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Por algum tempo meu cérebro permaneceu como que paralisado. Levantei-me finalmente e vim pelo corredor até aqui, manquejando, porque o calcanhar ainda me doía, e sentindo-me desagradavelmente sujo. Vi a Pall Mall Gazette sobre a mesa perto da porta. Estava, mesmo, datada de hoje. Olhei para o relógio: eram quase oito horas. Escutei as vozes de vocês e o ruído dos pratos. Hesitei; eu me sentia doente e muito fraco. Então senti um agradável cheiro de carne, e abri a porta. O resto vocês sabem. Lavei-me, mudei de roupa, jantei, e agora lhes estou contando a minha história.

— Sei — disse ele, após uma pausa — que tudo isso é para vocês absolutamente inacreditável. Para mim, o único fato inacreditável é estar aqui agora, nesta velha sala, contemplando os rostos de meus amigos e contando-lhes estas estranhas aventuras.

Olhou para o Médico.

— Não. Não posso esperar que acreditem. Façam de conta que é uma história inventada — ou uma profecia. Digam que eu dormi e tive um sonho na minha oficina. Ponderem que eu arquitetei essa ficção depois de entregar-me a especulações sobre o destino de nossa raça. Podem considerar minha declaração de que tudo é pura verdade como um simples artifício para aguçar o interesse. Partindo da suposição de que é apenas uma história, que é que vocês acham?

Pegou de seu cachimbo e começou, num gesto que lhe era habitual, a bater nervosamente com ele no guarda-fogo da lareira. Houve um silêncio momentâneo. Em seguida, as cadeiras começaram a ranger e os pés a alisar o tapete. Parei de olhar para o Viajante do Tempo e voltei-me para os seus ouvintes. Estavam na penumbra e diante de seus rostos bailavam pequenas volutas de fumaça. O Médico parecia absorvido na contemplação do dono da casa. O Redator-Chefe fitava obstinadamente a ponta de seu charuto — o sexto. O Jornalista parecia atrapalhado com o seu relógio de bolso. Os demais, tanto quanto me lembro, conservavam-se imóveis.

O Redator-Chefe levantou-se, com um suspiro.

— Que pena que você não seja um escritor! — disse, pousando a mão no ombro do Viajante do Tempo.

— Quer dizer que não acredita?

— Bem..

— Eu sabia que não. Virou-se para nós.

— Onde estão os fósforos?

Riscou um, aproximou a chama do fornilho e falou por entre as baforadas do cachimbo:

— A falar verdade.. custo a crer eu mesmo… E no entanto..

Seus olhos indicaram, numa indagação muda, a mesinha sobre a qual se encontravam as duas flores brancas, murchas. Depois, virou a mão que segurava o cachimbo e pude notar que o fizera para ver as feridas semicicatrizadas nos nós dos dedos.

O Médico se ergueu, foi até a lâmpada da mesinha, e pôs-se a examinar as flores.

— O gineceu é estranho — falou, segurando uma delas. O Psicólogo inclinou-se para ver, e estendeu a mão para a outra flor.

— Macacos me mordam se já não é um quarto para a uma! — exclamou o Jornalista. — Como é que vou para casa?

— Há muitos carros na estação — informou o Psicólogo.

— É curioso — disse o Médico — mas eu não saberia dizer ao certo a que ordem pertencem estas flores. Posso ficar com elas?

O Viajante do Tempo hesitou. Depois disse, num ímpeto:

— Claro que não!

— Onde as encontrou, realmente? — insistiu o Médico. O Viajante do Tempo levou a mão à fronte, e falou como se procurasse reter uma idéia que lhe fugia:

— Essas flores foram colocadas no meu bolso por Weena, quando eu viajava no Tempo. — Correu os olhos pela sala. — Com os diabos se tudo não está muito confuso! Esta sala, vocês, este ambiente familiar, tudo é demais para minha retentiva. Terei eu construído uma Máquina do Tempo ou foi um modelo de Máquina do Tempo? Será tudo isso apenas um sonho? Dizem que a vida é um sonho, um pobre belo sonho às vezes — mas eu não suportaria outro que não se harmonizasse. É uma loucura. Mas esse sonho, de onde me veio ele?. . Devo dar uma olhada nessa máquina. Se é que ela existe!

Com um gesto brusco apanhou a lâmpada e caminhou para o corredor. Nós o acompanhamos.

