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Durante algum tempo não ouvi nada senão os estalidos dos galhos secos sob os meus pés, o sussurro da brisa na folhagem, minha própria respiração e o latejar do sangue nos ouvidos. De repente pareceu-me ouvir um ruído de passos miúdos em torno de mim. Continuei andando, com uma determinação inflexível. As pisadas macias se tornaram mais distintas e então percebi as mesmas vozes e os sons esquisitos que já ouvira no mundo subterrâneo. Eram por certo alguns Morlocks que se acercavam de mim. E de fato, um minuto depois, senti que me puxavam o casaco e depois o braço. Weena estremeceu violentamente e se inteiriçou por completo.

Era o momento de acender um fósforo, mas para isso eu tinha de colocar Weena no chão. Foi o que fiz e, enquanto metia a mão no bolso, uma luta começou a travar-se na escuridão, perto de mim — Weena absolutamente silenciosa e os Morlocks rosnando à sua maneira peculiar. Mãos flácidas me apalpavam por todo o corpo, até o pescoço. Acendi o fósforo e ergui o braço; à luz da chama, vi os Morlocks fugindo por entre as árvores. Apressadamente tirei um pedaço da cânfora e preparei-me para inflamá-la assim que o fósforo estivesse se apagando. Em seguida voltei-me para Weena. Estava no chão agarrada aos meus pés, inteiramente imóvel, com o rosto virado para baixo. Alarmado, inclinei-me sobre ela. Mal parecia respirar. Acendi o pedaço de cânfora, coloquei-o no chão, e enquanto ele esguichava a sua luz, afugentando os Morlocks e as sombras, ajoelhei-me e levantei Weena. A mata em torno de nós parecia fervilhar de seres que se agitavam e sussurravam!

Weena parecia estar desmaiada. Aninhei-a cuidadosamente no meu ombro e levantei-me para seguir, quando me dei conta de uma coisa terríveclass="underline" ao me ocupar com os fósforos e com Weena, eu girara o corpo diversas vezes e agora não tinha a mínima idéia da direção! Era possível que agora estivesse voltado para o Palácio de Porcelana Verde. Um suor frio me cobriu o rosto. Precisava pensar rapidamente e decidir o que fazer. Resolvi acender uma fogueira e acampar onde estávamos. Encostei Weena, ainda inanimada, a um tronco coberto de musgo e, com toda a pressa, antes que o pedaço de cânfora se extinguisse, comecei a juntar gravetos e folhas secas. Aqui e ali, do meio das trevas, os olhos dos Morlocks faiscavam como carbúnculos! A chama da cânfora bruxuleou e apagou-se. Risquei um fósforo e, quando o fiz, dois vultos esbranquiçados, que se tinham aproximado de Weena, fugiram precipitadamente. Um deles ficou tão ofuscado pela luz que veio diretamente sobre mim, e eu senti seus ossos estalarem sob a violência do murro que desferi. Ele soltou um urro de pavor, cambaleou por um instante e foi ao chão. Acendi outro pedaço de cânfora e continuei a arrumar minha fogueira. Notei como estava seca a folhagem das árvores; desde que eu chegara com a Máquina do Tempo, havia uma semana, não tinha chovido. Assim, em vez de ficar apanhando gravetos no chão, comecei a arrancar ou quebrar os galhos nos troncos. Em pouco, tinha uma boa fogueira de lenha verde e ramos secos, que desprendia uma fumaça sufocante mas me permitia economizar a cânfora. Então passei a ocupar-me de Weena, que jazia ao lado de minha maça de ferro. Fiz o que pude para reanimá-la, ela porém parecia morta. Não encontrei meio de saber se ainda respirava ou não.

