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-estrada e acelerou em direcção a Lisboa, proporcionando-lhes a pausa que o problema requeria.

"Nada disso vai melhorar, aviso-te já", disse por fim o amigo. "É

bom que te mentalizes."

"Não vai melhorar como? Achas que não arranjo emprego?"

"Arranjas, fica descansado. Todos os estudos mostram que as pessoas mais qualificadas conseguem safar-se em períodos de crise. O

desemprego atinge mais duramente aqueles que não têm estudos, não aqueles que os têm."

"Eu sei", disse o condutor. "Então porquê o teu pessimismo?"

Com os olhos postos nas casas espalhadas pelos montes ao lado da auto-estrada, Filipe passou a língua pelos lábios para os molhar.

"O meu pessimismo refere-se à pensão da tua mãe."

Tomás respirou fundo, consciente do problema.

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"Eu sei, é uma chatice", bufou. "Isto não vai para melhor. Ela trabalhou durante muitos anos, coitada. Descontou para a reforma a vida inteira, tem direito à pensão e... e... agora que precisa dela cortaram-na."

De novo sentado no banco traseiro, Alexandre inclinou-se para a frente.

"É uma injustiça o que estão a fazer aos idosos", protestou. "É

totalmente indecente!"

"Pois é", concordou Tomás. "Uma situação terrível. Há pessoas a passar muito mal."

"Temos de sair à rua e protestar", insistiu o passageiro que vinha atrás. "Temos de os obrigar a inverter esta política criminosa! O estado tem de assumir as suas responsabilidades e proteger as pessoas.

Temos de obrigar os políticos a aumentar os salários, a subir as pensões, a investir na saúde, na educação e na Segurança Social e a elevar as condições de vida de toda a gente."

"Isso era o ideal, sem dúvida", concordou Tomás. "O problema é que não é assim tão simples, não é verdade?"

"Só não é simples porque não queremos que o seja", afirmou Alexandre num assomo de indignação. "Basta tomar a decisão e assinar a lei, mais nada."

Apesar de abatido, o historiador não conseguiu reprimir um sorriso ténue.

"Ah, quem dera que fosse tão fácil..."

Por momentos calado, Filipe desviou a atenção do que se passava para além da berma da auto-estrada para se virar para trás e fitar Alexandre.

"Infelizmente a vida não é como queremos", sentenciou. "Ela é como é. Também eu gostava de viver para sempre e acho que a morte é uma injustiça. Mas por mais que proteste e esperneie, o facto é que vou morrer. A realidade é o que é, não o que gostaríamos que fosse."

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"Recuso-me a alinhar nesse discurso de resignação. Se a vida é como é, está ao nosso alcance mudá-la. O estado tem o dever de nos proteger a todos e não pode fugir a esse dever!"

Filipe riu-se.

"Já vi que você pertence ao Partido do Estado", ironizou. "Tem as quotas em dia?"

O rapaz fez um esgar de incompreensão.

"Perdão?"

"O Partido do Estado." Voltou-se para Tomás. "Sabes quantos militantes tem, não sabes?"

"Então não sei?", devolveu o condutor com uma expressão conhecedora. "Ora deixa cá fazer as contas." De sobrolho erguido pôs-se a reflectir em voz alta: "O Partido do Estado é constituído por todas as pessoas que dependem do estado, não é verdade? São setecentos mil funcionários das administrações central, regionais e municipais, três milhões e meio de pensionistas, mais de um milhão de desempregados e outro milhão de pessoas que auferem diversas prestações sociais e regalias, coisas que pesam no erário público." Endireitou as sobrancelhas. "Dá seis milhões de pessoas. É o maior partido de Portugal."

Filipe voltou a encarar Alexandre.

"Você já viu?", perguntou. "Isto significa que sessenta por cento dos Portugueses vivem graças ao dinheiro dos contribuintes.

Funcionários públicos, pensionistas, desempregados, pessoas que ganham o rendimento social de inserção, doentes, os muitos membros das clientelas partidárias e todos os que recebem os mais diferentes subsídios e prestações sociais."

"E então?"

"E então? Sabe qual é a percentagem das receitas fiscais gastas pelo estado em pessoal e prestações sociais?" Fez uma pausa para preparar a revelação do valor. "Em 2010 eram noventa e seis por cento."

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"Noventa e...?" Alexandre ficou de boca aberta. "Mas isso é... é quase todo o dinheiro!"

"Pois é! Praticamente todo o dinheiro que os impostos arrecadam em Portugal é derretido em salários, pensões e subsídios das pessoas que vivem à custa do estado."

"E as obras financiadas pelo estado? As auto-estradas, os hospitais, as escolas... as outras despesas todas? De onde vem o dinheiro para pagar isso?"

"Do futuro", respondeu Filipe. "Através das PPP, remetendo o pagamento das obras para um futuro que aliás já chegou, ou pedindo dinheiro emprestado ao estrangeiro, outro futuro que também já chegou, uma vez que estamos neste momento a pagar esses empréstimos a juros incomportáveis. A dívida externa líquida do país passou de cerca de quarenta por cento do PIB em 2001 para cento e dez por cento do PIB quando o FMI cá chegou, dez anos depois, um crescimento médio de doze mil milhões de euros por ano. Ou seja, Portugal passou a sustentar-se com dinheiro que não produzia. É por isso que se diz que vivemos acima das nossas possibilidades. A massa que o estado recebe dos impostos vai toda para as despesas com pessoal e prestações sociais. Não sobra nada."

Sempre de olhos postos na estrada, Tomás abanou a cabeça com tristeza.

"Estão a ver o filme, não estão?", perguntou com sarcasmo.

"Não cortaram as despesas para não perder votos..."

"É evidente. O Partido do Estado tem muita força, meus caros.

Esta situação insustentável era do perfeito conhecimento dos governantes e dos partidos da oposição, não tenham dúvida disso. O

problema é que todos querem ser eleitos e, como sabem, cortar na despesa não dá votos a ninguém. Uma vez que o Partido do Estado soma seis milhões de eleitores, quem der mais dinheiro a quem vive à custa do estado acaba por ganhar mais votos. Entrámos assim numa 150

espiral despesista sem retorno."

Estas palavras foram acolhidas com um gesto de impaciência de Alexandre.

"Isso é tudo conversa neoliberal", considerou. "Essas profecias da desgraça não alimentam ninguém e apenas reflectem uma visão economicista das coisas."

A observação arrancou uma gargalhada a Filipe.

"Ora aí está um discurso típico de quem vive à custa do Partido do Estado", observou. "Sempre que alguém se atreve a fazer contas e a mostrar que algo é economicamente insustentável é de imediato apelidado ńeoliberal´, 'pessimista' e 'profeta da desgraça', um 'economicista' que 'não alimenta a esperança'." Fez um aparte.

"Por 'economicista' entenda-se alguém que sabe somar números e percebe que a realidade não se sustenta em fantasias, claro, e por 'alimentar a esperança' entenda-se 'alimentar a ilusão'." Retomou o tom normal. "Confrontados com a dura e desagradável realidade dos números, o que fizeram os nossos distintos líderes? Disseram: 'Há vida para além do Orçamento!' E assim desvalorizaram o problema e tiraram o tapete de debaixo de quem tentava lidar com ele. Esta lógica atingiu o cúmulo em 2009, já depois do colapso financeiro na América, quando o governo, pouco antes das eleições, baixou o IVA e aumentou os salários da função pública quase três por cento."