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Luís agarrou o malão e teve dificuldades em erguê-lo, de tão pesado que estava.

"Argh", gemeu, o rosto ruborescendo como um pimentão, o corpo a inclinar-se para o outro lado numa tentativa de contrabalançar aquele peso. "'Chiça, o que trás aqui? Chumbo?"

"São as minhas coisinhas", devolveu a tia Maria com indiferença. Era daquelas mulheres que achavam que os homens tinham sido feitos para carregar as tralhas das senhoras. "Onde vamos?"

"Ali!", apontou ele, indicando um automóvel estacionado ao pé da estação.

A tia observou a viatura e ergueu o sobrolho, intrigada.

"Olha lá, Luís. Tu agora tens uma carripana?"

O sobrinho bufava como uma máquina a vapor, esforçan-do-se por carregar a bagagem até ao automóvel.

"Não é minha", conseguiu dizer por entre duas arfadas valentes. "É do exército."

"Ai Jesus! Não me digas que traz uns canhões lá dentro!"

"Não tia." Mais um esforço. "É uma viatura de serviço." Estava quase a chegar. "Venha."

O malão era realmente pesado, mas o oficial miliciano lá conseguiu arrastá-lo até junto do automóvel e, depois de mais um esforço titânico, atirou-o para a bagageira.

"Ufa!", soprou, aliviado, o coração aos saltos e o peito ofegante. "A tia dá cabo de mim!"

"Não vejo porquê. O caseiro carregou-me a mala até à estação sem dificuldade nenhuma."

"Mas eu não sou o caseiro." Indicou o malão. "Para que trouxe tanta coisa? A tia só cá vai ficar três dias..."

"Não interessa. Uma senhora tem de andar sempre apresentável, sobretudo numa ocasião destas.

O que iriam dizer os teus sogros se me vissem toda escanzelada? Lá vem esta pingúrria, é o que diriam! Lá vem a tia da parvónia! Ainda me chamavam benairo!" Abanou a cabeça com ênfase.

"Não, nessas figuras não me apanham! Vou aparecer toda pimpona e fazer um vistaço, vais ver!"

Luís ajudou a tia Maria a instalar-se no automóvel e assumiu o lugar do condutor.

"Ninguém se preocupa com os trapos."

"A certa!", exclamou ela. "Os teus sogros haveriam de comentar, o que pensas tu?"

"Eu não vou ter sogros, tia", disse ele, ligando o motor. "A Joana é órfã."

"Lamento ouvir isso. Mas há-de ter família, não é verdade?"

"Com certeza. Tem dois irmãos e tem o padrinho, com quem vive há alguns anos."

"Gente distinta, sem dúvida."

O carro arrancou, subindo a estrada em direcção à cidade.

"Suponho que sim. O padrinho é juiz."

"Ah, então ainda é menina para receber uma herdança jeitosa! E os irmãos?"

"Vamos conhecê-los hoje. Fomos convidados para jantar em casa do capitão Branco, que é o meu chefe no quartel. Ele prometeu-me um repasto opíparo."

"Acho bem. Eu até nem sou gulaimas, como bem sabes, mas venho com uma galgueira que só visto."

Deixou a tia Maria na Pensão Morais e, enquanto ela descansava e se preparava para o jantar, deu um salto à lavandaria do quartel para ir buscar a farda de gala que o capitão Branco lhe emprestara para o casamento. A farda vinha aprumadinha e guardou-a no quarto, onde essa noite dormiria pela última vez. O compartimento estava já quase nu; havia apenas uma mala de roupa pousada sobre a cama. Pegou na mala e voltou a sair; tinha ainda uns pormenores para tratar.

Foi até à Praça Municipal e estacionou junto ao Café da Sociedade. Levou a mala pela Avenida Sacadura Cabral e meteu num edifício à esquerda, onde subiu até ao primeiro andar. Cruzou a porta e assomou ao apartamento que havia alugado; seria ali que iria viver com Joana. O apartamento já se encontrava parcialmente mobilado e Luís abriu a mala e guardou as roupas nas gavetas e no guarda-fatos.

Depois desceu até ao Café da Sociedade e entrou para encomendar umas doçuras. Decidiu-se pela especialidade da terra.

