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"Mas o meu comandante acha mesmo que os Espanhóis nos querem invadir? Não lhe parece que isso é um bocado conversa do... enfim, do regime?"

Silvério esboçou um gesto de impaciência.

"O alferes, não seja ingénuo! Então não sabe que a estratégia dos bolchevistas passa pela internacionalização do comunismo?"

"Mas quais bolchevistas, meu comandante?", insistiu Luís. "É verdade que a república tem comunistas, mas também tem socialistas, libertários e anarquistas."

"E então?"

"Bem, que eu saiba os socialistas, os libertários e os anarquistas não são bolchevistas."

"Não lêem Marx?"

"Sim, é verdade..."

"Então são marxistas! Socialistas, comunistas, anarquistas, libertários, sindicalistas... são tudo designações diferentes para

a mesma coisa! O que eles querem é subverter a ordem social, ou tem dúvidas?"

O alferes veterinário sentiu que não poderia ir longe de mais. Já questionar a ameaça do reviralho e a imagem que o regime dava dos republicanos espanhóis fora uma temeridade.

"Não, claro que não."

"Podem usar nomes diferentes, mas no fundo são todos comunistas." Ergueu o dedo indicador.

"E, se os comunistas assumiram o poder em Espanha, pode ter a certeza de que foram incumbidos por Estaline de o expandir. Eles querem repúblicas soviéticas por toda a parte. Olhe para a China!

Não sabe que os comunistas decretaram para lá a República Soviética de Jiangxi? A Espanha é a próxima peça do dominó. E agora diga-me lá: para onde é que a Espanha pode expandir o comunismo, hã? Para a França? Para o mar?" Abanou a cabeça, veemente. "Não!" Apontou para o chão com um movimento enérgico. "Para aqui! Para Portugal! Eles querem criar a União das Repúblicas Socialistas Ibéricas!"

Luís calou-se, intimidado com o tom peremptório do comandante. Mas o capitão Branco, mais à vontade e com outro estatuto, não hesitou em contra-argumentar.

"A Inglaterra nunca o permitiria, meu comandante", disse. "A nossa aliança com os Ingleses é a garantia de que os vermelhos espanhóis não se atreverão a incomodar-nos."

"Não vejo porquê."

"Porque os Ingleses, sendo nossos aliados, não vão deixar."

"Isso não é um obstáculo intransponível para os Espanhóis."

"Desculpe, meu comandante, não sei se será bem assim."

"Ai não? Então como será?"

A pergunta atrapalhou o capitão. A aliança com Inglaterra era um assunto elementar, sobretudo para um oficial do

exército, uma vez que se tratava de matéria abordada na Escola do Exército.

"Bem... tem a ver com os nossos posicionamentos estratégicos", disse, como se expusesse uma evidência. "Como o meu comandante muito bem sabe, a independência de Portugal assenta na ideia de que o país tem de viver de costas voltadas para a Espanha e de rosto virado para o mar. E o que está no mar? A Inglaterra. Os Ingleses ajudam-nos porque não querem uma Península Ibérica unida, seria uma ameaça demasiado grande. Nós ajudamo-los porque queremos continuar independentes.

Não vejo como possam os Espanhóis quebrar esta aliança."

O coronel Silvério deitou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada.

"O coronel, você está a ensinar o pai-nosso ao vigário?", perguntou. "Eu sei isso muito bem e os Espanhóis também sabem. E evidente que a nossa aliança com a Inglaterra resulta de uma convergência de interesses. Esses interesses mantêm-se."

"Então o meu comandante está a dar-me razão."

"No que diz respeito às vontades de Portugal e de Inglaterra, sim. O problema é que há interesses que colidem com os nossos e esses interesses estão a desenvolver um plano muito subtil contra nós."

"Está a falar de quê?"

