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Fiquei estupefato, embora o sentido daquele gesto fosse bem claro. Abruptamente, uma dúvida se me formou no espírito: seriam loucas essas criaturas? Vocês não podem imaginar como essa idéia me abalou. Sempre acreditei que no século 800 e pouco a humanidade estaria infinitamente à nossa frente em conhecimentos científicos, artes e tudo o mais. De repente, uma criatura dessa época me fazia uma pergunta que a colocava no nível de uma criança nossa de cinco anos. Na verdade, ela me perguntara se eu tinha vindo do sol numa trovoada! Isso punha por terra o juízo que eu fizera a respeito deles, baseando-me nos seus trajes, na sua compleição franzina e nas suas feições delicadas. Fui invadido por uma onda de desapontamento. Por um momento pensei que havia construído a Máquina do Tempo em vão.

Fiz que sim com a cabeça, apontei de novo para o sol e imitei o ribombar do trovão com tal força que eles se assustaram. Recuaram alguns passos e fizeram-me uma reverência. Um deles se aproximou com uma guirlanda de flores magníficas e inteiramente desconhecidas para mim, e passou-a em volta de meu pescoço. O gesto foi recebido com melodiosos aplausos. Logo puseram-se a correr para aqui e para lá em busca de flores, que atiravam, rindo, sobre mim, de modo que em pouco fiquei literalmente sepultado. Vocês que não estavam lá para ver, dificilmente podem imaginar as flores delicadas e maravilhosas que séculos e séculos de cultivo haviam produzido.

Um deles propôs que a brincadeira fosse apresentada no edifício mais próximo, e conduziram-me em direção a um enorme prédio cinzento de pedra lavrada, por trás da Esfinge de mármore branco, que durante todo aquele tempo parecera estar a observar-me, com um sorriso irônico diante de minha perplexidade. Enquanto os acompanhava, divertia-me interiormente com a lembrança de minhas confiantes previsões sobre a posteridade, que a meu ver seria profundamente austera e intelectualizada.

O edifício tinha uma entrada imensa e era, todo ele, de proporções colossais. Eu estava, naturalmente, muito ocupado em observar a crescente multidão daqueles pequenos seres e os enormes portais que se escancaravam diante de mim, escuros e misteriosos. Minha impressão geral daquele mundo que me cercava era de uma profusão de arbustos e flores admiráveis, um jardim de há muito abandonado mas não invadido pelo mato. Esparsas aqui e ali, em meio aos arbustos, como se fossem plantas silvestres, brotava um certo número de estranhas flores brancas, de largas pétalas de cera, dispostas em compridos cachos. Não pude examiná-las melhor. A Máquina do Tempo ficou abandonada sobre a relva, entre os rododendros.

O arco da entrada era ricamente trabalhado, mas, é lógico, não pude examinar os relevos de mais perto; pareceram-me no estilo dos antigos ornamentos fenícios e fiquei impressionado com o seu mau estado de conservação. À entrada, várias outras pessoas, também vestidas esplendidamente, vieram ao meu encontro. E assim fui entrando, em meus trajes pesados do século 19, que deviam parecer bastante grotescos, um garrido festão em torno do pescoço, e cercado por aquela multidão torvelinhante de vestes coloridas, de braços e pernas alvos, numa algazarra de risos e vozes pipilantes.

O grande portal abria-se para um imenso salão cujas paredes eram forradas de um tecido escuro. Não havia luzes no teto, e as janelas, em parte com vidraças coloridas, em parte sem vidraças, deixavam coar uma luz suave. O piso era feito de enormes blocos de um metal branco e duro; sim, de blocos, e não de chapas ou de placas, e estava tão gasto pelos passos de inúmeras gerações que os trechos mais pisados pareciam pequenas valas. Transversalmente ao comprimento da sala, viam-se inúmeras mesas talhadas em blocos de pedra polida, de uns trinta centímetros de altura, sobre as quais se encontravam montes de frutas. Algumas eu reconheci como sendo framboesas e laranjas hipertrofiadas, mas na sua maior parte me eram desconhecidas. Espalhado entre as mesas havia um grande número de almofadas. Sobre elas se sentaram meus guias, fazendo-me sinais para que eu os imitasse. Com uma deliciosa ausência de cerimônia, começaram a comer as frutas com as mãos, jogando as cascas, os caroços e o bagaço pelas aberturas redondas nos lados das mesas. Não me fiz de rogado para seguir-lhes o exemplo, pois estava com muita fome e sede. Enquanto comia, pude contemplar o salão mais detidamente.

