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"Diga."

"Vá à Plaza Beata Maria Ana de Jesús e apanhe o 304 às onze e meia. Leva quarenta minutos de viagem, é um tirinho."

"Estará à minha espera à chegada?"

Ela fez uma pausa para pensar.

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"O mais fácil é encontrarmo-nos à entrada do Café Nirvana. Que tal ao meio-dia e meia?"

"Perfeito."

Quando desligou e saiu da cabina telefónica Tomás consultou o relógio; eram dez e vinte da manhã, tinha muito tempo. Cravou o olhar na sucursal do banco instalada mesmo ao lado e vacilou, indeciso em relação ao que fazer a seguir. Deveria confiar inteiramente em Raquel ou seria melhor manter-se prudente? Filipe assegurara-lhe que ela era de confiança absoluta, mas o historiador não tinha assim tanta certeza; os acontecimentos das últimas vinte e quatro horas haviam-no ensinado a ser cuidadoso.

Vencendo as dúvidas, entrou no banco e pôs-se na fila dos clientes.

Quando chegou a sua vez encostou-se ao balcão e encarou a funcionária bancária.

"Hola, señorita!, disse, regressando ao seu portunhol trapalhão.

"Será possível alugar um cofre?"

"Sí, como no?", devolveu ela. "Terá de abrir uma conta, por supuesto."

A funcionária ao balcão indicou-lhe um espaço privado protegido por biombos onde uma segunda funcionária se encontrava sentada a uma mesa. Tomás dirigiu-se a ela e explicou-

-lhe o que desejava. Depois de preenchida a papelada e cumpridas as formalidades, a segunda funcionária entregou-lhe uma chave e passou-o a um segurança que o conduziu por um corredor até ao sector onde se situavam os cofres. O segurança indicou ao cliente o cofre que lhe estava destinado e afastou-se, deixando-o a sós.

Sentindo-se enfim à vontade, Tomás tirou o maço de notas do interior do envelope e contou a soma. Eram quinhentos euros em notas de vinte; não se tratava de nenhuma fortuna mas dava para as despesas correntes agora que tinha as contas bloqueadas. Satisfeito 205

com a maquia, certificou-se a seguir de que o taser se encontrava também dentro do sobrescrito. Assim era. Por fim depositou o envelope no cofre e trancou-o com a sua chave.

"Já está!", disse, fazendo sinal ao segurança de que terminara.

"Podemos ir."

O homem acompanhou-o até à saída e deixou-o no passeio. Ao sentir o bafo do sol quente queimar-lhe a face, Tomás consultou o relógio; eram quase onze, hora de partir para Seseña.

Abeirou-se da rua para procurar um táxi, mas o seu olhar desviou-

-se quase irresistivelmente para a cabina telefónica; havia um telefonema que tinha mesmo de fazer. Verificou de novo as horas, no gesto quase reflexo de quem procurava convencer-se de que ainda tinha tempo para mais uma chamada.

Depois de inserir a moeda, digitou o número. Fazia calor no interior da cabina, mas nada disso o incomodava.

O sinal de chamada soou duas vezes e foi interrompido por um clique.

"O Lugar do Repouso, bom dia."

Reconheceu a voz de mulher que atendera e não reprimiu um sorriso; como era bom escutar uma voz amiga nas circunstâncias em que se encontrava nesse momento.

"Maria Flor? Daqui Tomás Noronha, como está?"

Fez-se uma curta pausa do outro lado da linha.

"Professor Noronha!", exclamou por fim a directora do lar num tom de surpresa. "Confesso que..." Hesitou e pareceu mudar a direcção da frase. "Vi-o... vi-o nas notícias."

"Não acredite em nada disso", apressou-se Tomás a esclarecer.

"Trata-se de um terrível equívoco e estou neste momento a tratar de o desfazer. Fique descansada que não sou assassino nenhum."

Ouviu um suspiro aliviado do outro lado da linha.

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"Ah, não imagina como folgo em ouvi-lo dizer isso", desabafou ela, de repente mais leve. "Nem sabe o choque que senti quando estava ontem a ver o Telejornal. Não queria acreditar! Parecia que... sei lá, o mundo tinha enlouquecido..."

Falava como se lhe tivessem retirado um peso de cima, a voz modulada em simpatia e familiaridade. Dava até a impressão de que eram íntimos havia muito tempo e que ela o conhecia tão bem que percebia pela voz que ele lhe dizia a verdade.

"Esta situação é terrível", desabafou Tomás. "Mataram o meu amigo e estão a acusar-me do crime."

"É incrível!", exclamou ela. "O senhor está bem?"

"Tanto quanto é possível", assentiu. "Por favor, chame-me Tomás.

Achava que já tínhamos acertado isso."

"Está bem... Tomás."

"Oiça, queria também saber da minha mãe. Como vai ela?"

"Já comecei a vigiar mais a medicação e notei-lhe esta manhã uma evolução. Falou-me um bocadinho do estado do tempo, coisa que ontem não fazia."

Tomás respirou fundo, ganhando balanço para abordar o tema que realmente o preocupava.

"Sabe, quanto ao pagamento da mensalidade da minha mãe...

neste momento não estou em condições de aceder às minhas poupanças, como deve compreender. Será que pode esperar mais algum tempo?"

Fez-se um silêncio do outro lado da linha tão desconfortável que não augurava nada de bom.

"Quando vi a notícia sobre si no Telejornal, e prevendo justamente este problema, tomei a iniciativa de falar com os proprietários do lar sobre o assunto."

"E... e então?"

"Lamento muito, mas eles dizem que não haverá excepções. A 207

diferença em falta tem de ser reposta até quinta-feira à noite."

"Isso é já amanhã!..."

"Eu sei". Fez uma pausa embaraçada. "Olhe, insisti muito, acredite..."

Agarrado ao telefone, Tomás encostou a testa ao vidro da cabina e, com as pontas dos dedos da mão livre, esfregou o couro cabeludo em desespero; as suas opções estavam a esgotar-se e, sem emprego e com a polícia à perna, não via maneira de resolver o problema.

Como era possível que a sua vida se tivesse desestruturado daquela maneira em tão pouco tempo?

"E agora?", murmurou para o bocal. "O que vou eu fazer?"

Fez-se uma pausa ao telefone.

"Não desespere, Tomás", disse ela. "Vou pensar numa solução qualquer."

"Mas que solução? O que se pode fazer?"

Novo silêncio embaraçado na linha.

"Pois, não sei", admitiu ela. "Sabe o que é, as filas de espera para entrar no lar são tão grandes que os proprietários se podem dar ao luxo de ser implacáveis com qualquer atraso nos pagamentos. Disseram-me por isso que, se a situação com a sua mãe não for regularizada até amanhã à noite, ela será posta na rua logo na manhã seguinte."

"Meu Deus!", exclamou Tomás em desespero. "Eles não podem fazer isso!"

"Mas olhe que vão fazer."

"Oiça, fale com eles, peça-lhes mais tempo."

"Vou tentar."

"Tem de conseguir. Enquanto a minha situação não for resolvida não posso aceder à minha conta. Explique-lhes isso!

"Eu explico", prometeu ela, compadecida. "E vou pensar noutras soluções. Ligue-me mais logo, pode ser?"

"Com certeza."

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Depois de trocarem mais algumas palavras, despediram-se e Tomás desligou o telefone. Quando saiu da cabina, e apesar da preocupação que o atormentava, a imagem que tinha na cabeça não era a da mãe, mas a de Maria Flor.