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"Luís!", chamou a mulher. "Deixa-me apresentar-te o meu irmão."

Quase contrariado, o marido aproximou-se.

"Já o conheço", disse, estendendo o braço ao rapaz. "Então, Chico?"

"Olá."

Apertaram as mãos e Francisco virou a cara, fitando o rio lá em baixo.

"Sempre salamurdo, hem? Falar não é contigo..."

O cunhado não respondeu. Luís mirou-o com atenção e estudou-lhe as linhas goriláceas do rosto, tentando decidir se o rapaz era calado ou imbecil. Inclinou-se para a imbecilidade.

"Anda, vou mostrar-te a casa", disse Joana, puxando-o pelo braço.

Afastaram-se ambos em direcção à casa de pedra. Tratava-se de um edifício de campo, de aspecto rústico e frio, decerto desaconselhável para o Inverno. Com a chegada do tempo mais ameno, porém, constituía uma interessante fuga da rotina em Penafiel.

"O que está o gajo aqui a fazer?", perguntou Luís quando ficaram a sós.

"Quem? O Chico?"

"Sim. Não pôs os pés no nosso casamento mas vejo-o agora aqui. Vamos ter de o aturar?"

Joana respirou fundo.

"Ele é um pouco... como direi? Um pouco..."

"Abrutalhado?"

"... especial."

"Especial em quê?"

"Enfim, tem um feitio muito seu, não se dá com as pessoas. A minha mãe gostava dele, apesar de ser um rapaz pouco sociável. Mas tem muita força física, sabes? Além disso, era-lhe fiel. Fiel como um cão, estás a ver o género?"

"Pois, isso percebi eu."

Joana franziu o sobrolho.

"Já o conhecias?"

"Quer dizer... vi-o em casa da tua irmã, só isso. O que está ele agora aqui a fazer?"

"O Chico vive nas propriedades da Amélia... ou melhor, do Mário. Gosta da vida rude do campo e de trabalhos pesados. Como a minha irmã o acolheu, transferiu para ela aquela fidelidade canina que tinha em relação à minha mãe." Olhou para o marido. "Mas porquê?

Isso incomoda-te?"

"Não, não é isso. Acho-o é um pouco estranho, percebes? Deixa-me assim meio inquieto, não sei bem explicar."

"Porquê? É por falar pouco?"

Luís encolheu os ombros.

"Sei lá", disse. "Nem interessa."

A mão esquerda de Francisco agarrou a galinha pelo pescoço e com a direita o rapaz torceu-lhe a cabeça e matou-a. Luís estava sentado nos degraus e observou a cena com desconforto. Aquele bruto matava um animal com a mesma indiferença com que bebia um copo de água.

"Venha daí", disse uma voz. "Vou mostrar-lhe a propriedade."

Era o capitão Branco, que, igualmente incomodado com os modos embrutecidos do cunhado, o veio puxar para um passeio para conhecer a Quinta de Pousada. Meteram ambos pelas vinhas e desceram os socalcos da encosta até chegarem junto de um homem de pele gasta e trigueira que se encontrava acocorado a inspeccionar as uvas.

"Então, Tino? Como vai isso?"

O homem ergueu-se, surpreendido, e limpou as mãos às calças.

"Oh, senhor capitão! Não sabia que vossa senhoria cá vinha hoje."

"É a Primavera", disse o proprietário, apontando para a luz que jorrava da abertura azul entre os flocos brancos de nuvens. "O Sol põe-se a espreitar e eu cá estou."

"Bons olhos o vejam, senhor capitão. O tempo está a ficar melhorzinho, graças a Deus."

O capitão olhou para o seu convidado, que vinha atrás.

"Este é o nosso caseiro, o Constantino Latino", apresentou-o a Luís. "Chamamos-lhe Tino."

Virou o rosto para o homem e piscou-lhe o olho. "Mas não sei se você tem muito tino."

O caseiro soltou uma risada gutural, exibindo uma dentadura esburacada e apodrecida.

"Faz-se o que se pode, senhor capitão. A minha patroa bem se queixa do meu juízo."

O proprietário apontou para as vinhas.

