa
quente.
Jon também tinha fome, e assim se pôs ao lado do
Lannister e moderou o passo para ajustá -lo aos
desajeitados e bamboleantes do anão. O vento estava
aumentando, e ouviam os velhos edi fícios de madeira
estalarem em toda a volta, e, a distância, uma porta
pesada bater, uma e outra vez, esquecida. A certa altura
ouviu-se um tump abafado, quando uma camada de neve
deslizou de um telhado e caiu perto deles.
- Não vejo seu lobo - disse o Lannister enquanto
caminhavam.
- Amarro-o nos velhos estábulos quando estamos
treinando. Agora alojam todos os cavalos nas cavalariças
orientais e ninguém o incomoda. Durante o resto do
tempo, fica comigo. Minha cela fica na Torre de Hardin.
- Essa é a que tem a ameia partida, não é? Pedra
estilhaçada no pátio abaixo e uma inclinação que parece o
nosso nobre rei Robert depois de uma longa noite de
bebida? Pensei que todos esses edifícios estivessem
abandonados.
Jon encolheu os ombros.
- Ninguém liga para onde dormimos. A maior parte das
velhas torres está vazia, e pode -se escolher qualquer cela
que se deseje - em outros tempos, Castelo Negro alojara
cinco mil guerreiros com todos os seus cavalos, servidores
e armas. Agora era o lar de um décimo desse número, e
partes do castelo estavam caindo em ruína.
A gargalhada de Tyrion Lannister evaporou como uma
nuvem no ar frio.
- Hei de dizer ao seu pai para prender mais alguns
pedreiros, antes que sua torre caia.
Jon podia sentir a troça que havia naquelas palavras, mas
não adiantava negar a verdade. A Patrulha construíra
dezenove grandes fortes ao longo da Muralha, mas apenas
três se mantinham ocupados: Atalaialeste, em sua costa
cinzenta varrida pelo vento ; a Torre Sombria, junto às
montanhas onde a Muralha terminava; e, entre elas,
Castelo Negro, na e xtremidade da estrada do rei. As
outras fortificações, há muito desertas, eram lugares
solitários e assombrados, onde os ventos frios assobiavam
através de janelas negras e os espíritos dos mortos
guarneciam os baluartes.
- É melhor que eu esteja sozinho - disse teimosamente
Jon. - Os outros temem o Fantasma.
- Rapazes sensatos - disse o Lannister. Então, mudou de
assunto. - Dizem que seu tio já está fora há tempo
demais.
Jon recordou o desejo que tivera em sua ira, a visão de
Benjen Stark morto na neve, e desv iou o olhar
rapidamente. O anão tinha maneiras de se aperceber das
coisas, e Jon não queria que ele visse a culpa em seus
olhos.
- Ele disse que voltaria por volta do dia do meu nome -
admitiu. O dia do seu nome chegara e partira, sem ser
notado, havia uma q uinzena. - Iam à procura de Sor
Waymar Royce, cujo pai é vassalo de Lorde Arryn. Tio
Benjen disse que poderiam ir à sua procura até tão longe
como a Torre Sombria. Isso é todo o caminho até as
montanhas.
- Ouvi dizer que têm desaparecido muitos patrulheiros
nos últimos tempos - disse o Lannister enquanto subiam
os degraus que levavam à sala comum. Sorriu e abriu a
porta. - Talvez os gramequins estejam com fome este ano.
Lá dentro, o salão era imenso e cheio de correntes de ar,
mesmo com um fogo a rugir na grande lareira. Corvos
faziam ninhos nas vigas do majestoso teto. Jon ouviu seus
gritos, enquanto acei tava uma tigela de guisado e uma
fatia de pão preto dos cozinheiros do dia. Grenn, Sapo e
alguns dos outros estavam sentados no banco mais
próximo do calor, rindo e lançando pragas uns aos outros
com vozes rudes. Jon os observou por um momento,
pensativo. Depois, escolheu um local na ponta oposta do
salão, bem afastado do resto dos presentes.
Tyrion Lannister sentou-se à sua frente, cheirando,
desconfiado, o guisado.
- Cevada, cebola, cenoura - murmurou. - Alguém deveria
dizer aos cozinheiros que nabo não é carne.
- É guisado de carneiro - Jon descalçou as luvas e aqueceu
as mãos no vapor que subia da tigela. O cheiro lhe dava
água na boca.
- Snow.
Jon reconheceu a voz de Alliser Thorne, mas havia nela
uma curiosa nota que não ouvira antes. Virou -se.
- O Senhor Comandante deseja vê -lo. Já.
Por um momento, Jon ficou muito assustado para se
mover. Por que ia querer o Senhor Comandante vê -lo?
Tinham ouvido algo sobre Be njen, pensou, descontrolado.
Estava morto, a visão tinha se tornado realidade.
- É o meu tio? - proferiu atabalhoadamente. - Regressou
em segurança?
- O Senhor Comandante não está habituado a esperar - foi