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Eu só não cortei sua língua porque desde que saí de minha terra não carrego punhal comigo. Disse-lhe que tinha intenção de abster-me de kemmer enquanto estivesse no exílio. Mas ele falava amorosamente, segurando minhas mãos e se transformando em fêmea a olhos vistos.

Gaum é belíssimo emkemmer e ele contava com essa beleza e com sua força sexual, sabendo, suponho, que sendo handdarata eu não usaria drogas antiafrodisíacas e tentaria a abstinência, com muitos aspectos em desvantagem. Ele se esqueceu, porém, que a aversão é tão forte quanto qualquer droga.

Libertei-me das suas garras, pois, naturalmente, já esta­va me excitando, e abandonei-o, com a sugestão de que de­veria procurar a casa de kemmer ali ao lado. Olhou-me com ódio, mas era de dar pena. Ele estava realmente em kemmer e seu desejo era intenso, embora falso na sua fina­lidade. Pensou, realmente, que eu iria vender-me tão barato? Deve pensar que sou muito instável, o que me torna, real­mente, inquieto. Danem-se esses sujeitos sujos! Não há se­quer uma alma limpa entre eles!

Odsordny susmy (15.° dia de outono). Esta tarde, Genly Ai falou na reunião dos Trinta e Três. Não permitiram en­trada ao público, nem emissão pelo rádio, mas Obsle gravou a sessão e depois pude ouvir a fita.

O Enviado falou bem, com uma candura e insistência comoventes. Há nele uma inocência que eu achava estranha e infantil; mas, em outras ocasiões, essa aparente candura revela uma disciplina de conhecimento e uma grandeza de finalidades que me impressionam. Através dele sinto que fala um povo perspicaz e magnânimo, uma raça que juntou numa única sabedoria todas as velhas, terríveis e profundas experiências de vida. Mas ele é jovem, e, assim sendo, impaciente e sem vivência. Ele está em nível mais alto que nós, e tem uma visão ampla, maior que a nossa, mas ele próprio, como pessoa humana, tem somente a dimensão de um homem. Expressa-se, agora, melhor que em Erhenrang, de maneira mais simples e mais sutil; aprendeu seu ofício trabalhando nele, como todos nós o fazemos.

Seu discurso era freqüentemente interrompido pelos membros da facção dominante, que pediam ao presidente para fazer calar aquele lunático, expulsá-lo e dar andamento aos outros assuntos. O Comensal Yemenbey era o mais de­sordeiro e provavelmente o mais espontâneo. E vociferava para Obsle: “Você não está engolindo todo esse blá-blá-blá?!” Havia interrupções metodicamente feitas por Kaharosile, mas era difícil segui-las na gravação. De memória:

Alshel, presidindo: — Sr. Enviado, achamos que as informações e propostas feitas pelos senhores Obsle, Slose, Ithepen, Yegey e outros são extremamente interessantes e estimulantes. Entretanto, precisamos de um pouco mais de material para levar isto avante. (Risadas.) Desde que o soberano de Karhide tem em seu poder o seu veículo, trancado de modo que não podemos vê-lo, seria possível, como foi sugerido, o senhor fazer descer a… nave estelar? Como a chama mesmo?…

Genly Ai: — Nave estelar é um bom nome, Sr. Alshel.

Alsheclass="underline"  — Sim? Mas como vocês a chamam?

Genly Ai: — Bem, em termos técnicos é uma Nafal 20, de vôo interestelar, sob controle manual e de concepção dos celtianos.

Alsheclass="underline"  — Por favor… Bem, se pudesse ter essa nave aqui embaixo, no solo que pisamos, como diria, para que tivéssemos alguma prova substancial…

Voz: — Vísceras de peixes é que são substanciais!

Genly Ai: — Gostaria muito de trazer à terra essa nave, Sr. Alshel, como prova e testemunho de nossa boa fé recíproca. Aguardo apenas seu pronunciamento público deste acontecimento.

