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"Então e a menina Amélia?" Isto era algo que a vizinha, se as vira de facto partir, deveria pelo menos saber com segurança. "Como lhe pareceu ela?"

"Chorosa, tadinha!"

"A senhora viu-a mesmo?"

"Hom'essa, atão não vi? Co'estes meus olhinhos qua terra há-de comer!"

"E então?"

A vizinha fez um ar compadecido e passou os dedos gordos pelo bigode que lhe nascia sobre os cantos da boca.

"Dava dó, tadinha! Via-se mesmo que não queria ir. Mas já sabe como é a dona Beatriz, não sabe? Deve-lhe ter dado umas orelhadas, depois arrastou-a p'r'ó carro e ala!, foram-se embora!"

"Ah, foram de carro?"

"Foram, pois atão. Veio aí uma máquina preta buscá-las e lá foram elas e o macaquinho."

"Qual macaquinho?"

"O tosco, o Chico." Abanou a cabeça e suspirou, em comiseração. "Tadinha da menina Amelinha!"

Tornara-se claro que a vizinha tinha mais boatos fantasiosos para espalhar do que informações credíveis para oferecer, mas a conversa serviu para lembrar a Luís que havia um sítio onde o paradeiro de Amélia não poderia ser desconhecido. Consultou o relógio e praguejou, frustrado. Já era tarde, a loja devia estar fechada a essa hora e só lá poderia ir no dia seguinte.

Regressou cabisbaixo à pensão e foi imediatamente fechar-se no quarto. Para pasmo e consternação de dona Hortense, anunciou que não queria jantar nessa noite.

"Tenho ponto amanhã", foi tudo o que a dona da pensão arrancou dele depois de muita insistência.

Apenas engoliu uma pêra na manhã seguinte, quando saiu para as aulas. Ainda passou pelo habitual ponto de encontro com Amélia e esperou algumas dezenas de minutos, rezando para que a namorada aparecesse como de costume e assim desfizesse o pesadelo em que parecia ter mergulhado nos dois últimos dias.

Mas Amélia não apareceu.

Decidiu, por isso, faltar às primeiras aulas do dia. Em vez de seguir para o liceu, dirigiu-se ao Largo do Principal em busca do local onde sabia que o paradeiro de Amélia teria forçosamente de ser conhecido.

A Casa Rodrigues era um estabelecimento respeitável situado em pleno centro de Bragança.

Parou do outro lado da rua e contemplou a fachada do estabelecimento. A vitrina exibia tecidos variados, todos enrolados como grandes cigarros e encostados uns aos outros, à excepção de uma espécie de lençol escarlate que decorava um dos cantos.

Respirou fundo e, pela primeira vez, entrou na loja. O interior revelou-se escuro e poeirento, como o de uma caverna; no ar denso flutuava um ligeiro aroma a naftalina e a cânfora, e uma mulher de meia-idade arrumava tecidos por detrás do balcão, o cabelo grisalho apanhado num carrapito arredondado.

"Bom dia", cumprimentou Luís, aproximando-se do balcão. "A dona Beatriz está?"

A mulher parou as arrumações e olhou-o, desconfiada; não era comum ver um homem entrar na loja.

"A patroa não se encontra. Posso ajudá-lo?"

"Precisava de saber onde está a dona Beatriz. Tenho um assunto de muita urgência e delicadeza para tratar com ela. Porventura sabe onde a poderei localizar?"

A empregada franziu o sobrolho, sem saber o que pensar daqueles modos tão finos.

"A patroa foi de viagem."

"Terá a amabilidade de me dizer para onde?"

"Ah, isso eu cá não sei."

"Sabe por gentileza informar-me de quando ela volta?"

A mulher encolheu os ombros.

"Também não sei."

Luís cerrou as sobrancelhas, admirado com tanta ignorância, e decidiu abandonar as finuras de linguagem que não o estavam a levar a lado nenhum.

"Não sabe como? Esta loja não é dela?"

"É pois, mas eu não sei da vida da patroa."

O rapaz suspirou.

"Oiça, eu tenho muita urgência em falar com a dona Beatriz. O que posso fazer para chegar a ela?"

