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Era como se o corpo tivesse tomado conta da mente. Amava-a, sem dúvida. Amava-a com uma força redobrada, amava-a ainda mais do que nos dias em que com ela passeava a caminho do liceu de Bragança. Mas agora havia algo mais. Queria-a. Desejava-a acima de tudo e sentia que o desejo era recíproco.

Naquele instante, todavia, duvidou. Talvez estivesse a confundir as coisas; talvez a fome o fizesse alucinar. Talvez o desejo por ela lhe fizesse ver nela um desejo que se calhar ela não tinha.

"Ajudas-me a fazer as camas?"

A pergunta foi feita em tom casual, mas teve um efeito eléctrico em Luís. Nunca Amélia lhe tinha pedido que a ajudasse a fazer a lida da casa. Mas pedira agora. Era como um convite implícito a passarem juntos aqueles momentos em que os outros se tinham ausentado. Tão depressa suspeitou do pedido como logo abanou a cabeça. Que disparate, concluiu de imediato. Lá estava ele a ver o que não existia. Amélia precisava de ajuda porque não tinha a irmã ali e deixara a empregada em Penafiel. Tão simples quanto isso.

"Não ajudas?", admirou-se ela ao vê-lo a abanar a cabeça.

"Claro que ajudo", prontificou-se Luís, levantando-se da mesa da copa. "Começamos por qual?"

"Pela minha."

Amélia certificou-se de que a bebé dormia no berço e levou-o pelo corredor até ao quarto principal da casa. Entraram no compartimento e Luís viu a cama de casal desfeita. Amélia inclinou-se, pegou nos lençóis que estavam aos pés da cama e puxou-os para a frente, esticando-os sobre o colchão. Luís ajudou-a a alisar os lençóis e acompanhou-a no mesmo movimento até aos pés da cama para apanhar o cobertor.

Esticaram a manta e ficaram os dois pendentes para a frente, um de um lado da cama e o outro do outro, as cabeças convergindo até quase se tocarem. Luís cheirou-lhe o aroma a lavanda e sentiu a frescura suave dos lençóis a deslizar-lhe pelos dedos. Sem perceber como, constatou que as calças já mal lhe disfarçavam a erecção. Pararam o movimento, os cabelos muito próximos, cada um sentindo a respiração do outro. Luís ergueu a cabeça e viu-a a olhar para ele com aqueles grandes olhos de caramelo muito abertos. O peito inchava-lhe e desinchava-lhe, como se ela estivesse ofegante.

Permaneceram dois longos segundos assim paralisados, os olhos de um mergulhados nos do outro, os lábios abrindo-se devagar como pétalas molhadas ao sol, os corações a palpitar e palpitar e palpitar. Luís experimentou uma leve tontura e sentiu o controlo fugir-lhe e o instinto apossar-se dele.

"Hmmmm."

Caíram um sobre o outro com um gemido e colaram os lábios quentes e trémulos. Começaram devagar, quase delicadamente, a medo até, mas logo as bocas impacientes se puseram a devorar, sôfregas, as línguas húmidas deglutindo-se com voracidade, as mãos sedentas a agarrar a carne do outro, o calor a crescer e a transformar-se em ardor e depois em brasa, os corpos tão quentes e tão esfaimados e tão gulosos que se desnudaram às cegas, quase rasgando as roupas em gestos bruscos e impacientes, tão agitados e desesperados que se lamberam sem parar enquanto apalpavam e sentiam e despiam.

Num acesso de consciência, Amélia voltou-se para a porta e trancou-a. Depois encostou-se à madeira e olhou-o, afogueada e selvagem. O momento de controlo racional foi efémero, pois o corpo logo se tornou uma besta entregue aos sentidos. Incapaz de se conter mais, agarrou-se a ele e perdeu-se naquele corpo de homem. Lambeu-o na boca, ávida e molhada, como se o quisesse devorar. Luís largou-lhe os lábios e deslizou para os seios, gordos e arrebitados. Apertou os mamilos cor-de-rosa, tão largos que enchiam toda a ponta dos peitos, e abocanhou-os com gula. Ela deixou-o, a cabeça descaída para trás, as madeixas douradas e onduladas a tombarem-lhe no rosto, o corpo derramando-se em prazer, mas depois descolou-se e ajoelhou-se sobre o ventre dele para o saborear também ela.

