chegava ao peito. Mais um ano e Tyrion tinha a sensação
sombria de que teria de olhar para cima se quisesse ver
sua cabeça.
- Que faz aqui esta noite? - perguntou. - Além de
congelar seus órgãos viris?
- Calhou-me a guarda noturna - Jon respondeu. - Outra
vez. Sor Alliser tratou gentilmente de arranjar as coisas
de modo que o comandante da guarda ganhasse um
especial interesse por mim. Pare ce pensar que, se me
mantiverem acordado metade da noite, acabarei dormindo
durante o exercício da manhã. Até agora o tenho
desapontado.
Tyrion mostrou os dentes.
- E o Fantasma já aprendeu a fazer malabarismos?
- Não - disse Jon, sorrindo -, mas hoje de manhã Grenn
conseguiu aguentar Halder, e Pyp já não deixa cair a
espada tantas vezes como deixava.
-Pyp?
- Seu verdadeiro nome é Pypar. O rapaz pequeno com
grandes orelhas. Ele me viu traba lhando com Grenn e me
pediu ajuda. Thorne nunca sequer lhe tinha mostrad o a
maneira certa de segurar uma espada - virou-se para
olhar o norte. - Tenho uma milha de Muralha para
guardar. Caminha comigo?
- Se caminhar devagar - disse Tyrion.
- O comandante da guarda diz que devo caminhar para
impedir o sangue de congelar, mas nunca me disse nada
sobre a velocidade.
Puseram-se a caminho, com Fantasma caminhando ao lado
de Jon como uma sombra branca.
- Parto de manhã - disse Tyrion.
- Eu sei - Jon soava estranhamente triste.
- Pretendo parar em Winterfell a caminho do sul. Se
houver alguma mensagem que deseje que eu entregue...
- Diga a Robb que vou comandar a Patrulha da Noite e
mantê-lo a salvo, e, portanto ele bem pode aprender a
tricotar com as moças e dar a espada a Mikken para que a
derreta para ferraduras.
- Seu irmão é maior que eu - disse Tyrion com uma
gargalhada. - Declino a entrega de qualquer mensagem
que possa me matar.
- Rickon perguntará quando volto para casa. Tente lhe
explicar onde estou, se for possível, Diga -lhe que pode
ficar com todas as minhas coisas enquanto eu estiver fora;
ele gostará disso,
Tyrion pensou que as pessoas pareciam estar lhe pedindo
muitas coisas naquele dia.
- Sabe que pode pôr tudo isso numa carta, não sabe?
- Rickon ainda não sabe ler. Bran... - parou subitamente. -
Não sei que mensagem enviar a Bran. Ajude -o, Tyrion.
- Que ajuda eu poderia lhe dar? Não sou nenhum meistre
para lhe atenuar as dores. Não possuo feitiços para lhe
devolver as pernas.
- Ajudou-me quando precisei - disse Jon Snow.
- Não te dei nada - Tyrion respondeu. - Palavras.
- Nesse caso, dê também a Bran as suas palavras.
- Você está pedindo a um coxo que ensine um aleijado a
dançar - Tyrion retrucou. - Por mais sincera que seja a
lição, é provável que o resultado seja grotesco. Mas sei o
que é amar um irmão, Lorde Snow. Darei a Bran qualquer
pequena ajuda que esteja ao meu alcance.
- Obrigado, meu senhor de Lannister - Jon tirou a luva e
ofereceu a mão nua. - Amigo. Tyrion deu por si
estranhamente comovido.
- A maior parte de meus parentes são bastardos - disse
com um sorriso cansado -, mas você é o primei ro que tive
como amigo - descalçou uma luva com os dentes e
agarrou a mão de Snow, carne contra carne. A mão do
rapaz era firme e forte.
Depois de voltar a calçar a luva, Jon Snow virou -se
abruptamente e caminhou até o baixo e gelado parapeito
norte. Para lá dele a Muralha caía bruscamente, havia
apenas escuridão e regiões selvagens. Tyrion o seguiu, e
lado a lado ergueram-se no limite do mundo.
A Patrulha da Noite não permitia que a floresta se
aproximasse mais de uma milha da face norte da muralha.
Os matagais de pau-ferro, árvores sentinelas e carvalhos
que em outros tem pos cresceram ali, havia séculos tinham
sido abatidos para criar uma vasta extensão de terreno
aberto através do qual nenhum inimigo poderia esperar
passar sem ser visto. Tyrion ouvira di zer que em outros
locais da Muralha, entre as três fortalezas, a floresta viera
se aproximando ao lon go das décadas, que havia locais
onde
sentinelas
cinza-esverdeadas
e
represeiros
esbranquiçados tinham criado raízes à sombra da própria
Muralha, mas Cast elo Negro tinha um prodigioso apetite
por lenha, e ali a floresta ainda era mantida afastada
pelos machados dos irmãos negros.
Mas nunca estava longe. Dali, Tyrion podia vê -la, as
árvores escuras que se erguiam para lá da extensão de
terreno aberto, como uma segunda muralha construída em
paralelo com a primeira, uma muralha de noite. Poucos
machados tinham alguma vez sido brandidos naquela
floresta negra, onde até o luar não conseguia penetrar o
antigo emaranhado de raízes, espinhos e ramos. Lá onde
as árvores cresciam enormes, e os patrulheiros diziam que
pareciam meditar e que não conheciam os homens. Pouco
surpreendia que a Patrulha da Noite lhe chamasse a Flo -
resta Assombrada.
Ali, em pé, olhando para toda aquela escuridão sem um
fogo a arder onde quer q ue fosse, com o vento soprando e
o frio que era como uma lança nas entranhas, Tyrion
Lannister sentiu que quase podia acreditar na conversa
sobre os Outros, os inimigos da noite. Suas brincadeiras
sobre gramequins e snarksji. não lhe pareciam assim tão
engraçadas.
- Meu tio está ali - disse Jon Snow em voz baixa,
inclinando a lança enquanto mantinha os olhos fixos na
escuridão. - Na primeira noite em que me mandaram aqui
para cima, pensei que Tio Benjen voltaria, eu seria o
primeiro a vê-lo e sopraria o corno. Mas ele não veio.
Nem nessa noite nem em nenhuma das outras.
- Dê-lhe tempo - disse Tyrion.
Longe, para norte, um lobo começou a uivar. Outra voz
juntou-se ao chamado, e depois uma terceira. Fantasma
inclinou a cabeça e escutou.
- Se ele não regressar - prometeu Jon Snow -, Fantasma e
eu vamos à sua procura - pousou a mão na cabeça do
lobo gigante.
- Acredito - disse Tyrion, mas o que pensou foi: E quem
irá à sua procura? Estremeceu.
Arya
Seu pai tinha estado outra vez lutando com o conselho.
Arya podia ver isto em seu rosto quando chegou à mesa,
de novo atrasado, como acontecia tantas vezes. O
primeiro prato, uma espessa sopa suave feita com
abóbora, já fora levado quando Ned Stark entrou a passos
largos no Pequeno Salão. Chamavam -no assim para
distingui-lo do Grande Salão, onde o rei podia dar um
banquete para mil pessoas, mas era uma sala comprida
com um teto alto e abobadado, e lugar para duzentos
convivas às mesas.
- Senhor - disse Jory quando Stark entrou. Pôs-se de pé, e
o resto da guarda ergueu -se com ele. Todos os homens