"Então e as uvas? Vamos ter uma boa vindima este ano?"

"Se Deus quiser, senhor capitão. A chuva foi boa. Queira Deus que o sol ajude agora."

Luís acocorou-se para espreitar as uvas.

"São vermelhas", constatou, passando os dedos por um cacho escondido pelas folhas verde-esmeraldas. "Vocês fazem tinto, é?"

"O melhor de Castelo de Paiva."

"Lá está o meu capitão a exagerar...", sorriu o alferes veterinário.

Mário Branco fez um sinal ao caseiro.

"Se bem o conheço, Tino, você não larga a pinga. Tem aí alguma coisa para mostrar aqui ao nosso alferes, que pelos vistos desconfia das minhas palavras?"

O caseiro retirou um copo e duas garrafas de um cesto pousado junto a um pé de vinha.

"Está aqui, senhor capitão."

O proprietário despejou um dedo de tinto no copo e estendeu-o ao convidado.

"Ora experimente."

Luís pegou no copo e saboreou o vinho.

"Agh!", gemeu involuntariamente, sentindo os pelos eriçarem-se-lhe e a pele arrepiar-se.

"Brrr..."

O capitão e o caseiro riram-se.

"Então? Não gostou?"

"Confesso que não", admitiu Luís. Depois da careta que fizera, não era possível esconder a verdade. "É... sei lá, um pouco azedo."

"É raspado", corrigiu o capitão.

"Sei lá o que é. Mas, se isto é o melhor da região..."

"E porque você não está habituado a estes néctares." Arrancou o copo da mão de Luís e engoliu o que restava. "Aaah!" Depois de o esvaziar, ergueu a garrafa e admirou o líquido escuro que bailava no interior. "Para quem gosta de tinto verde, este é de excelente qualidade." Agarrou na outra garrafa, despejou uns golos e voltou a estender o copo ao convidado. "Agora experimente este."

Com ar desconfiado, Luís estudou o líquido amarelo-esver-deado que balouçava no copo e, quase a medo, experimentou um trago. Era totalmente diferente; tinha um paladar fino, melífluo, e deslizava suavemente pela língua.

"Hmm, é bom!"

"E verde branco", disse o capitão, apontando para o outro lado da encosta. "É feito com aquelas uvas ali. Apanham muito sol e ficam adocicadas. Dão este vinho magnífico."

"É tudo produzido aqui na quinta?"

"Sim. Aqui o Tino e a família, mais o Chico, fazem a vindima, pisam a fruta, colocam tudo nuns lagares que temos para ali e depois metem o vinho em pipas. E um trabalho dos diabos. As uvas que sobram são vendidas à Quinta da Aveleda."

Sentiram movimento atrás e viram Amélia a aproximar-se.

"Meninos!", chamou. "O almoço está na mesa."

Vinha radiosa, com o cabelo a brilhar ao sol e as faces coradas. Ao vê-la assim, tão bela e apetitosa, Luís sentiu inesperadamente a volúpia despertar dentro de si. Já não era apenas a paixão platónica da juventude que o atraía, embora ainda endeusasse a primeira namorada como se ela fosse um anjo; mas agora alimentava-o também o desejo mais visceral e lascivo da carne. Amélia não era apenas a deusa idealizada da adolescência; a seus olhos tornara-se uma fêmea carnal.

Vendo-a ali no meio das vinhas, tomou consciência nesse instante de que já possuíra muitas mulheres na sua vida, mas nunca aquela que verdadeiramente amava. A constatação deixou-o assombrado. Como era possível que nunca tivesse amado aquela que verdadeiramente amava? E

como poderia viver tranquilo quando a via tão perto e a sabia tão definitivamente para além do seu alcance?

"Viver é sofrer", murmurou, ecoando uma velha frase dos tempos da faculdade.

"Como?", perguntou Mário Branco, que caminhava já em direcção ao casarão.

Luís fez um gesto largo e melancólico que abarcou a quinta.

"Não há dúvida que o meu capitão é um homem de sorte", disse, desviando o pensamento. "Sabe porventura o que tem aqui?"

"O quê?"

"O paraíso."

E os seus olhos pousaram em Amélia.