Talvez o que mais me impressionou foi o seu aspecto de abandono e destruição. As janelas de vidraças coloridas, com desenhos geométricos, estavam quebradas em vários lugares. As cortinas que pendiam no fundo do salão achavam-se cobertas de pó. A própria mesa de mármore em que eu estava, apresentava as bordas partidas. Nada obstante, o efeito geral era de opulência e pitoresco. Havia cerca de duzentas pessoas comendo ali, e a maioria, sentada tão perto de mim quanto o espaço permitia, observa-me com interesse, os olhinhos brilhando por cima das frutas que devoravam. Todos estavam vestidos com o mesmo tecido de seda, leve mas resistente.

Sua alimentação constituía-se unicamente de frutas. Essa gente do futuro remoto era rigorosamente vegetariana e eu próprio, enquanto estive com eles, apesar de sentir falta de carne, fui obrigado a ser também frutívoro. Mais tarde descobri que os cavalos, o gado, os carneiros e os cães estavam tão extintos quanto o Ichthyosaurus. Mas as frutas eram deliciosas, particularmente uma delas, que parecia estar na época — uma espécie de pinha farinhenta que acabei transformando em meu alimento predileto. A princípio fiquei intrigado com todas essas frutas e flores diferentes, mas depois descobri o que significavam.

Acho que lhes estou falando demais sobre o meu jantar de frutas nesse futuro distante. Tão logo satisfiz um pouco o meu apetite, decidi-me a tentar aprender a língua dos meus novos companheiros. Era decerto a primeira coisa a fazer. As frutas me pareciam bem adequadas para iniciar a tentativa de comunicação. Mostrando-lhes uma delas, fiz uma série de ruídos e gestos interrogativos. Não foi fácil dar-lhes a entender a minha intenção. Os primeiros resultados foram olhares de surpresa ou cascatas intermináveis de risos, mas ao fim de algum tempo uma criaturinha de lindos cabelos percebeu meu intuito e pronunciou um nome. Tanto bastou para que eles se pusessem a tagarelar uns com os outros por longo espaço de tempo, es minhas primeiras tentativas para imitar os delicados sons de sua linguagem provocaram novos acessos de risos. Eu me sentia como um mestre-escola entre crianças. Continuei insistindo e em pouco estava sabendo umas quinze ou vinte palavras. Dos substantivos passei aos pronomes demonstrativos e ao verbo «comer». Era um trabalho lento. Ficaram logo cansados e procuraram subtrair-se às minhas perguntas. Achei que era melhor aprender em pequenas doses e quando eles estivessem dispostos a isso. E foram doses realmente diminutas, pois jamais encontrei um povo tão indolente e que se fatigasse tão depressa.

CAPÍTULO 5

Logo descobri uma coisa esquisita a respeito dos meus pequenos hospedeiros: sua falta de interesse por tudo. Corriam para mim sofregamente, entre gritos de surpresa, como crianças, e, como crianças, logo paravam de me examinar e se afastavam, à cata de outro divertimento. Quando o jantar e minhas tentativas de conversação terminaram, notei pela primeira vez que quase todos os que me haviam rodeado de início tinham ido embora. E foi igualmente estranha a rapidez com que me tornei indiferente à presença deles.

Tendo satisfeito minha fome, saí para o ar livre e a luz do sol. Encontrava incessantemente novos grupos desses viventes do futuro, que me seguiam a pequena distância, tagarelavam e riam à minha custa, me sorriam e me faziam sinais amistosos, depois me deixavam em paz, entregue às minhas reflexões.

Quando saí do grande edifício, a calma da tarde estendia-se pela terra e a paisagem era iluminada pelos raios cálidos do sol poente. A princípio as coisas me pareciam muito confusas. Tudo era tão diferente do mundo que eu havia deixado — até mesmo as flores. O edifício estava situado no declive do vale de um rio largo, mas o Tâmisa se deslocara talvez uma milha do seu leito atual. Resolvi subir ao cume de uma colina aproximadamente a milha e meia de distância, e dali deitar um olhar mais extenso por sobre este nosso planeta do Ano da Graça de Oitocentos e Dois Mil Setecentos e Um. Pois essa, como jâ devia ter informado, era a data marcada pelos mostradores de minha máquina.