"Pára!", gemeu ele, sentindo-se à beira do descontrolo. "Pára!"

Amélia parou e olhou-o. Agarrou-o pela cintura e puxou-o para ela, as pernas abrindo-se e enrodilhando-se nele. Os corpos começaram a nadar um no outro, primeiro devagar e depois num ritmo frenético, eléctricos já, ele com força, ela com fome, ambos gemendo ao ritmo do movimento, a cama a martelar a parede, ela sentindo-o a enchê-la, ele sentindo-a a derreter-se. Era como se os dois corpos se tivessem tornado um, ferro duro em lava incandescente, as batidas sincronizadas, o ritmo intensificando-se a cada pancada, sempre mais depressa, mais depressa, depressa, depressa, depressa, depressa.

XVII

A lágrima brotou do canto do olho e escorreu pelo rosto num ziguezague hesitante, aqui apressando-se, ali parando. Amélia passou as costas da mão pela face e espalhou a bátega de remorso pela bochecha corada.

"O que fizemos nós?", soluçou, a voz embargada. "Meu Deus, o que fizemos nós?"

Luís inclinou-se sobre ela e afagou-lhe o cabelo ondulado, tentando reconfortá-la.

"Chiu...", soprou, meigo. "Pronto, pronto."

"E agora? O que será de nós?"

"Nada."

"Nada, como? Tu tens a noção do que fizemos?"

O amante assentiu com a cabeça.

"Fizemos o que nos mandou o coração."

Amélia arregalou os olhos, como se o enunciado do acto fosse ainda mais horrível do que o próprio acto.

"Tu estás doido? Nós... nós cometemos adultério! Meu Deus! Cometemos adultério! Eu

"Chiu..."

"... eu sou uma adúltera. Traí o meu marido!" Fungou. "Pior..."

"Pronto, pronto."

"... do que isso, traí a minha irmã! A minha própria irmã!" Escondeu a cara nas mãos e os soluços tornaram-se quase contínuos. "Como pude eu fazer isto? A minha própria irmã! Meu Deus!

Meu Deus! Que coisa horrível!"

Começou a chorar baixinho e Luís abraçou-a, procurando ajudá-la a controlar-se. Depois beijou-a na testa e nos cabelos e colou-lhe os lábios a uma orelha.

"Tem calma, meu amor", segredou-lhe. "Está tudo bem. Tem calma. Eu estou aqui e não vai acontecer nada."

O choro tornara-se um gemido contínuo, mas Amélia fez um esforço, engoliu em seco, fungou e o gemido parou, transformando-se numa sequência de soluços que com o tempo se foram tornando cada vez mais espaçados.

"E agora?", perguntou logo que assumiu maior controlo de si própria. "O que fazemos? O que vai ser de nós?"

"Nada, meu amor. Nós não fizemos nada de grave."

"Nós cometemos adultério, Luís!", repetiu ela, obcecada com a ideia. "Eu traí o meu marido e a minha irmã! O que pode haver de mais grave que isso?"

Luís pousou-lhe o indicador nos lábios, como se a mandasse calar.

"Chiu... nós não traímos ninguém."

"Traímos, sim. É horrível!"

"Nós não traímos. Nós fomos traídos, o que é bem diferente. Nós fomos traídos pela tua mãe quando ela te forçou a casar com o... com o teu marido. Ela é que nos traiu, entendeste?"

Amélia fez que sim com a cabeça, mas nada disse.

"O amor que nos juntou hoje é o amor que nos alimenta há anos. Eu estou apaixonado por ti e tu estás apaixonada por mim. Não há nada que possamos fazer, é mais forte do que nós. Qual é o crime que duas pessoas apaixonadas cometem quando se amam? Nenhum. A traição não foi cometida por nós, foi cometida sobre nós. Tu não devias estar casada com o teu marido, eu não devia estar casado com a tua irmã. Nós devíamos era estar casados um com o outro, entendes? Se a tua mãe não se tivesse metido onde não era chamada, seria isso o que acabaria por acontecer. Nós casar-nos-íamos."

"Mas não casámos, Luís. Nós estamos casados com outras pessoas e agora nada pode mudar isso."