encheram de lágrimas. - Pedi a Mycah para praticar
comigo - o desgosto assaltou-a por inteiro. Virou-se,
tremendo: - Eu lhe pedi - chorou. - Foi culpa minha, fui
eu...
De súbito, os braços do pai estavam à sua volta. Abraçou-
a gentilmente quando ela se virou e desatou a soluçar
contra seu peito.
- Não, querida - murmurou. - Chore pelo seu amigo, mas
nunca se culpe. Você não matou o filho do carniceiro.
Esse assassinato cabe ao Cão de Caça, a ele e à mulher
cruel que serve.
- Odeio-os - confidenciou Arya, com o rosto vermelho,
fungando. - Ao Cão, à rainha, ao rei e ao Príncipe Joffrey.
Odeio-os todos. Joffrey mentiu, as coisas não se passaram
como ele disse. E também odeio Sansa. Ela se lembrava, só
mentiu para que Joffrey gostasse dela.
- Todos mentimos - seu pai disse. - Ou será que pensa
mesmo que acreditei que Nymeria tinha fugido?
Arya corou.
- Jory prometeu não contar,
- Jory manteve a promessa - confirmou o pai com um
sorriso. - Há certas coisas que não preciso que me sejam
ditas. Até um cego podia ver que aquele lobo nunca te
deixaria de boa vontade.
- Tivemos de atirar-lhe pedras - disse ela em tom infeliz. -
Eu lhe disse para fugir, para ser livre, que já não a
queria. Havia outros lobos com quem brincar, ouvíamos
seu uivo, e Jory disse que os bosques estavam cheios de
caça, e ela teria veados para caçar. Mas ela continuava a
nos seguir, e po r fim tivemos que lhe atirar pedras.
Atingi-a duas vezes. Ela gemeu e olhou para mim, e eu me
senti tão envergonhada, mas foi a coisa certa a fazer, não
foi? A rainha a teria matado.
- Foi a coisa certa a fazer - seu pai respondeu. - E mesmo
a mentira foi... algo com certa honra - Ned colocou
Agulha de lado para abraçar Arya. Depois, voltou a pegar
a arma e caminhou até a janela, onde parou por um
momento, olhando para além do pátio. Quando se voltou
virando, tinha os olhos pensativos. Sentou-se no assento
de janela, com Agulha pousada nas co xas. - Arya, sente-se.
Tenho de tentar lhe explicar algumas coisas.
Ela empoleirou-se ansiosamente na beira da cama.
- Você é nova demais para ser sobrecarregada com todos
os meus problemas - disse-lhe -, mas também é uma Stark
de Winterfell. Conhece o nosso lema.
- O inverno está para chegar - sussurrou Arya.
- Os tempos duros e cruéis - disse o pai. - Provamo-los
no Tridente, filha, e quando Bran caiu. Você nasceu
durante o longo verão, querida, e nunca conheceu nada
além dele, mas agora o inverno está realmente chegando.
Lembra-se do selo da nossa Casa, Arya?
- O lobo gigante - ela respondeu, pensando em Nymeria.
Abraçou os joelhos contra o peito, de repente sentindo
medo.
- Deixe-me lhe dizer algumas coisas acerca de lobos , filha.
Quando as neves caem e os ventos brancos sopram, o lobo
solitário morre, mas a alcateia sobrevive. O verão é o
tempo das picuinhas. No inverno, devemos proteger uns
aos outros, nos manter quentes, partilhar nossas forças.
Por isso, se tiver de od iar, Arya, odeie aqueles que
realmente nos querem fazer mal. Septã Mor dane é uma
boa mulher, e Sansa... Sansa é sua irmã. Vocês podem ser
tão diferentes como o Sol e a Lua, mas o mesmo sangue
corre pelos seus corações. Você precisa dela, tal como ela
precisa de você... e eu preciso de ambas, que os deuses
me protejam.
Seu pai soava tão cansado que fez Arya sentir -se triste.
- Eu não odeio Sansa - disse-lhe. - Não de verdade - era só
meia mentira.
- Não quero assustá-la, mas também não vou mentir.
Viemos para um lugar escuro e perigo so, filha. Isto não é
Winterfell. Temos inimigos que nos desejam mal. Não
podemos travar uma guerra entre nós. Essa sua
obstinação,
as
fugas,
as
palavras
zangadas,
a
desobediência... em casa, eram só os jogos de verão de
uma criança. Aqui e agora, com o inverno para chegar em
breve, as coisas são diferentes. É tempo de começar a
crescer.
- Eu cresço - prometeu Arya. Nunca o amara tanto como
naquele instante. - Também posso ser forte. Posso ser tão
forte como Robb.
Ele lhe estendeu Agulha, entregando-lhe o cabo.
- Toma.
Ela olhou para a espada com espanto nos olhos. Por um
momento teve medo de tocá-la, medo de que, se
estendesse a mão, ela lhe seria de novo arrebatada, mas
então o pai disse:
- Vá lá, é sua - e ela pegou na arma.
- Posso ficar com ela? - perguntou. - De verdade?
- De verdade - ele sorriu. - Se a tirasse de você, não tenho
dúvidas de que em menos de uma quinzena encontraria
uma maça escondida debaixo da sua almofada. Tente não
apunhalar sua irmã, seja qual for a provocação.
- Não apunhalo. Prometo - Arya apertou Agulha com força
contra o peito enquanto o pai se retirava.
Na manhã seguinte, ao desjejum, pediu desculpa à Septã
Mordane. A septã a olhou com sus peita, mas o pai acenou
com a cabeça.
Três dias mais tarde, ao meio -dia, o intendente do pai,
Vayon Poole, mandou Arya até o Sa lão Pequeno. As mesas
tinham sido desmanteladas e os bancos, arrumados junto
às paredes. O salão parecia vazio, até que uma voz que
não lhe era familiar disse:
- Está atrasado, rapaz - um homem franzino com uma
cabeça calva e um nariz que mais parecia um grande bico
saiu das sombras segurando um par de estreitas espadas
de madeira. - Amanhã deve estar aqui ao meio -dia - seu
sotaque tinha a entoação das Cidades Livres, talvez
Bravos, ou Myr.
- Quem é o senhor? - perguntou Arya.
- Sou seu mestre de dança - atirou-lhe uma das armas de
madeira.
Ela tentou agarrá-la no ar, falhou, e a ouviu cair com
estrondo no chão.
- Amanhã você a agarrará. Agora, apanhe -a.
Não era apenas um pau, mas uma verdadeira espada de
madeira completa, com punho, guar da e botão. Arya a
apanhou e a agarrou nervosamente com ambas as mãos,
erguendo-a à sua frente. Era mais pesada do que parecia,
muito mais pesada do que Agulha.
O homem calvo fez estalar os cientes.
- Não é assim, rapaz. Isto não é uma espada longa, que
precisa de duas mãos para ser bran dida. Pega na arma
com uma mão.
- É pesada demais - Arya justificou.
- É tão pesada quanto precisa ser para deixá -lo forte e
para o equilíbrio. Um buraco aí dentro está cheio de
chumbo exatamente para is so. Agora, uma mão é tudo o
que é preciso,
Arya tirou a mão direita do punho e limpou a palma
suada nas calças. Segurou a espada com a mão esquerda.
Ele pareceu aprovar.
- A esquerda é boa. Tudo o que seja invertido atrapalhará
mais seus inimigos. Mas está n a posição errada. Vira o