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"Hmm... isso tem tonalidades messiânicas."

"Pois tem. Pensa-se que esse livro perdido terá inspirado várias seitas judaicas, como os essénios e os cristãos, nas suas doutrinas sobre o fim do mundo e o julgamento final."

"0 professor esta à procura desse livro?"

"Desse e de um outro, o décimo terceiro livro dos Avestá.

Chamam-lhe Spend Nask e trata-se na verdade de uma biografia de Zoroastro. Sabemos que o Spend Nask foi escrito, mas desde a invasão muçulmana que nunca mais ninguém lhe pôs os olhos em cima."

Soprou. "Puf, sumiu-se!" Um brilho quase imperceptível cintilou no esgar vivo de Tomas. "Encontrá-lo seria como descobrir a arca da aliança do misticismo, percebe? O Spend Nask encerra solução para os grandes mistérios das três religiões monoteístas, todas elas de certo modo fundadas na vida e na ética de Zoroastro."

Chegaram ao átrio e viram a luz do dia jorrar pela porta principal do museu; estavam quase a sair à rua.

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"E o que o leva a pensar que esses livros estão aqui em Atenas?", quis saber o arqueólogo, intrigado. "Que eu saiba, a Grécia fica longe da Pérsia..."

"Sim, mas muitos autores gregos antigos fizeram abundantes referências a Zoroastro, a quem chamaram o Príncipe dos Magos e o inspirador de Pitágoras. Platão, por exemplo, disse que ele era filho de Oromazdes. Oromazdes é Ahura Mazda, claro, o Deus zoroastriano, o que significa que Zoroastro era filho de Deus. O próprio Plutarco estabeleceu uma ligação divina a Zoroastro."

"Essa do filho de Deus parece mais uma ideia judaica e cristã", constatou o grego. "E então? Isso não responde à minha pergunta..."

Chegaram à porta principal do Museu Arqueológico e Tomás deteve-

-se, como se o que tivesse para dizer fosse tão importante que não podia ser expresso enquanto caminhava.

"No Livro de Arda Viraf existe uma lenda segundo a qual os Avestá estavam guardados na biblioteca dos reis do império aqueménida, pilhada por Alexandre, o Grande", revelou. "É possível que os homens de Alexandre tenham trazido esses livros aqui para Atenas. Se assim foi, as escrituras zoroastrianas poderão ter escapado ao grande auto-de-fé muçulmano. Quem sabe se o manuscrito que o professor encontrou nas escavações da Biblioteca de Pantainos não faz parte do espólio de Alexandre? E, se fizer, que outros manuscritos poderemos lá descobrir?"

"Acha que poderá estar lá o..."

O arqueólogo deixou a frase suspensa, incapaz de se lembrar do título do livro, tão estranho ele lhe parecera, e foi Tomás que completou a frase, mas em voz baixa, como se receasse que bastasse pronunciar o título perdido para afugentar o gigantesco golpe de sorte pelo qual ansiava.

"O Spend Nask."

Cruzaram a porta. Quando chegaram às quatro colunas que decoravam a entrada, porém, voltaram a estacar e ficaram plantados no topo da grande escadaria. Desta vez não pararam para conversar; os dois 28

académicos imobilizaram-se porque ficaram estarrecidos com o que viam acontecer diante deles, à frente do grande jardim de acesso ao museu.

"C'os diabos!", exclamou Tomás, boquiaberto. "O que raio vem a ser isto?"

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II

A multidão desfilava em passo lento na rua diante do Museu Arqueológico, empunhando cartazes em caracteres gregos e múltiplas bandeiras, umas vermelhas com a foice e o martelo, outras com símbolos anarquistas. Vozes amplificadas por megafones gritavam palavras de ordem, a que a massa humana respondia num coro ritmado, as frases pontuadas por punhos fechados erguidos no ar.

"A manifestação!", disse o professor Markopoulou, batendo com a palma da mão na testa. "Já me esquecia que hoje havia uma manifestação contra as medidas de austeridade!"

"Oh, não!", soltou Tomás com desânimo. "E agora? A rua parece bloqueada. Como vamos passar?"

Os olhos dos dois académicos percorriam a multidão; deviam estar ali dezenas de milhares de pessoas.

"Porque não vamos com eles?", perguntou o arqueólogo grego.

"Devíamos juntar a nossa voz a este protesto. Sempre era uma maneira de lhe dar força!..."

O historiador português fitou o seu colega com incredulidade.

"O professor está louco? Nós somos académicos!..."

"E então?"

" Desde quando é que os académicos se metem nas confusões da política e das questões laborais?"

O rosto do professor Markopoulou endureceu e os seus olhos 30

escuros tornaram-se frios.

"Desde que me cortaram o salário e me retiraram o décimo terceiro, o décimo quarto e o décimo quinto mês e me aumentaram a idade da reforma!", ripostou com acidez. "O governo foi-me ao bolso e eu deixo-me ficar?" Abanou enfaticamente a cabeça. "Nem pensar!"

Antes que o seu convidado pudesse dizer alguma coisa, o grego começou a descer as escadarias e dirigiu-se à manifestação em passo decidido. Tomás ainda hesitou, mas acabou por correr no seu encalço, percebendo que não tinha grande alternativa, embora estivesse convencido de que aquilo, além de ser um disparate, constituía um comportamento pouco profissional para quem procla mav a i nd ep end ê ncia em r ela ção a os p od e re s polí ticos.

"Professor, não nos podemos meter nesta confusão", ainda atirou, num es forço para aca lmar o seu col ega temperamental.

"Temos trabalho a fazer!"

"Oiça, meu caro", devolveu o professor Markopoulou, virando-se para trás enquanto caminhava. "Vamos ficar aqui só um bocadinho e depois seguimos para as escavações, está bem? Eles estão a ir para a Praça Syntagma, onde se encontra o parlamento, e quero acompanhá-los para descarregar a fúria que ando a alimentar dentro de mim. Vai fazer-me bem."

Assim postas as coisas, que objecções poderia Tomás levantar? O

homem precisava de expressar a sua frustração, que diabo! Em Portugal as pessoas fazia o mesmo nos estádios de futebol quando insultavam o árbitro e a senhora sua mãe; pelos vistos ali na Grécia preferiam fazê-lo nas ruas. Que mal haveria numa coisa dessas? Havia que respeitar os costumes da terra.

Foi assim, sem mais protestos, que o historiador português se juntou à corrente de gente que deslizava pelas ruas de Atenas como um rio imenso e tumultuoso.

Havia já uma meia hora que a multidão não se calava, as 31