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"Sete e cinquenta e ainda não apareceu", murmurou agastado, o vapor da respiração a formar uma breve nuvem diante do rosto. "Chiça, já são vinte minutos de atraso!"

Bateu com os pés no empedrado da rua e, saltitando num sapateado curto, deu voltinhas ao passeio, num esforço para obrigar os pés a gerarem calor e a aquecerem assim o corpo.

Fazia frio e, como chegara um pouco adiantado, já ali estava havia uma boa meia hora. Espreitou de novo os ponteiros do relógio e fez um esforço para conter a impaciência.

"Que chatice!"

Nunca Amélia se atrasara tanto para o encontro matinal na esquina da rua. Uma vez tivera de esperar quinze minutos e lembrava-se de outras ocasiões em que fora forçado a aguardar dez minutos, mas vinte minutos, e sobretudo vinte minutos com aquela temperatura glacial, era coisa nunca vista! Um misto de enervamento e inquietação começou a apossar-se dele enquanto imaginava a causa daquele inusitado atraso. Ter-lhe-ia acontecido alguma coisa? Estaria doente?

Estreitou melhor o colarinho do casaco. Realmente, com aquele frio era fácil uma pessoa cair de cama com gripe. Teria sido isso o que acontecera? Essa possibilidade deixava-o inquieto. E se o atraso resultava de mera distracção? E se ela estava atrasada porque decidira pentear-se um pouco melhor ou limpar uma nodoazinha insignificante que lhe aparecera na bata? Ajeitou de novo o colarinho do casaco e sentiu os dentes tiritarem de frio. Não, isso já seria uma desconsideração. Não era possível que ela o tivesse deixado plantado na rua, em plena manhã gelada, por um motivo tão frívolo; decerto não o deixara a enregelar apenas por querer apresentar-se um pouquinho mais bem arranjada. Ou deixaria? Essa hipótese enervava-o.

Meia hora de atraso.

Luís contemplou o relógio, indeciso, e examinou o fundo da rua, procurando a fachada da casa.

Deveria ir lá e perguntar por ela? Talvez fosse má ideia; a mãe não iria gostar e a verdade é que a própria Amélia lhe recomendara inúmeras vezes que evitasse ir lá bater à porta. Dona Beatriz era pessoa susceptível e parecia alimentar algumas reservas inexplicáveis em relação a ele, pelo que a prudência lhe parecia aconselhável. Além do mais, havia uma questão de orgulho: se fosse lá, estaria a dar um sinal de fraqueza, mostrar-se-ia dependente dela, totalmente incapaz de passar sem a sua companhia. Embora no fundo tal fosse verdade, não queria deixar essa impressão.

Quarenta minutos.

Era de mais. Quarenta minutos de atraso afigurava-se-lhe realmente um exagero, Amélia passava já das marcas! O que raio teria acontecido? Se não ia à escola, porque não mandara alguém a avisá-lo? Vendo bem, ele estava a meros dois passos de casa dela. Custar-lhe-ia assim tanto enviar-lhe um recado a dizer que não esperasse mais, que se veriam à tarde? Mas o facto é que não recebera recado nenhum e teria de tomar uma decisão. Deveria esperar um pouco mais ou estaria já na hora de partir? Abanou a cabeça. Não. Não podia continuar ali eternamente à espera da donzela.

Havia limites para tudo.

Encheu os pulmões e respirou fundo.

"Paciência!"

Voltou as costas à rua de onde Amélia habitualmente emergia e começou a caminhar, primeiro devagar e espreitando de quando em vez para trás, na tenaz esperança de a ver aparecer no derradeiro instante, como acontecia nas fitas americanas; mas depois, quando a esquina do habitual encontro se perdeu para trás dele, o passo lento tornou-se rápido, transformou-se em corrida, ia agora empenhado em chegar a tempo ao liceu antes ainda do segundo toque.