A fumaça vinha diretamente sobre mim, e deve ter-me deixado completamente tonto. Além do mais, o vapor da cânfora estava no ar. A fogueira não precisaria ser realimentada por uma hora ou mais. Eu me sentia exausto após tantos esforços, e sentei-me. A própria mata era toda ela um murmúrio misterioso que convidava ao sono. Pareceu-me que eu fechara os olhos e os abrira imediatamente. Mas estava tudo escuro e os Morlocks se atiravam sobre mim. Libertando-me daquelas mãos pegajosas, procurei nos bolsos, mais do que depressa, a caixa de fósforos. Tinha sumido! Então os Morlocks me agarraram novamente e entramos em luta corporal. Num instante, compreendi o que havia ocorrido. Eu havia adormecido e a fogueira se apagara. Minha alma se encheu de uma amargura mortal. A floresta parecia invadida pelo cheiro de madeira em combustão. Eu fui agarrado pelo pescoço, pelos cabelos, pelos braços e derrubado. Era um horror indescritível sentir na escuridão todas aquelas criaturas flácidas amontoadas sobre mim. Tinha a impressão de estar preso numa monstruosa teia de aranha! Eu estava subjugado e parei de lutar. Senti no pescoço a mordida de dentes pequeninos e afiados. Rolei no chão e, no movimento, minha mão tocou na barra de ferro. Ela me deu forças. Debati-me, sacudindo os ratos humanos de cima de mim e, segurando firmemente a alavanca, comecei a golpear por baixo, na altura em que deviam estar as cabeças dos meus atacantes. Eu podia sentir as massas de carne e ossos esmagadas por meus golpes, e num instante me vi livre.

Fui invadido pela estranha exultação que tantas vezes parece acompanhar um rude combate. Eu sabia que tanto eu como Weena estávamos perdidos, mas me decidi a fazer os Morlocks pagar caro por sua refeição. Permaneci encostado num tronco de árvore, brandindo a alavanca de ferro diante de mim. Toda a mata parecia tomada pelos gritos e correrias dos Morlocks. Um minuto se passou. Suas vozes eram agora mais altas e mais agudas, denotando uma grande excitação; seus movimentos se tornaram mais rápidos. No entanto, nenhum se aproximava de mim. Fiquei olhando inutilmente para dentro das trevas. De repente, a esperança renasceu: e se os Morlocks estivessem assustados? Uma coisa estranha veio logo em seguida. Parecia que as trevas estavam se tornando luminosas! Muito indistintamente, comecei a ver os Morlocks em torno de mim — três deles jaziam a meus pés — e então descobri, com incrédula surpresa, que os outros estavam correndo, num fluxo incessante; surgiam de trás de mim e precipitavam-se para o meio da mata à minha frente. E suas costas não eram mais esbranquiçadas: pareciam vermelhas. Enquanto eu os olhava boquiaberto, vi, por uma abertura do céu estrelado, entre os ramos, uma pequena fagulha que logo desapareceu. E então compreendi o que significavam o cheiro de madeira queimada, o murmúrio embalador que já se ia transformando num bramido de tempestade, o clarão vermelho e a fuga dos Morlocks.

Afastei-me do tronco e, olhando para trás, divisei, por entre as árvores mais próximas, as chamas do incêndio. Era a primeira fogueira que vinha ao meu encontro! Procurei Weena, mas ela havia desaparecido. Os silvos e estalidos atrás de mim, o estrondo de cada nova árvore em chamas, não me deixavam tempo para refletir. Ainda empunhando a barra de ferro, saí em perseguição aos Morlocks. Era uma corrida desabalada. De uma vez, as chamas se propagaram com tal rapidez à minha direita que me bloquearam e me obrigaram a correr para a esquerda. Por fim, emergi numa pequena clareira e, nesse mesmo instante, um Morlock caminhou tropegamente em minha direção, passou por mim, e atirou-se entre as chamas!

Eu ia agora presenciar o mais fantástico e pavoroso espetáculo que me foi dado ver nessa época futura. Com o clarão do incêndio, toda aquela área estava iluminada como se fosse dia. No centro havia um montículo, ou tumulus, coroado por um espinheiro seco. Mais adiante se via outro braço da mata em chamas, com enormes línguas amarelas já saltando, e envolvendo completamente a clareira, num anel de fogo. Sobre o montículo se aglomeravam uns trinta ou quarenta Morlocks, ofuscados pela luz e aterrorizados pelo calor; no seu aturdimento, rodavam para lá e para cá chocando-se uns com os outros. A princípio não compreendi que estavam inteiramente cegos e, cheio de repulsa, atacava-os furiosamente com a barra de ferro, quando eles se aproximavam de mim; matei um e feri vários outros. Mas quando vi um deles tateando miseravelmente embaixo do espinheiro e ouvi os seus gemidos, convenci-me de que estavam absolutamente impotentes e enceguecidos pelo clarão do incêndio, deixei-os em paz.