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Alexandre sacudiu a cabeça, ainda estupefacto. Apesar de todo o investimento de uma década nas obras públicas, espantou-se, a economia estava com um crescimento médio anual do PIB quase a zero. Como era possível uma coisa dessas?

"Quer dizer que se deve apostar nas pequenas e médias empresas?"

"Com certeza." Ergueu um dedo, para fazer uma ressalva. "Mas há um problema. O crowding out."

O passageiro do banco traseiro contraiu a face num esgar de incompreensão.

"Crowding... quê?"

"Os bancos têm normalmente dinheiro para emprestar, não é?", disse Filipe, tentando tornar a expressão compreensível. "É um valor limitado, claro. Imagine que o dinheiro disponível é um bolo. Uma metade seria emprestada ao estado e aos grandes empresários e a outra aos pequenos e médios empresários. Consegue imaginar isso?"

"Sim, o dinheiro seria um bolo cortado ao meio."

"Acontece que o estado, devido às suas políticas ruinosas, está teso e precisa do bolo todo. O que faz então? O governo chega ao pé do banqueiro e diz-lhe: passa para cá tudo. Como o banqueiro tem relações de cumplicidade e trocas de favores com o governo, cede.

Conclusão, o bolo vai todo para o estado, com uma pequena fatia a sobrar para os grandes empresários amiguinhos. E as pequenas e médias empresas? Ficam sem nada, claro. É isso o crowding out. O

estado empurra as pequenas e médias empresas para fora do bolo."

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"Mas isso é mau para a economia!"

"O que pensa que tem estado a acontecer em Portugal, meu caro? É isto! Não há dinheiro nem ajuda para as pequenas e médias empresas, que são o verdadeiro motor da economia! Depois admiram-se que o país seja pouco competitivo e chegue a uma situação de pré-falência!"

A conversa era deprimente e, talvez por isso, morreu nesse instante. De olhos sempre colados à estrada mas a mente a digerir toda aquela informação, Tomás manteve-se mudo durante a generalidade do diálogo, enquanto o amigo e o passageiro do banco traseiro discutiam como se tivessem eles próprios a responsabilidade de salvar o país.

O mutismo instalou-se no interior do automóvel, com os passageiros a contemplarem a paisagem em movimento, as mãos de Filipe sempre a acariciarem o envelope com as misteriosas linhas cifradas. Uma dúvida, porém, começou a corroer o espírito do historiador; havia ali qualquer coisa que não batia certo.

"Olha lá, Filipe", acabou por dizer, rompendo o silêncio. "Tu estás anormalmente bem informado sobre tudo isto..."

Não o disse num tom interrogativo, mas tratava-se claramente de uma pergunta: como diabo sabia ele tudo aquilo? Tomás era historiador e, devido ao seu interesse pela história económica, acompanhava naturalmente o assunto. Porém, e que ele soubesse, não era esse o caso de Filipe.

O seu companheiro de viagem continuou a afagar o envelope; dava a impressão até que se tratava de um animal de estimação, e tardou um longo instante a responder. Desviou a atenção da paisagem e fitou enfim o seu velho amigo, uma expressão estranha a bailar-lhe nos olhos.

"Porque pensas tu que ando a fugir?" Suspirou. "Sei de mais."

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XVI

Entrar no sistema informático do banco não fora coisa para amadores. As protecções firewall usadas pela instituição eram do melhor e mais sofisticado que havia, mas a verdade é que não constituíam desafio à altura dos múltiplos talentos do intruso que nessa manhã acedeu pela internet ao principal servidor. Decarabia passou três longas horas a testar as defesas da rede interna do banco e a desencriptar as respectivas palavras-chave, até que identificou a cifra mestra. Digitou-a no teclado, carregou em enter e esperou.

O ecrã iluminou-se.

"Já está...", murmurou com um bafo de alívio por ter concluído a primeira etapa. "Bons, mas previsíveis."

Entrara no sistema.

A firewall era poderosa, havia que reconhecê-lo, mas sabia que o calcanhar de Aquiles estava no fabricante. Quase todas as instituições bancárias usavam barreiras de protecção colossais produzidas por uma mesma empresa, uma companhia californiana com trabalho de grande qualidade, embora padecesse de um defeito que o intruso identificara havia algum tempo: as firewalls eram sempre concebidas com a mesma arquitectura. Quem soubesse como funcionava a cabeça do programador, cedo ou tarde acabaria por perceber como quebrar as barreiras montadas para manter os hackers afastados.

Acontece que Decarabia conhecia o fabricante daquela firewall bem de mais. Vira-o, estudara-o, testara-o. Quebrara-o.

"Piece of cake", exclamou, regurgitando auto-satisfação pela sua 131

proeza. "Brincadeira de crianças."

Respirou fundo, ganhando ânimo para a segunda parte da operação. Agora que conseguira penetrar no sistema havia que alcançar o objectivo e retirar-se sem ser notado, como um caçador furtivo. Inseriu na rede interna do banco uma fotografia do seu alvo e carregou na tecla search. Uma ampulheta minúscula materializou-se no ecrã, sinal de que o computador estava a fazer a busca. Ao fim de alguns segundos formou-se a imagem do ficheiro de um cliente, os movimentos da conta em baixo, o nome e a fotografia em cima.

Filipe Madureira.

"Gotcha!", soltou Decarabia, dando um soco no ar como um desportista no momento do triunfo. "Apanhei-te!"

Era ele.

Passou os olhos pelo ficheiro e estudou as movimentações da conta. Até um mês antes estavam todas concentradas em Haia.

Depois tinham ocorrido alguns levantamentos de dinheiro em Paris, um em Nice, dois em Florença e um em Roma; tratava-se evidentemente da rota da fuga. A seguir apareceu uma tentativa de levantamento numa sucursal da Via del Corso, negada pela caixa. Fora nesta altura que o acesso à conta havia sido negado ao alvo. As duas últimas tentativas de levantamento ficaram registadas nas últimas quarenta e oito horas. Em Lisboa.

Eram estas que interessavam.

Carregou na linha destas últimas tentativas e o ecrã mudou de imagem, entrando numa página que mostrava valores solicitados, datas, horas, e sobretudo a localização das caixas multibanco onde a tentativa fora feita. Comparou as duas linhas e percebeu que ambas as operações tinham sido levadas a cabo com um intervalo de vinte e quatro horas na mesma caixa.

Na mesma caixa.

A descoberta ecoou na mente de Decarabia; esta era a 132

informação mais relevante de todas. Recostou-se na cadeira onde estava sentado e estreitou as pálpebras, a cabeça transformada num super computador, o pensamento a processar aquela pista e a contemplar o seu significado.

"Estás a esconder-te perto dessa caixa", concluiu, os dedos a afagarem pensativamente o queixo. "Ai estás, estás..." Fez um esgar.

"Deves ter por aí alguém conhecido. Um familiar, um amigo..."

O intruso ponderou opções. O alvo estava próximo, já lhe sentia o cheiro, mas ainda não chegara a ele. Ainda não. Precisava de apertar o cerco e montar a emboscada, mas para isso teria de obter mais uma informação. Só mais uma. Como descobrir o paradeiro da pessoa que estava a ajudar o seu alvo?