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- Não exatamente - disse Gwen. - Mas a história tem um certo charme. De qualquer modo, tudo o que você vê é parte do Festival. O planeta inteiro é. Todos os mundos da Orla participaram, e a cultura de cada um deles está refletida aqui, em uma das cidades. Há catorze cidades, para os catorze mundos da Orla. Entre elas, está o Porto Espacial e a Comuna, que é um tipo de parque. Estamos passando sobre ela agora. A Comuna não é muito interessante, nem durante o dia. Havia festas e jogos ali nos anos do Festival.

- Onde é seu projeto?

- No deserto - contou Ruark. - Além das cidades e da cadeia montanhosa.

Gwen disse:

- Olhe.

Dirk olhou. No horizonte, podia perceber vagamente uma fileira de montanhas, uma barreira negra e dentada que surgia a partir da Comuna para apagar as estrelas mais baixas. Uma chispa de luz sanguinolenta brilhava no alto de um dos picos e crescia conforme se aproximavam. Ficou maior e mais alta, embora não mais brilhante; a cor permanecia sendo um vermelho sombrio e ameaçador que, de algum modo, fazia Dirk se lembrar da jóia-sussurrante.

- Estamos em casa. - Gwen anunciou, enquanto a luz ficava mais inchada. - A cidade Larteyn. Lar é antigo kavalariano para céu. Esta é a cidade de Alto Kavalaan. Algumas pessoas a chamam de Fortaleza de Fogo.

Ele pôde ver o motivo num relance. Construída no rebordo da montanha, com rocha embaixo e dos lados, a cidade kavalariana era também uma fortaleza quadrada e compacta, com muralhas maciças e janelas basculantes. Mesmo as torres que se erguiam atrás das muralhas da cidade eram pesadas e sólidas. E baixas; a Montanha assomava-se sobre elas, sua pedra escura com manchas cor de sangue causadas pela luz refletida nela. Mas as luzes da cidade em si não eram refletidas; as paredes e ruas de Larteyn queimavam com um fogo próprio, monótono e carrancudo.

- Pedrardente - Gwen disse para ele, em resposta à pergunta não formulada. - Absorve a luz durante o dia e a devolve durante a noite. Em Alto Kavalaan, era usada para joalheria, mas foi extraída às toneladas e embarcada para Worlorn, para o Festival.

- Barroco impressionante - Ruark disse. - Kavalariano impressionante.

Dirk apenas assentiu.

- Você devia ter visto antigamente. - Gwen comentou. - Larteyn bebia dos sete sóis durante o dia e iluminava a cordilheira à noite. Como uma adaga de fogo. As pedras estão se apagando agora... a Roda fica mais distante a cada hora. Em mais uma década a cidade ficará escura como uma brasa queimada.

- Não parece muito grande - Dirk falou. - Quantas pessoas vivem aí?

- Um milhão, antigamente. Você está vendo apenas a ponta do iceberg. A cidade está construída dentro da montanha.

- Muito kavalariano - Ruark disse. - Uma fortaleza profunda, entalhada na pedra. Mas vazia, agora. Vinte pessoas, pela última contagem, incluindo nós.

O aeromóvel passou sobre a muralha externa e se alinhou com a borda da larga saliência da montanha, para passar em linha reta diante da rocha e da pedrardente. Embaixo deles, Dirk viu largos passeios, fileiras de flâmulas movendo-se lentamente e grandes gárgulas escavadas com olhos de pedrardente queimando. As construções eram de pedra branca e madeira de ébano, e nos flancos o fogo das rochas era refletido em longas estrias vermelhas, como feridas abertas de alguma besta escura e gigantesca. Sobrevoaram torres, cúpulas e ruas, becos sinuosos e amplas avenidas, pátios abertos e um imenso teatro ao ar livre.

Vazio, tudo vazio. Nem uma figura se movia nos caminhos avermelhados de Larteyn.

Gwen desceu em espiral sobre uma negra torre quadrada. Conforme ela desligava, o controle de gravidade lentamente terminou a aterrissagem. Dirk notou dois outros carros na pista: um lustroso amarelo em formato de lágrima e um velho e formidável artefato militar com a aparência de uma centena de anos gastos em guerra. Era verde-oliva, quadrado e blindado, com canhão de laser na cabine dianteira e tubos de pulso na traseira.

