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Enquanto caminhava, permanecia atento a toda e qualquer impressão que pudesse ajudar-me a explicar por que aquele mundo de esplendor tombava em ruínas. Pois só encontrava ruínas.

A meio da encosta da colina, por exemplo, divisei um grande amontoado de granito, conservado unido por destroços de alumínio, um vasto labirinto de paredes desabadas e montes de entulhos, no meio dos quais se erguiam espessas touceiras de uma planta muito bonita, que pela disposição das folhas lembrava um pagode chinês — talvez urtiga, mas de um colorido mais vivo e sem os pêlos urticantes. Eram certamente os escombros abandonados de uma vasta construção, cuja finalidade eu não conseguia imaginar. Esse lugar me reservaria mais tarde uma experiência muito estranha — primeiro sinal de uma descoberta ainda mais estranha, porém, disso, falarei no momento oportuno.

Com um pensamento súbito, do terraço onde eu parará a fim de repousar um pouco, corri os olhos em torno e não avistei nenhuma espécie de habitação particular. Ao que tudo indicava, a casa de família e talvez mesmo a família não existiam mais. Aqui e ali, em meio à vegetação, viam-se edifícios apalacetados, mas a habitação isolada e a casa de campo, que dão uma feição tão característica à nossa paisagem inglesa, haviam desaparecido.

«Comunismo», falei para mim mesmo.

Atrás desse pensamento veio outro. Olhei a meia dúzia de figurinhas que ainda me seguiam. Então, num lampejo, percebi que todas se vestiam da mesma forma, tinham o mesmo rosto imberbe e delicado, as mesmas formas redondas de meninas. Pode parecer inconcebível que eu não tivesse notado isso antes. Mas tudo era tão diferente! Agora eu percebia as coisas com a maior clareza. No trajar, e em todas as características e maneiras que hoje distinguem os dois sexos, essas criaturas do futuro eram exatamente iguais. As crianças, por sua vez, pareciam-me simples miniaturas de seus pais. Disso concluí que as crianças dessa época futura eram extremamente precoces, pelo menos fisicamente, e mais tarde encontrei provas abundantes dessa opinião.

O bem-estar e a segurança em que vivia essa gente faziam certamente esperar, pensei, que os dois sexos acabassem se parecendo tanto; pois a robustez do homem e a delicadeza da mulher, a instituição da família e a diferenciação de ocupações são meras exigências de uma era de força física. Quando a população é numerosa e equilibrada, um elevado índice de nascimentos é antes um mal do que uma bênção para o Estado; quando a violência é rara e a prole está segura, há menos necessidade — na verdade, não há necessidade alguma — de uma família organizada como tal, e a especialização dos sexos com referência às necessidades dos filhos termina por desaparecer. Disso já encontramos alguns indícios em nossa própria época, e no futuro esse quadro social estará completo. Devo lembrar a vocês que essa era a especulação que eu fazia naquela hora. Porque mais tarde iria descobrir como estava longe da realidade.

Enquanto meditava sobre essas coisas, minha atenção foi despertada por uma pequena e graciosa construção, que me pareceu um poço sob uma cúpula. Pensei, um pouco distraidamente, como era esquisito ainda existirem poços, e retomei o fio de minhas especulações. Não havia grandes construções na parte superior da colina. Seguia andando aceleradamente, como se tivesse milagrosos poderes locomotores, e não tardei a verme sozinho pela primeira vez. Tomado de uma estranha sensação de liberdade e aventura, subi correndo ao topo da colina.

Ali encontrei um assento feito de um metal amarelo que eu não identifiquei, corroído por uma espécie de ferrugem cor-de-rosa, e já meio coberto por uma camada de musgo; os descansos dos braços lembravam cabeças de grifos. Sentei-me e pus-me a contemplar o nosso velho mundo sob o crepúsculo desse longo dia. Foi um dos mais belos e doces espetáculos que eu vi. O sol já havia transposto a linha do horizonte, o ocidente era ouro flamejante, com algumas barras horizontais de púrpura e carmesim. Lá embaixo estava o vale do Tâmisa, pelo qual o rio se estirava como uma lâmina de aço polido. Já me referi aos grandes palácios que pontilhavam a vegetação variegada, alguns completamente em ruínas, outros ainda ocupados. Aqui e ali elevava-se um vulto branco ou prateado no abandonado jardim da terra, aqui e ali a cortante linha vertical de algum mirante ou obelisco. Não se viam cercas nem quaisquer sinais de propriedade, ou de cultivo de cereais. Toda a terra se tornara um único jardim.

Olhando tudo isso, comecei a basear minha interpretação nas coisas que havia visto. Mais tarde percebi que só havia encontrado metade da verdade ou, menos até, o vislumbre de uma de suas facetas. Mas, naquele dia foi assim que as coisas foram por mim interpretadas.

Pareceu-me que eu me deparava com a humanidade em uma época de declínio. O crepúsculo avermelhado fez-me pensar no crepúsculo da raça humana. Pela primeira vez comecei a compreender uma estranha conseqüência dos esforços sociais em que hoje estamos empenhados. E, nada obstante, era uma conseqüência bastante lógica. O vigor é o produto da necessidade; a segurança é um convite ao enfraquecimento. A obra de melhoria das condições de vida — o verdadeiro processo civilizatório que torna a existência cada vez mais segura — havia prosseguido firmemente e atingido o seu clímax. A humanidade unida havia acumulado uma sucessão de triunfos sobre a Natureza. Coisas que hoje não passam de sonhos haviam-se transformado em projetos palpáveis e executados na sua plenitude. E o resultado era o que eu estava vendo!

Afinal de contas, as condições sanitárias e a agricultura de hoje estão ainda numa fase rudimentar. A ciência de nosso tempo atacou apenas uma faixa insignificante no campo das doenças humanas, mas ainda assim ela continua a desenvolver-se com firmeza e obstinação. A agricultura e a horticultura destroem uma erva daninha aqui e ali, e cultivam tão-só uma vintena de plantas úteis, deixando que a grande maioria dos vegetais lute como puder para encontrar o equilíbrio natural. Aperfeiçoamos nossas plantas e animais favoritos — e como são poucos! — gradativamente, praticando a criação e o cultivo seletivos: hoje um pêssego melhor, uma uva sem caroço, amanhã uma variedade de flor mais bela e mais perfumada, ou uma espécie de gado mais produtivo. Esse aperfeiçoamento é desenvolvido aos poucos, porque nossos conhecimentos são limitados e não sabemos ao certo o que desejamos. Por sua vez, a Natureza mostra-se tímida e lenta em nossas mãos inábeis. Algum dia, tudo isso estará mais bem organizado; e cada vez mais. Essa é a direção da corrente, apesar dos redemoinhos. O mundo inteiro será instruído, inteligente e cooperativo. A Natureza será subjugada numa progressão cada vez mais veloz. Por fim. reajustaremos o equilíbrio da vida animal e vegetal para que se adapte às necessidades humanas.

Esse equilíbrio deve ter sido atingido e de maneira perfeita, no espaço de tempo coberto por minha máquina. O ar estava livre de mosquitos; a terra, de ervas daninhas e de fungos; por toda a parte, árvores frutíferas e flores maravilhosas; borboletas de asas brilhantes adejavam. A medicina preventiva havia chegado ao seu estágio ideal. As doenças haviam sido erradicadas. Durante minha estada, não vi qualquer indício de moléstias contagiosas. E mais tarde lhes mostrarei que mesmo os processos de putrefação e decomposição haviam sido profundamente afetados por essas mudanças.