"Um pão-de-ló, se faz favor."

Com o embrulho na mão, atravessou a praça a pé e foi até à Foto Anthony, numa ruela diante do Colégio do Carmo, encomendar o serviço de um fotógrafo para a cerimónia.

"O senhor capitão Branco já veio falar comigo", revelou--lhe o senhor António Guimarães, dono do estabelecimento. "Eu próprio lá estarei para tirar os clichés."

"Bom, o senhor não precisa de se incomodar, pode mandar um funcionário..."

O homem pareceu empertigar-se.

"Tratando-se do matrimónio de uma senhora familiar do senhor capitão Mário Branco, eu próprio lá estarei!", declarou ele com grande convicção. "Não faltava mais nada."

Quando Luís terminou as suas voltas eram já seis e meia da tarde. Tinha combinado às sete em casa do capitão, pelo que seguiu direito para a Pensão Morais.

A tia aguardava-o numa cadeira, junto à recepção. Vinha com um grande vestido amarelo-claro e branco, cheio de rendilhados, e exalava um aroma perfumado.

"Ena, tia! Está muito jeitosa!"

Ela ergueu-se e sorriu, virando a cabeça para baixo para admirar o vestido.

"Estou, não estou? Venho toda adengada, ora venho?"

"Adengadíssima! Está muito chie, sim senhora!"

"De mim, ninguém dirá que sou uma pingúrria, ou eu não me chame Maria Afonso!"

"Ah, claro que não. Se houver por aqui algum solteirão de jeito, acho até que lhe vai fazer o sete..."

A tia deu com a língua um estalido desagradado.

"Vá, juizinho! Deixa-te de boldreguices! Vamos mas é andando! Marche!"

Levou-a até ao automóvel e desfilaram pela Avenida Sacadura Cabral. Penafiel era uma cidade pequena, quase exclusivamente erguida ao longo dessa artéria; bastava percorrê-la para chegar a qualquer parte, tudo girava em torno do eixo central. Depois de passarem pela Praça do Município viraram à direita e subiram em direcção ao ponto mais alto da povoação.

"A tua moça vai lá estar?", perguntou a tia, os olhos perdidos nas fachadas que emparedavam a rua.

"Quem? A Joana? Não. Anda ocupada com o enxoval. A tia só a vai ver amanhã, na igreja."

Um edifício enorme, com torres e cúpulas vistosas, erguia--se da verdura de um parque bem arranjado e coroava o monte como um castelo. Seguindo as instruções que o capitão previamente lhe dera, Luís estacionou logo ali. Saíram do carro e começaram a procurar o número da porta, mas dona Maria não tirava os olhos da fortaleza.

"O que é aquilo?"

"É o Sameiro."

"Sim, mas para que serve?"

"É uma igreja, tia."

A transmontana estacou para apreciar o edifício.

"A sério? Olha que não parece nada uma igreja."

"É porque tem traça francesa. O Sameiro foi construído à maneira do Sacré-Coeur de Paris."

"De Paris? Ena, isto é chie a valer. Vais casar ali?"

"Não, vai ser noutra igreja."

"Também francesa?"

O sobrinho riu-se.

"Não. É a Igreja Matriz. Coisa antiga."

"Se queres que te diga, acho bem. Como diz o Toninho, há que defender o que é nosso. Os Franceses que fiquem lá com as suas igrejas, que nós já cá temos as nossas, bem bonitas, por sinal.

Não precisamos de andar a imitar os outros. As nossas igrejas são locais de culto, sítios de devoção, santuários de fé." Indicou o Sameiro com o polegar. "Não são castelos como este... este... sei lá como se chama isto. Onde é que já se viu uma igreja assim, valha-me Deus? Parece um quartel--

general!"

Alheio ao solilóquio da tia, Luís tirou do bolso o papel que o capitão lhe dera com a anotação da morada e foi espreitando o número das portas, à procura da casa da família Branco.

"É aqui!", exclamou.

Parou diante de uma fachada estreita de três pisos e tocou à campainha. Ouviu o trrrrrrrrrim do outro lado e escutou o som de passos a aproximarem-se.