Ela aterrissou entre os dois carros, e eles desceram do aeromóvel. Quando chegaram à área de elevadores, Gwen virou o rosto para ele, a face corada e estranha sob aquela melancólica luz avermelhada.

- É tarde - ela disse. - É melhor que todos descansemos.

Dirk não questionou a despedida.

- E Jaan? - perguntou.

- Você o conhecerá amanhã - ela respondeu. - Preciso de uma oportunidade para falar com ele primeiro.

- Por quê? - ele perguntou, mas Gwen já tinha se virado e se dirigia às escadas. Então o elevador chegou, Ruark colocou uma mão no ombro dele e o empurrou para dentro.

Desceram para dormir e sonhar.

Capítulo 2

Dirk descansou muito pouco naquela noite. Cada vez que começava a dormir, seus sonhos o despertavam: visões incertas misturadas com veneno, das quais recordava vagamente quando acordava vez após outra durante a noite. Finalmente desistiu. Em vez de dormir, começou a remexer em seus pertences até encontrar a joia envolta em prata e veludo e sentou-se com ela na escuridão para beber suas frias promessas.

As horas se passaram. Então Dirk se levantou e se vestiu, guardou a jóia no bolso e saiu sozinho para ver a Roda despontar. Ruark estava profundamente adormecido, mas havia dado o código da porta para Dirk, então não era um problema entrar ou sair. Tomou o elevador de volta ao telhado e esperou nas últimas borras da noite, sentado na fria asa de metal do aeromóvel cinzento.

Era um amanhecer estranho, opaco e ameaçador, e o dia nascia sombrio. No princípio, apenas um fulgor vago e nebuloso se insinuou no horizonte, uma mancha vermelho-negra que refletiu fracamente nas pedrardentes da cidade. Então o primeiro sol nasceu: uma pequena bola amarela que Dirk observou a olho nu. Minutos mais tarde, uma segunda esfera apareceu, um pouco maior e mais brilhante, em outra parte do horizonte. Mas as duas juntas, embora reconhecidamente mais fortes do que estrelas, ainda forneciam menos luz do que a lua cheia de Braque.

Pouco tempo depois, o Cubo começou a se erguer sobre a Comuna. No início, era uma linha opaca vermelha, perdida entre a luz ordinária do amanhecer, mas foi ficando cada vez mais brilhante, até que finalmente Dirk viu que não era um reflexo, mas a coroa de um vasto sol vermelho. O mundo tornava-se carmesim enquanto ele se elevava.

Dirk olhou para as ruas abaixo. As pedras de Larteyn estavam todas opacas agora; apenas onde as sombras caíam o brilho ainda era visto, ainda que desvanecido. A melancolia se abateu sobre a cidade como um manto cinzento ligeiramente tingido com um vermelho desbotado. Na luz fria e pálida, todos os reflexos noturnos haviam desaparecido, e as ruas silenciosas ecoavam morte e desolação.

O dia de Worlorn. Mas ainda era crepúsculo.

- Era mais claro no passado - disse uma voz atrás dele. - Agora, cada dia é mais escuro, mais frio. Das seis estrelas da Coroa do Inferno, duas estão escondidas, agora, atrás do Satã Gordo e não têm nenhum uso para nós. As outras ficam cada vez menores e mais distantes. O próprio Satã ainda olha para Worlorn, mas sua luz é muito vermelha e cada vez mais tênue. Então, Worlorn vive um lento entardecer. Alguns anos mais e os sete sóis vão encolher até se tornarem sete estrelas, e o gelo virá novamente.

Seu interlocutor permaneceu muito quieto enquanto contemplava o amanhecer, as botas ligeiramente separadas e as mãos nos quadris. Era um homem alto, magro e musculoso, com o torso nu mesmo no frio da manhã. Sua pele acobreada ficava ainda mais vermelha sob a luz do Satã Gordo. Tinha pômulos altos e angulosos, queixo pesado e quadrado, e um cabelo ralo na altura do ombro tão negro quanto o de Gwen. E, nos antebraços - antebraços escuros recobertos de finos pelos negros -, usava dois braceletes, igualmente maciços. Jade e prata no braço esquerdo, ferro negro e pedrardente no direito.

Dirk não se moveu da asa da arraia voadora. O homem o encarou.