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Voltou-se para Alexandre. "O que é uma pessoa pouco produtiva?"

O passageiro do banco traseiro riu-se; a resposta parecia-lhe óbvia.

"É alguém que trabalha pouco, claro."

Voltando a meter-se na conversa, Tomás abanou negativamente a cabeça.

"Errado", disse o historiador. "Uma pessoa pode trabalhar com uma dedicação intensa durante quinze horas por dia e ser pouco produtiva, enquanto outra pessoa pode trabalhar apenas duas horas e ser muito produtiva."

A correcção surpreendeu Alexandre.

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"O quê?!", contestou. "Que disparate!"

"Pode acreditar", insistiu Tomás. "A produtividade refere-se ao valor do produto criado pelo trabalho, não à quantidade de trabalho. Os Portugueses, por exemplo, trabalham mais do que os Alemães, mas são menos produtivos. Porquê? Porque enquanto um português gasta trinta dias de trabalho para produzir cem garrafas de vinho de dez euros cada, um alemão gasta vinte dias para produzir um Mercedes. Só que o Mercedes vale cem mil euros, enquanto as cem garrafas de vinho valem mil. Ou seja, e apesar de ter trabalhado menos dez dias, o alemão é mais produtivo porque o produto que ele fabricou vale mais do que o produto do português."

"Nem mais", concordou Filipe. "Acontece que, para termos crescimento económico, precisamos de aumentar a produtividade, isto é, temos de fazer coisas de maior valor para o mercado internacional. O

problema é que o nosso sistema de educação é fraco, com índices baixíssimos de aproveitamento em Matemática, e as pessoas não estão a aparecer convenientemente qualificadas nas áreas científicas e tecnológicas."

"Sim, e o estado apenas ajuda o sector de bens não-

-transaccionáveis, enquanto o sector de bens transaccionáveis, que é o que produz a riqueza, ficou ao abandono", apressou-se Tomás a acrescentar. "Além do mais, os estudos mostram que o investimento privado cria mais riqueza do que o investimento público, mas em Portugal o estado faz crowding out do dinheiro da banca, deixando pouco para os privados. Sem dinheiro os privados não investem. Sem investimento... adeus crescimento!" Acenou como se se despedisse. "Temos de aumentar a produtividade se quisermos ter crescimento económico."

Filipe apontou para a equação que redigira no envelope que segurava com os dedos.

Δ PIB = Δ População + Δ Produtividade

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"Atenção que a produtividade é apenas um dos elementos da equação", lembrou. "O outro é a população. Se queremos ter crescimento económico, precisamos de crescimento populacional."

O historiador fez com a mão um gesto vago no ar.

"Qual crescimento populacional?", perguntou. "A população portuguesa está a diminuir! À entrada da década de 2010, por exemplo, cada casal em Portugal tinha em média um vírgula três filhos, muito abaixo dos dois vírgula um necessários para garantir a substituição das gerações. Pior ainda, nessa mesma altura as populosas gerações do pós-guerra entraram em idade de reforma, engrossando drasticamente o número de pensionistas no país. Não estamos a ter crescimento populacional, mas decréscimo."

"O que quer dizer que há menos população activa a produzir riqueza para distribuir pela crescente legião de velhos, com as suas reformas e cuidados de saúde caros", atalhou Filipe. "E, como muito bem observaste, o índice de natalidade baixou dramaticamente.

Vinte e seis por cento da população portuguesa no início da década de 2010 era idosa, um valor verdadeiramente astronómico.

Prevê-se que essa taxa atinja em 2050 quase os sessenta por cento."

Alexandre passou a mão pelo cabelo.

"A sério?", escandalizou-se. "Sessenta por cento da população será idosa?!"

"Pois é! Quem é que vai pagar as pensões e os cuidados de saúde cada vez mais caros dessa malta toda? Como é possível ter crescimento económico nessas condições? Repare que a economia pode crescer apesar do problema demográfico, mas para isso seria necessário que a produtividade fosse alta, da mesma maneira que é possível crescer com produtividade baixa, desde que o crescimento demográfico seja grande. Porém, não é possível crescer com baixa produtividade e recuo demográfico."

"A culpa aqui não é só dos políticos", observou Tomás. "A culpa é 157

de cada um de nós, que evita ter filhos. Estamos a cavar a nossa própria sepultura!"

"Em última instância, nós é que somos os verdadeiros culpados de tudo o que se está a passar", concordou Filipe. "Nós é que votamos em políticos que aumentam a despesa, nós é que passamos a vida de mão estendida para o estado, nós é que não estamos a garantir a substituição das gerações e andamos a construir um futuro de velhos."

"Por vezes tendemos a ignorar a história das coisas e fazemos mal", disse o historiador. "É preciso ter presente que as premissas do estado social foram estabelecidas nos anos cinquenta, numa altura em que havia poucos velhos e a esperança de vida era de sessenta e cinco anos. Estabeleceu-se essa idade de reforma na convicção de que pouca gente viveria mais do que isso. Mas com a melhoria das condições de vida e os avanços da medicina a esperança de vida aumentou. Entre 1960 e hoje ela cresceu quinze por cento em Portugal. Além do mais a natalidade caiu. Com a inversão da pirâmide etária, o sistema está à beira de se desmoronar."

"Lá diz o velho princípio de economia", insistiu Filipe, "o que é insustentável não se sustentará."

Os olhos de Tomás largaram a auto-estrada e fixaram pelo retrovisor o companheiro de viagem do banco traseiro.

"Daí que estejam a cortar a pensão à minha mãe, percebeu?"

Sentado ao seu lado, o velho amigo do liceu apontou-lhe o indicador.

"Estás preocupado com a tua mãe?", admirou-se Filipe. "Devias era estar preocupado contigo!" Pousou a mão no peito. "E comigo."

Indicou Alexandre atrás. "E com ele. A tua mãe ainda tem gente que cria alguma riqueza que lhe é entregue em forma de pensão de reforma, mesmo com um corte como o que agora ela sofreu. Os idosos queixam-se hoje destes cortes, que são realmente frios e cruéis, mas o que eles estão a passar não é nada comparado com o que 158

nós vamos passar. Em 1960 havia cem jovens para cada vinte e sete idosos, agora há cem jovens para cerca de cento e trinta idosos. Quem vai criar riqueza para nos pagar a reforma quando chegarmos a essa idade e metade da população do país for velha como nós? Quem?"

"Só se for a imigração em massa", retorquiu Tomás. "De outra maneira..."

"Só se for a imigração", assentiu Filipe, balouçando afirmativamente a cabeça. "Embora apenas os imigrantes pouco qualificados estejam interessados em vir para este país, claro. Como é bom de ver, esses criam pouca riqueza.", Fixou o olhar na vegetação que corria à berma da estrada. "O importante, meus caros, é perceber que não temos de momento condições para combater o défice pela via do crescimento económico. Assim sendo, só podemos enfrentar o problema do défice através da redução da despesa e de reformas estruturais, que são penosas mas que nos tornam competitivos a médio ou longo prazo. Os países escandinavos e a Alemanha, que produzem muito mais riqueza do que nós e apesar de tudo dispõem de maiores taxas de natalidade, em vez de se meterem na conversa fiada do crescimento económico para nada fazerem já cortaram a sério no seu estado social e nos salários.