E a máquina lá estava, não havia dúvida, iluminada pela chama vacilante da lâmpada. Feia, acaçapada, de viés, uma coisa feita de metal amarelo, ébano, marfim e quartzo translúcido e faiscante. Sólida ao tato — pois estendi a mão e toquei na estrutura — e com manchas escuras sobre o marfim, restos de relva e musgo nas partes de baixo, e uma das barras torcida.

O Viajante do Tempo colocou a lâmpada sobre o banco e passou a mão pela barra danificada.

— Agora está tudo bem — disse ele. — A história que lhes contei é verdadeira. Desculpem tê-los trazido para este lugar tão frio.

Apanhou de novo a lâmpada e, no mais absoluto silêncio, nós o seguimos de volta à sala de fumar.

À saída, acompanhou-nos até o vestíbulo e ajudou o Redator-Chefe a vestir o sobretudo. O Médico olhou-o no rosto e, com uma certa hesitação, declarou que seu problema clínico era excesso de trabalho, ao que o Viajante do Tempo respondeu com uma risada. Lembro-me dele parado à porta, dando-nos boa-noite em voz alta.

Tomamos juntos o mesmo carro, o Redator-Chefe e eu. Para ele, tudo não passava de uma «patranha em grande estilo». De minha parte, não conseguia chegar a uma conclusão.

A história era tão fantástica e inverossímil, mas a maneira como fora contada, tão convincente e sóbria! Fiquei a maior parte da noite acordado, pensando no assunto. Resolvi voltar no dia seguinte à casa do Viajante do Tempo.

Disseram-me que estava no laboratório e, sendo uma pessoa conhecida na casa, dei uma subida até lá. No laboratório, no entanto, não havia ninguém. Contemplei por um minuto a Máquina do Tempo, depois toquei de leve na alavanca. Imediatamente, toda aquela massa pesada e sólida começou a balouçar como um ramo de árvore agitado pelo vento. Sua instabilidade foi para mim um forte choque, e curiosamente eu me lembrei de meus tempos de criança, quando sempre me proibiam de mexer nos objetos.

Voltei pelo corredor e encontrei o Viajante do Tempo na sala de fumar. Ele acabava de chegar da rua, e trazia consigo uma pequena câmara fotográfica e uma mochila. Riu ao dar comigo e, como tinha as mãos ocupadas, ofereceu-me o cotovelo para apertar.

— Estou terrivelmente ocupado — disse-me ele — com aquela máquina.

— Mas não se trata de uma burla? — perguntei. — Você de fato viaja pelo tempo?

— Viajo, sim, no sentido real e verdadeiro. — E me olhou, um olhar franco, dentro dos olhos. Pareceu indeciso um momento. Passeou os olhos pela sala. — Preciso de meia hora somente. Sei por que você veio, é uma grande gentileza de sua parte. Aqui estão algumas revistas. Se quiser ficar para o almoço, eu lhe trarei provas conclusivas de minha viagem pelo Tempo, com amostras e tudo o mais. Agora, me dá licença?

Aceitei o convite, sem compreender muito bem todo o alcance de suas palavras. Ele fez um sinal com a cabeça e saiu pelo corredor. Ouvi bater a porta do laboratório. Instalei-me numa poltrona e peguei um jornal para ler. Que iria ele fazer antes da hora do almoço? De repente, vendo um anúncio, lembrei-me de que havia marcado encontro com o editor Richardson às duas. Consultei o relógio e vi que estava quase em cima da hora. Levantei-me e dirigi-me para o laboratório a fim de avisar o Viajante do Tempo.

Mal coloquei a mão na maçaneta da porta, ouvi uma exclamação, que estranhamente não se completou, um estalido e uma pancada surda. Uma lufada de ar me apanhou em cheio quando abri a porta e turbilhonou em torno de mim. Lá de dentro veio o ruído de vidros que se quebravam e caíam sobre o soalho. O Viajante do Tempo não estava ali. Pareceu-me ver, por uma fração de segundo, uma figura indistinta, fantasmagórica, sentada sobre uma massa negra e amarela que rodopiava a uma velocidade indescritível — uma figura tão transparente que, através dela, se podia ver com a maior nitidez a mesa de trabalho, com os desenhos por cima. Mas enquanto eu esfregava os olhos o vulto se desvaneceu. A Máquina do Tempo tinha sumido. Não se via nada no canto do laboratório onde ela antes se encontrava, salvo um pouco de poeira ainda em movimento. Um vidro da clarabóia se partira e caíra no chão.