"Estou a falar de Moscovo e de Madrid. A ideia dos bolchevistas é, primeiro, instalarem comunistas em Portugal e só depois criarem a grande Ibéria vermelha. Com um governo comunista português a aceitar a integração do país numa federação de Repúblicas Socialistas Ibéricas, os Ingleses nada poderão fazer."

"O meu comandante acha que é para aí que as coisas apontam?"

"Como é evidente", confirmou Silvério. "Mas nós vamos jogar na antecipação."

"O que quer dizer com isso?", admirou-se o capitão. "O que podemos fazer?"

"Podemos ajudar o exército espanhol, caro capitão."

Mário Branco arregalou os olhos, alarmado.

"Ajudar o... o exército espanhol, meu comandante? Mas nós vamos meter-nos nessa guerra?"

O coronel Silvério riu-se com gosto.

"Não no sentido em que está a pensar, capitão", exclamou com ar bem disposto. Recostou-se no sofá, um sorriso a bailar-lhe nos lábios. "Vamos ajudar o exército espanhol a derrotar os comunistas de Madrid, mas vamos fazê-lo em segredo."

"E podemos, meu comandante?"

"Se o vamos fazer, é porque podemos, não acha?"

"A minha dúvida refere-se às questões legais", explicou o capitão. "Uma ajuda ao exército espanhol não vai contra o Acordo de Não-Intervenção?"

O oficial referia-se ao plano proposto pela França de nenhum país ajudar qualquer das partes em conflito em Espanha. A ideia foi inicialmente aprovada por um conjunto de países, incluindo a Grã-

Bretanha e os Estados Unidos, mais três outros que aderiram com relutância, a União Soviética, a Alemanha e a Itália. Pressionado pelo consenso alargado, Portugal deu o acordo de princípio, mas foi atrasando a formalização dessa posição.

"Que eu saiba, ainda não assinámos o acordo."

"Mas diz-se que vamos assinar, meu comandante", observou o capitão, bem informado por O

Comércio do Porto.

"Oh, diz-se tanta coisa! Os Russos também assinaram o plano e é só vê-los a enviarem armas para os comunistas

espanhóis. Os Alemães e os Italianos também assinaram o acordo e já estão a ajudar o exército espanhol."

"Mas o que vão dizer os Ingleses quando perceberem que nós estamos a violar o acordo?"

"Não dizem nada! Foram eles quem teve a ideia deste esquema todo!"

"Não estou a entender, meu coronel. Se os Ingleses apoiam o Acordo de Não-Intervenção, é evidente que o vão fazer respeitar e que..."

O comandante ergueu a mão para o travar.

"Os Ingleses não vão fazer nada", interrompeu-o. "Eles estão assustados com a confusão que vai em Espanha, uma vez que os seus interesses se encontram seriamente ameaçados. E sabe de onde vem a principal ameaça? Dos comunistas e dos anarquistas. Vocês acham que os bifes gostam destas frentes populares que aparecem para aí como cogumelos a anunciar revoluções sociais? E

pensam que eles têm algum interesse em ver aparecer na Europa ocidental uma União das Repúblicas Socialistas Ibéricas? Claro que não! Se fosse criada aqui uma União Socialista Ibérica, isso poderia contaminar toda esta parte do continente. Já basta a que existe na Rússia!"

"Mas, se é assim, por que razão não ajudam os Ingleses directamente o exército espanhol?"

"E muito complicado. O problema dos bifes é que estão atados por uma catrefada de compromissos internacionais e pela simpatia de parte da sua opinião pública pelos republicanos."

Encolheu os ombros. "Isso significa que não podem actuar abertamente, mas precisam que alguém faça o trabalho sujo por eles. E quem é esse alguém, digam lá?"

"Nós?"

O comandante abriu as palmas das mãos e sorriu.

"Claro!", exclamou. "Reparem que, como pequena potência, Portugal pode servir de intermediário de uma grande potência, resolvendo assuntos de enorme melindre. Digamos que somos uma espécie de... de agentes dos Ingleses, estão a ver?"