dormir.
Os dias seguiram-se a outros, e as noites seguiram -se a
outras, até Dany compreender que não conseguia suportar
aquilo nem mais um momento. Uma noite decidiu que
preferia se matar em vez de continuar...
Mas, quando conseguiu adormecer nessa noite, vol tou a
sonhar o sonho do dragão. Daquela vez Viserys não estava
nele. Só ela e o dragão. Suas escamas eram negras como a
noite, mas luzidias de sangue. Dany sentiu que aquele
sangue era dela. Os olhos do animal eram lagoas de
magma derretido, e, quando abr iu a boca, a chama surgiu,
rugindo, num jato quente. Dany podia ouvi -lo cantar para
ela. Abriu os braços ao fogo, acolheu -o, para que ele a
engolisse inteira e a lavasse, tem perasse e polisse até ficar
limpa. Podia sentir sua carne secar, enegrecer e desc amar-
se, sentia o san gue ferver e transformar-se em vapor, mas
não havia nenhuma dor. Sentia -se forte, nova e feroz.
E no dia seguinte, estranhamente, pareceu -lhe que não
doía tanto. Foi como se os deuses a tives sem escutado e
se tivessem apiedado. Até as criadas repararam na
mudança.
- Khaleesi - disse Jhiqui -, que se passa? Está doente?
- Estava - ela respondeu, em pé junto aos ovos de dragão
que Illyrio lhe oferecera quando se casara. Tocou um
deles, o maior dos três, fazendo correr a mão sobre a
casca. Negro e escarlate, pensou, como o dragão no meu sonho, A
pedra parecia estranhamente quente sob seus dedos... ou
estaria ainda sonhando? Retirou a mão, nervosamente.
Daquela hora em diante, cada dia foi mais fácil que o
anterior. As pernas ficaram mais fort es; as bolhas
arrebentaram e as mãos ganharam calos; as moles coxas
enrijeceram, flexíveis como couro.
O khal ordenara à criada Irri que ensinasse Dany montar à
moda dothraki, mas sua verdadeira professora era a
potranca. A égua parecia conhecer-lhe os estados de alma,
como se partilhassem uma mente única. A cada dia que
passava, Dany sentia-se mais segura sobre a sela. Os
dothrakis eram um povo duro e sem sentimentalismos, e
não tinham o costume de dar nomes aos animais;
portanto, Dany pensava no animal ap enas como a prata.
Nunca amara tanto coisa alguma.
À medida que a viagem foi deixando de ser uma provação,
Dany começou a reparar nas be lezas da terra que a
rodeava. Cavalgava à frente do khalasar com Drogo e seus
companheiros de sangue, e assim encontrav a todas as
regiões frescas e intactas. Atrás deles, a grande horda
podia rasgar a terra e enlamear os rios e levantar nuvens
de pó que dificultavam a respiração, mas os campos à sua
frente estavam sempre viçosos e verdejantes.
Atravessaram as colinas ondul adas de Norvos, deixando
para trás fazendas de campos amurados e pequenas
aldeias onde o povo observava ansioso, de cima de muros
brancos de estuque. Atravessaram pelo vau três largos
rios plácidos e um quarto que era rápido, estreito e
traiçoeiro, acampa ram ao lado de uma grande catarata
azul e rodearam as ruínas tombadas de uma vasta cidade
morta, onde se dizia que os fantasmas gemiam por entre
enegrecidas colunas de mármore. Correram por estradas
valirianas com mil anos de idade, retas como uma seta
dothraki. Ao longo de meia lua, atravessaram a Floresta
de Qohor, onde as folhas formavam uma abóbada dourada
muito acima deles e os troncos das árvores eram tão
largos como portões de uma cidade. Havia grandes alces
naqueles bosques, tigres malhados e lémures de pelo
prateado e enormes olhos púrpuros, mas todos fugiram
antes que o khalasar se aproximasse e Dany não chegou a
vislumbrá-los.
Por essa altura, sua agonia era uma memória que se
desvanecia. Ainda sentia-se dolorida depois de um longo
dia de viagem, mas, de algum modo, a dor incorporava
agora certa doçura, e ela subia de boa vontade para a sela
todas as manhãs, ansiosa por saber que maravilhas a
esperavam nas terras que se estendiam à frente. Começou
a encontrar prazer até mesmo nas noites, e em bora ainda
gritasse quando Drogo a possuía, nem sempre era de dor.
Na base da colina, as plantas ergueram -se à sua volta,
altas e flexíveis. Trotando, Dany pene trou na planície,
deixando-se perder na relva, abençoadamente só. No
khalasar nunca estava só. Khal Drogo só vinha encontrá-la
depois de o sol se pôr, mas as criadas a alimentavam, a
banhavam e dormiam junto à porta de sua tenda; os
companheiros de sangue de Drogo e os homens de seu
khas nunca estavam muito distantes, e o irmão era uma
sombra indesejada, dia e noite. Dany conseguia ouvi -lo no
topo da colina, com a voz esganiçada de raiva enquanto
gritava a Sor Jorah. Ela avançou, submergindo -se mais
profundamente no Mar Dothraki.
O verde a engoliu. O ar estava enriquecido com os odores
da terra e das plantas, misturados com o cheiro do cavalo,
do suor de Dany e do óleo em seu cabelo. Cheiros
dothrakis. Pareciam pertencer àquele lugar. Dany respirou
tudo aquilo, rindo. Teve uma súbita vontade de sentir o
chão debaixo dos pés, de fechar os dedos sobre aqu ele
espesso solo negro. Desmontando, deixou a prata pastando
enquanto descalçava as botas de cano alto.
Viserys chegou junto dela tão subitamente como uma
tempestade de verão, com o cavalo se empinando quando
puxou as rédeas com demasiada força.
- Como se atrevei - ele gritou com ela. - Dar ordens a mim?
A mim? — saltou do cavalo, tro peçando ao pisar no chão.
Seu rosto estava corado quando se pôs em pé. Agarrou -a
e a sacudiu, - Esqueceu-se de quem é? Olhe para você.
Olhe para você!
Dany não precisava se ol har. Estava descalça, com o
cabelo oleado, usando couros dothrakis de montar e um
vestido pintado que lhe fora dado como presente de
noivado. Parecia pertencer àquele lugar. Viserys estava
sujo e enodoado, vestido com suas sedas citadinas e cota
de malha.
Ele ainda gritava.
- Você não dá ordens ao dragão. Entende isto? Eu sou o
Senhor dos Sete Reinos, não rece berei ordens de uma
puta qualquer de chefe de horda, está ouvindo? -
introduziu a mão sob o ferido dela, enterrando
dolorosamente os dedos no seio. - Está ouvindo?
Dany o afastou com um forte empurrão.
Viserys a fitou, com os olhos lilás incrédulos. Ela nunca o
desafiara. Nunca lutara. A raiva distorceu -lhe as feições.
Ela sabia que ele agora a machucaria, e muito. Crac.
O chicote fez um som de trovão. A ponta enrolou-se no
pescoço de Viserys e o atirou para t rás. Ele se estatelou
na relva, atordoado e estrangulado. Os cavaleiros
dothrakis gritavam enquanto ele lutava por se libertar. O
dono do chicote, o jovem Jhogo, arriscou uma pergunta.
Dany não compreendeu suas palavras, mas então Irri
chegou, com Sor Jorah e o resto de seu khas,