usavam mantos novos, de pesada lã cinzenta com uma
borda de cetim branco. Uma mão feita de prata batida se
agarrava às dobras de lã dos mantos e marcava quem os
usava como membro da guarda pessoal da Mão. Eram só
cinquenta, e a maior parte dos bancos encontrava -se
vazia.
- Sentem-se - disse Eddard Stark. - Vejo que começaram
sem mim. Agrada-me ver que ainda há alguns homens de
bom-senso nesta cidade - fez sinal para a refeição
prosseguir. Os criados começaram a trazer bandejas de
costeletas assadas em crosta de alho e ervas.
- Dizem no pátio que vamos ter um torneio, senhor - disse
Jory quando voltou a se sentar.
- Dizem que virão cavaleiros de todo o reino para ajusta e
para um banquete em honra da vossa nomeação como
Mão do Rei.
Arya percebeu que seu pai não estava muito feliz com
aquilo.
- Também dizem que isto é a última coisa no mundo que
eu desejaria? - o pai falou, e os olhos de Sansa se
esbugalharam.
- Um torneio - suspirou. Estava sentada entre Septã
Mordane e Jeyne Poole, o mais longe de Arya que podia
sem receber uma reprimenda do pai. - Vão nos deixar ir,
pai?
- Conhece os meus sentimentos, Sansa. Parece que devo
organizar os jogos de Robert e fingir estar honrado com
eles. Isso não quer dizer que deva submeter minhas filhas
a esta loucura.
- Ah, por favor - Sansa pediu. - Eu quero ver.
Septã Mordane interveio.
- A Princesa Myrcella estará lá, senhor, e é mais nova que
a Senhora Sansa. Num grande evento como este, espera -se
a presença de todas as senhoras da corte, e como o
torneio é em vossa honra, parecerá estranho se vossa
família não comparecer.
O pai fez uma expressão sentida.
- Suponho que sim. Muito bem, arranjarei um lugar para
você, Sansa - ele olhou para Arya.
- Para as duas.
- Não me interessa o estúpido torneio deles - disse Arya.
Sabia que Príncipe Joffrey estaria lá, e ela o odiava.
Sansa ergueu a cabeça.
- Será um evento magnífico. Não a quererão lá.
Um relâmpago de ira surgiu no rosto do pai.
- Basta, Sansa. Diga mais uma coisa dessas e mudo de
idéia. Estou cansado de morte desta guerra sem fim que
vocês duas travam. São irmãs. Espero que se comportem
como tal, entendido?
Sansa mordeu o lábio e anuiu. Arya baixou o rosto para o
prato e fitou-o, carrancuda. Sentia lágrimas a arder-lhe
nos olhos. Esfregou-as, zangada, determinada a não
chorar. O único som que se ouvia era o ruído das facas e
dos garfos.
- Por favor, desculpem-me - anunciou o pai à mesa. -
Descobri que esta noite tenho pouco apetite - e saiu do
salão.
Depois de ele partir, Sansa trocou segredos comjey ne
Poole. Ao fundo da mesa, Jory riu de uma piada e Hullen
começou a falar de cavalos.
- Seu cavalo de guerra, preste atenção, pode não ser o
melhor para a justa. Não é a mesma coisa, ah, não, não é
de todo a mesma coisa - os homens tinham ouvido tudo
aquilo antes; Desmond, Jacks e o filho de Hullen, Harwin,
gritaram-lhe em uníssono que se calasse, e Porther pediu
mais vinho.
Ninguém falou com Arya. Ela não se importou. Gostava
das coisas assim. Teria feito suas refeições sozinha no
quarto se lhe fosse perm itido. E por vezes permitiam,
quando o pai tinha de jantar com o rei, com algum senhor
ou com os enviados deste ou daquele lugar. No resto do
tempo, comiam no seu solar, só ele, ela e Sansa. Era então
que Arya mais sentia saudades dos irmãos. Queria
provocar Bran, brincar com o bebê Rickon e fazer com
que Robb lhe sorrisse. Queria que Jon despenteasse seu
cabelo, chamasse-a de "irmãzinha" e acabasse as frases
junto com ela. Mas estavam todos longe. Não tinha
ninguém, a não ser Sansa, e Sansa nem sequer lhe falava,
a não ser que o pai a obrigasse.
Em Winterfell, quase metade das refeições era feita no
Salão Grande. O pai costumava dizer que um senhor devia
comer com seus homens se esperava conservá -los. Arya
um dia o ouviu dizer a Robb: "Conheça os homens qu e o
seguem e deixe que eles o conheçam. Não peça aos seus
homens para morrer por um estranho". Em Winterfell
tivera sempre um lugar extra à sua mesa, e todos os dias
um homem diferente era convidado a juntar-se a eles.
Uma noite seria Vayon Poole e a cohve rsa versaria sobre
cobres, reservas de pão e criados. Na próxima seria
Mikken, e o pai o ouviria discorrer sobre armaduras e
espadas, quão quente devia estar uma forja e qual a
melhor maneira de temperar o aço. Outro dia seria Hullen
com sua infinita conve rsa de cavalos, ou Septão Chayle da
biblioteca, ou Jory, ou Sor Rodrik, ou até a Velha Ama
com suas histórias.
Não havia nada que Arya mais gostasse do que se sentar à
mesa do pai e ouvi -los falar. Tam bém gostava de ouvir os
homens que se sentavam nos ban cos: cavaleiros livres,
duros como couro; cavaleiros cortesãos; jovens e ousados
escudeiros; velhos e grisalhos homens de armas.
Costumava atirar-lhes bolas de neve e ajudá-los a roubar
tortas da cozinha. As mulheres desses homens ofereciam-
lhe bolinhos de aveia e trigo e ela inventava nomes para
os seus bebês e brincava com seus filhos de monstros e
donzelas, ou busca do tesouro, ou vem ao meu castelo.
Gordo Tom costumava chama -lá de "Arya Debaixo dos
Pés", porque dizia que era aí que ela estava sempre. Go s-
tava muito mais desse nome do que de "Arya Cara de
Cavalo".
Mas isso era Winterfell, a um mundo de distância, e agora
tudo mudara. Aquela era a pri meira vez que tinham
comido uma refeição com os homens desde a chegada a
Porto Real. E Arya detestou. Agor a detestava o som de
suas vozes, o modo como riam, as histórias que contavam.
Tinham sido seus amigos, tinha se sentido segura junto
deles, mas agora sabia que isso era uma mentira. Tinham
deixado
a
rainha
matar
Lady,
e
isso
já
fora
suficientemente horríve l, mas depois o Cão de Caça
encontrara Mycah. Jeyne Poole dissera a Arya que o tinha
cortado em tantos pedaços que o devolveram ao carniceiro
dentro de um saco, e a princípio o pobre homem pensara
tratar-se de um porco morto. E ninguém levantara uma
voz ou puxara uma espada ou qualquer coisa, nem Harwin,
que falava sempre tão ousadamente, nem Alyn, que ia ser
um cavaleiro, ou Jory, que era capitão da guarda. Nem
mesmo seu pai.
- Ele era meu amigo - sussurrou Arya para o prato, tão
baixo que ninguém a ouviu . Suas costeletas estavam ali,
intocadas, esfriando, uma fina película de gordura
solidificando por baixo delas no prato. Arya as olhou e se
sentiu mal. Afastou a cadeira da mesa.
- Perdão, onde pensa que vai, jovem senhora? -