A senhora tirou um livro de uma gaveta e pousou-o sobre o balcão; era uma agenda com 1930 debruado a ouro na capa negra. A empregada abriu a agenda e folheou-a com rapidez.

"Ora bem, a patroa disse que vem cá tratar da contabilidade", observou, imobilizando os dedos numa página. "Isso está marcado para... para sexta-feira."

"Qual sexta-feira? Esta?"

"Sim", confirmou a empregada, fechando a agenda e fitan-do-o. "Daqui a três dias. Só se quiser vir cá nessa altura."

Apareceu no liceu com olheiras profundas a ensombrarem-lhe os olhos mortiços. Arrastou-se para a sala e foi a custo que completou o exercício de Geografia marcado para o final da manhã.

Saiu da sala sem saber se a prova lhe tinha corrido bem ou mal. Nem isso lhe interessava; a mente voara-lhe para bem longe dali.

Com o ponto já fora do caminho, consultou a cábula que havia guardado num caderno com o horário escolar de Amélia e dirigiu-se à sala onde ela supostamente se encontraria.

"A Amélia?", perguntou logo que viu uma colega da namorada. "Que é feito dela?"

A rapariga encarou-o, surpreendida primeiro e embaraçada a seguir.

"Então não sabes? Ela não te disse?"

"Disse o quê?"

A colega de Amélia contraiu o rosto, estranhando tanta ignorância da parte de quem tudo deveria saber.

"Vocês zangaram-se ou quê?"

"Claro que não nos zangámos. Porque perguntas isso?"

"Então como é que não sabes dela?"

Luís suspirou. Era uma boa pergunta, tão boa que ele próprio já a fizera inúmeras vezes.

"Não faço a mínima ideia", disse. "Despedimo-nos no sábado e estava tudo normal. Só que ontem já não a vi e não tenho notícias dela. Parece que se sumiu!"

A rapariga deu-lhe o benefício da dúvida.

"Ai sumiu, sumiu!", exclamou. "E de que maneira!"

"Então?"

"A Amélia mudou de escola."

"Foi para onde?"

"Sei lá!"

"Mas como sabes que ela mudou de escola? A Amélia veio cá? Foi ela que te disse?"

"Bem... não. Essa história começou a correr por aí e toda a gente percebeu que era verdade quando a professora de Português disse ontem de manhã que a Amélia já cá não andava e mandou ocupar a carteira dela." Esboçou uma expressão pensativa. "A bem dizer, a última vez que a vi também foi no sábado."

"Então ela desapareceu assim, de um dia para o outro, sem dizer nada a ninguém?"

A colega de Amélia ficou especada a olhar para ele, como se nunca lhe tivesse ocorrido pôr as coisas daquela maneira.

"Pois, foi isso mesmo o que aconteceu", acabou por concordar. "A Amélia desapareceu!"

XV

Os três dias de espera revelaram-se incrivelmente penosos. Luís mal conseguiu pregar olho durante todo esse tempo e arrastava-se com tristeza de um lado para o outro, como se carregasse às costas um fardo de espinhos. Como era possível que Amélia se tivesse ido embora sem nada dizer?

Nem um aviso, nem uma palavra, nem um recado. Sumira-se e era tudo.

Como sempre acontecia quando ficava ansioso, perdeu totalmente o apetite. Andou dois dias em que quase não tocou na comida; petiscava e nada mais. A situação chegou a tal ponto que dona Hortense não pôde conter o enervamento.

"Mas o que se passa, menino?", perguntou ao jantar de quinta-feira, já exasperada. "É a feijoada que não lhe agrada? E o vinhinho que não está bom?"

"Não, dona Hortense", disse ele, que apenas comera a sopa e recusara o prato principal. "Não tenho fome."

"Prefere que a Graciete lhe prepare um bifinho?"

"Não vale a pena", repetiu Luís.

11

"E uma omeleta? Vai uma omeletinha, vai?"

"Não tenho fome."

"Não tenho fome, não tenho fome", repetiu ela com uma careta, balouçando a cabeça e caricaturando-lhe o tom e a voz. "Mas afinal o que tem o menino?"