Kaharosile: — Comensais, vocês não estão vendo do que se trata? Não é uma piada estúpida. Tem a intenção de ser uma caçoada pública de nossa credulidade, nossa es­tupidez, maquinada com uma audácia incrível por esta pes­soa que está em frente a nós. Vocês sabem que ele vem de Karhide, sabem que é um agente karhideano. Podem ver que ele é um deformado sexual e que devido à influência do culto das trevas é deixado em Karhide sem cura, e às vezes é até criado artificialmente para as orgias sexuais dos áugures. E no entanto, quando ele diz “eu sou dos espaços side­rais”, alguns dos senhores fecham os olhos, curvam a cabeça e realmente acreditam! Nunca pensei que isto fosse possí­vel… etc., etc.

A julgar pela gravação, Ai suportou insultos e agres­sões com paciência. Obsle disse que ele se saiu bem. Eu ficara vagando fora do salão, para vê-lo à saída da sessão. Ai tinha um ar severo e meditativo. E com razão. Minha inutilidade é insuportável. Fui eu quem pôs esse mecanismo a funcionar e agora não posso controlar sua evolução. Pe­rambulo pelas ruas com o capuz abaixado para ver, de relance, o Enviado. Para essa vida cheia de subterfúgios e inútil, atirei fora meu poder, meu dinheiro e meus amigos. Que tolo você é, Therem! Por que nunca posso colocar meu cora­ção numa causa plausível?

Odeps susmy. O audisível que Genly Ai colocou, agora, nas mãos dos Trinta e Três, aos cuidados de Obsle, não vai mudar nada na mente deles. Se os matemáticos reais não compreenderam seu princípio, então os engenheiros e matemáticos orgotas compreenderão ainda menos, e nada será confirmado. Uma lógica admirável se fosse um mundo de áugures e dehanddara, mas infelizmente temos de tocar para a frente, provando e desprovando, perguntando e respondendo.

Uma vez mais pressionei Obsle quanto à exeqüibilidade de Ai emitir pelo rádio um comunicado com sua nave este­lar, despertá-los do sono e conversar com os comensais pelo rádio em plena reunião dos Trinta e Três. Desta vez, Obsle tinha um argumento à mão para justificar não fazê-lo.

“Escute, caro Estraven, o Sarf controla nosso rádio, você já sabe disto. Eu não tenho a menor idéia de quais os homens do setor de comunicação que servem ao Sarf como agentes; a maior parte, me parece, pois é um fato que eles manobram as recepções e emissões em todos os níveis desde os técnicos até os operários. Eles poderiam e o farão — blo­quear ou falsificar qualquer transmissão que recebêssemos, se é que receberíamos alguma. Você pode imaginar tal coisa, numa reunião? Nós, a favor de seres espaciais, vítimas de nosso próprio truque, escutando com o fôlego suspenso a um amontoado de estática, e nada mais. Nenhuma resposta, nenhuma mensagem?”

“E você não tem dinheiro para contratar algum téc­nico que seja leal, ou mesmo subornar, chantagear um dos deles?”, perguntei.

Inútil. Ele teme por seu prestígio pessoal. Seu compor­tamento em relação a mim também já mudou. Se ele cancela a recepção para o Enviado hoje à noite as coisas estarão em maus lençóis.

Odarhad susmy. Ele cancelou a recepção.

Esta manhã fui ver o Enviado, no adequado estilo orgota. Não abertamente na casa de Shusgis, onde o pessoal deve estar infiltrado de agentes do Sarf, Shusgis sendo um deles; na rua, por acaso, à moda de Gaum, disfarçado e à sorrateira:

“Sr. Ai, quer me ouvir por um momento?”

Olhou em volta, espantado, e ao me reconhecer se alar­mou. Após uns instantes, exclamou:

“Com que finalidade, Sr. Harth? O senhor sabe que não posso confiar no que diz, desde Erhenrang.”

Na sua ingenuidade havia uma certa dose de percepção das coisas. Ele sabia que eu desejava dar-lhe um conselho e não pedir-lhe algo; falou assim para poupar meu orgulho. Respondi-lhe:

“Isto aqui é Mishnory e não Erhenrang, mas o peri­go a que está exposto é o mesmo. Se não pode persuadir Obsle ou Yegey a fazer um contato pelo rádio com sua nave para que as pessoas que nela estão possam fazer uma decla­ração em apoio às suas, e ao mesmo tempo se conservarem a salvo, então acho que deve usar o seu próprio audisível e chamar a nave imediatamente. O risco que ela vai correr é menor que o risco que você está correndo agora, sozinho.”