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"Pois foi", lembrou-se Tomás. "Ganharam as eleições."

"Então não haviam de ter ganho? Quem satisfaz o Partido do Estado ganha." Afinou a voz. "O problema é que a economia não aguenta todo esse despesismo populista. Nos dez anos até 2011, quando o FMI chegou a Portugal para pôr fim ao regabofe, as despesas sociais cresceram mais de dois por cento, enquanto o PIB apenas cresceu..."

"Zero vírgula três por cento", completou o historiador. "Sim, já 151

tinhas dito."

"Essa disparidade entre o forte crescimento da despesa social e o débil crescimento da economia não é despiciendo, meus caros."

"Com certeza que não", admitiu Tomás. "Só se pode distribuir a riqueza que se tem. Se não se cria riqueza, não se pode distribuí-la. Isso é evidente."

"É evidente para ti e para qualquer pessoa que pare dez segundos para pensar no assunto, mas pelos vistos não foi evidente para os génios que nos governaram durante anos e anos. Eu sei que muitas pessoas vivem com dificuldades tremendas e precisam mesmo de ajuda, mas o estado social não se decreta à revelia da economia.

Para se distribuir riqueza é preciso criá-la primeiro. Os estudos mostram até que o crescimento da dívida pública é inversamente proporcional ao crescimento da economia. Ou seja, quanto mais dívida pública menos crescimento económico, e vice-versa. Acontece que as despesas sociais aumentaram a taxas médias sete vezes superiores às do crescimento económico entre 2001 e 2011, assim descontrolando a dívida pública, e esses cérebros ímpares foram incapazes de fazer uma simples conta de aritmética e perceber que nos estavam a conduzir ao caos. Não só a economia portuguesa não consegue suportar este nível de despesa como foi aniquilada por ele. Como era preciso ganhar votos a todo o custo, o Partido do Estado foi sendo alimentado com mais e mais dinheiro. Para isso revelou-se necessário aumentar os impostos a ponto de o seu peso se tornar proporcionalmente o maior da Europa, considerando o rendimento médio da população. Assim foram estranguladas e atiradas para a falência as empresas que criavam riqueza, o que fez aumentar o número de desempregados e os encargos do Partido do Estado, obrigando a subir impostos, o que asfixiou ainda mais a economia e levou mais empresas à falência, lançando mais trabalhadores para o desemprego, num ciclo vicioso sem fim."

"O curioso é que o discurso ao longo deste tempo todo foi o da 152

defesa do estado social..."

"Pois, mas com esta política os governantes tornaram-no insustentável. Os mesmos que falavam em defender o estado social eram aqueles que mais faziam para o destruir. Portugal tem a maior dívida externa desde 1892, a maior dívida pública dos últimos cento e sessenta anos, o maior número de desempregados na sua história e o pior crescimento económico desde a Primeira Guerra Mundial. Com números deste gabarito, como raio é possível sustentar o estado social que criámos?"

O olhar de Tomás desceu para o contador do combustível no tablier do Volkswagen. Já não tinha muita gasolina e em breve teria de entrar numa estação de serviço para reabastecer o carro.

Aproveitando a pausa, Alexandre quebrou o silêncio a que se havia remetido.

"O problema do défice das contas públicas resolve-se com crescimento económico", sentenciou. "Se crescermos, abatemos o défice."

Filipe virou dois dedos na direcção do passageiro do banco traseiro.

"Há duas maneiras de resolver o problema do défice", indicou.

"Ou se corta a despesa ou se aumenta a receita. O aumento da receita vem, claro, dos impostos. O problema é que o aumento dos impostos reduz o investimento e provoca falências, pelo que só resulta a curto prazo. A única maneira de aumentar as receitas dos impostos de uma forma sustentável é de facto produzir crescimento económico." Suspirou. "O que se passa, meu caro, é que não estamos a ter crescimento económico, pois não?"

"Zero vírgula três por cento de crescimento médio anual nos dez anos até à chegada do FMI", repetiu Tomás. "É bom nunca esquecer esse número. É muito revelador."

"Ou seja", insistiu Filipe, "quando um político que gasta muito diz 153

que a solução é o crescimento económico, o que está de facto a dizer é que não vai fazer nada para resolver o problema. Lembrem-se que os estudos mostram que o crescimento da dívida pública é inversamente proporcional ao crescimento da economia. Se o governante desequilibra as contas públicas, como pode querer que haja crescimento económico? Isso é mesmo para enganar papalvos."

Alexandre não se deixou vencer.

"Pode incrementar o crescimento económico..."

"Como?"

"Injectando dinheiro na economia."

"Qual dinheiro? Não há dinheiro! Além do mais, insisto que nas últimas décadas têm sido injectados milhares de milhões de euros na economia portuguesa e quase não houve crescimento económico." Fez um esgar, pensativo. "Talvez se pudesse baixar o IRC, como fez a Irlanda nos anos noventa, mas isso só seria eficiente com outras reformas impopulares, como tornar mais fáceis os despedimentos, de modo que quem tenha dinheiro queira abrir empresas em Portugal e assim criar riqueza."

"A lei laborai já foi flexibilizada em 2012."

"É verdade. Mas é ainda preciso fazer outras coisas que o poder não tem conseguido ou querido mudar, como tornar a justiça célere e eficiente, desburocratizar o país a sério, combater a corrupção com legislação eficiente, manter as leis fiscais simples e estáveis durante muito tempo... enfim, um rol de reformas susceptíveis de tornar o investimento interessante e seguro. Qual é o investidor estrangeiro que quer investir em Portugal e assim criar emprego se vê que os impostos lhe comem os lucros, que são precisos quatro anos para obter uma licença, que tem de contratar os arquitectos e os construtores amigos dos governantes ou dos autarcas para conseguir que lhe aprovem os projectos, que se tiver de processar alguém o assunto se arrastará quinze anos nos tribunais? Ninguém mete dinheiro num país assim!

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Existe, porém, um grande medo de mudar e uma ideologia contra os empresários em Portugal que dificulta a alteração deste estado de coisas.

Além do mais, os próprios empresários portugueses são em geral fracos e pouco ambiciosos, fruto do nosso débil sistema de educação."

"Não tenha dúvida de que os empresários têm grandes culpas no cartório."

Filipe fez uma careta.

"Sem dúvida", reconheceu. "Mas não são só eles. Além do mais, e para lá da enorme dívida pública, existe uma dificuldade muito mais séria a travar o nosso crescimento."

Meteu a mão ao bolso e extraiu uma caneta. Virou o envelope que não largara desde que havia chegado a Portugal e, na face limpa, rabiscou uma equação.

Δ PIB = Δ População + Δ Produtividade

"Isso é um delta", constatou Tomás, reconhecendo o triângulo do alfabeto grego. "Significa variação, não é?"

"Isso mesmo", confirmou o amigo. "A variação do PIB depende da variação da população e da variação da produtividade." Pousou a ponta do dedo na última palavra da equação. "Comecemos pela produtividade."