Passou os intervalos a tentar vislumbrá-la. Fazendo-se distraído, procurou a turma de Amélia e deambulou por entre as colegas, mas dela nem um vestígio. A busca acabou quando as aulas terminaram à tarde, altura em que definitivamente percebeu que Amélia não tinha ido ao liceu. Resignado, concluiu que devia estar doente.

A inquietação, contudo, não o largou. Ficou toda a tarde a matutar no assunto. Depois do lanche na pensão de dona Hortense, fechou-se mo quarto a estudar para um exercício marcado para o dia seguinte, mas o desassossego em relação a Amélia enchia-lhe a mente e nada conseguiu adiantar. Tinha de saber. Deitado na cama, voltou a admitir a hipótese de ir a casa da namorada, mas reconsiderou, e pelos mesmos motivos: dona Beatri* não iria gostar de o ver a bater-lhe a porta.

Contudo, tornava-se evidente que teria de estabelecer qualquer tipo de contacto,; não aguentava a incerteza. Além disso, o seu silêncio poderia, parecer indiferença. É certo que Amélia também permanecera silenciosa e era ela que se encontrava em falta, mas, que diabo, se estava doente também não se lhe poderia exigir muito!! E, se assim era, quem sabe de que tipo de debilidade padeceria a essa hora? Este raciocínio deixou-o ainda mais inquieto.. Sim, que debilidade seria essa? O que teria ela afinal? Seria coisa grave?

Num

impulso,"

saiiu

da

pensão

e

foi

à

praça;

conhecia

uma

lojinha

de

esquina

que

lhe

resolveria

o

problema.

fingiu-se

ao

local

e

entrou

no

estabelecimento.

Sobre

a

porta

da

entrada

anunciava-se a Flornsta Alegre e lá dentro flutuavam fragrâncias deliciosas.

"Queria enviar um ramo de flores a uma pessoa", pediu a senhora que se encomtrava ao balcão.

A senhora, presumivelmente a dona da loja, fez um gesto em redor, exibindo a riqueza exuberante de pétalas coloridas que os rodeava.

"Tem em mente alguma coisa?"

Luís avaliou a panóplia de flores e coçou o queixo, indeciso.

"Não sei... queria uma coisa bonita."

"É para alguma ocasião especial?"

"É para uma pessoa que está doente."

"Ah!", exclamou ela, iluminando os olhos. Girou o rosto pela loja, como se procurasse alguma coisa, até que fixou a sua atenção num vaso. "Nesse caso sugiro salva."

Extraiu do vaso um ramo cheio de verde, com as pétalas dobradas como sinos, e exibiu-o ao freguês. Luís avaliou o ramo, um traço de cepticismo a curvar-lhe a boca.

"Salva? Porquê? Não me parece lá muito bonita..."

A florista acariciou o ramo.

"A salva significa 'saúde. Era uma planta medicinal no mundo antigo e servia para salvar as pessoas. Daí que os romanos lhe chamassem salvia, do latim salvare, ou salvar." Sorriu. "Salva, de salvar."

"Estou a ver", disse Luís. "Mas receio que a pessoa em causa não saiba nada disso."

A mulher sorriu.

"Razão pela qual lhe expliquei o significado desta planta. O senhor poderá agora dar esta explicação à pessoa que está doente e ela entenderá o seu gesto."

Era bem visto.

"Tem razão", assentiu ele. "Bote então aí um raminho."

"Quer levar ao natural ou tudo embrulhadinho?"

"Na verdade, não o quero levar. Vocês não fazem entrega ao domicílio?"

"Isso não fazemos." Fez um sinal na direcção da porta da rua. "Mas a mercearia aqui ao lado tem um rapaz que faz entregas. Se o senhor for lá, pode ser que a coisa se arranje."

Luís pagou e saiu com a planta nas mãos, o ramo enfeitado por um lacinho branco e corde-rosa que a florista atara aos pés. Foi à mercearia do lado, perguntou pelo rapaz, combinou o serviço e disse-lhe que pagaria logo que o ramo fosse entregue, ele que desse um salto à pensão da dona Hortense no caminho de regresso.