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sobre o Guadiana. Montaram um posto com sacos de terra dispostos em U e ficaram com a missão de controlar os acessos à cidade.

Foi ao verificar o salvo-conduto de uma coluna de camiões proveniente de Sevilha com víveres e munições que souberam das novidades.

"Entonces la Columna Madrid?" , perguntou o motorista do primeiro camião, enquanto Francisco estudava os documentos que o homem lhe tinha apresentado. "Tudo bueno?"

"Hã?", resmungou, sem tirar os olhos do salvo-conduto. "Qual coluna Madrid?"

"Hombre! Pois não és da IV Bandera?"

"Sim, sou."

"Então não sabes que a IV Bandera foi integrada na Columna Madrid?"

"Eu não. Aqui nunca nos dizem nada, caraças."

"Pois é verdade. Franco nomeou Yagiie para comandar a coluna."

"Quem?"

"Yagúe."

"Não conheço. Joga no Benfica?"

O motorista rolou os olhos e fez um estalido com a língua.

"Ay, hombre! Vocês, os da Legião, não percebem nada de nada..."

Francisco devolveu os documentos e fez sinal para o camião prosseguir.

"Digam-me quem tenho de matar e eu mato. Agora essas conversas não são comigo."

"Pois fazes mal", devolveu o motorista, enquanto subia para o seu lugar. "O Yagúe mandou punir os legionários que andam nas pilhagens." Ligou o motor e sorriu. "Talvez te interesse saber isso, hem?"

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O português hesitou um instante, o suficiente para denunciar a culpa, mas logo recuperou o semblante despreocupado e fez um gesto em direcção à cidade.

"Adiante. Vá, despacha-te."

Quando a coluna passou, Francisco foi chamar Juanito e relatou-lhe a conversa do motorista. O

ajudante de munições abandonou o posto para ir informar-se sobre o caso junto do sargento Gomez e voltou uma hora depois com um papel nas mãos.

"É tudo verdade", confirmou, acenando com a folha. "O tenente-coronel Yagúe emitiu esta ordem." Ajeitou o papel e leu-o. "Los actos de crueldad serán severamente castigados", recitou em voz alta. "Las razias y el pillage desprestigian a la unidad que los cometen y desbonran ai Ejército.'" Ergueu a cabeça e olhou para Francisco. "No pueden admitirse."

Um pequeno grupo passou por eles. Eram três legionários da I Bandera e acompanhavam um rapaz novo, de aspecto andrajoso e que caminhava em peúgas. Do outro lado da ponte, os legionários mandaram-no parar, afastaram-se dois passos, apontaram as Mauser e dispararam. O

rapaz tombou no chão com um barulho seco, como um saco, sem uma palavra, sem sequer um ai.

"E isto?", perguntou Francisco, apontando para os legionários que empurravam o corpo para uma vala. "Este fuzilamento vai ser castigado?"

Juanito abanou a cabeça.

"Não, hombre. Este castigo foi ordenado pelo comando."

"Ah! O comando pode ser cruel, mas nós não. É isso?"

"Sim."

O português suspirou.

"Está bem, está bem. Já percebi." Olhou em redor e fez uma careta impaciente. "Estou farto desta merda, sabes? Quando é que saímos daqui?"

"Pois essa é a outra novidade que o sargento me deu."

"Ai sim?"

"Vamos partir, hombre! E desta vez não será para enfrentarmos uma escaramuçazita, não. Cono! Vamos envolver-nos numa coisa maior."

"Que coisa?"

"Uma grande batalha."

Francisco sorriu.

"Aleluia! Vamos para Madrid?"

"Não, hombre. Ainda não."

"Então?"

"Vamos tomar Badajoz."

VII

O apoio aos refugiados ficou a cargo do capitão Branco, coadjuvado por Luís, a quem cabia tratar de toda a parte sanitária. Os dois oficiais ergueram um campo nos arredores de Valença para alojar os galegos e organizaram a estrutura logística de suporte. Tratava-se, como seria de esperar, de hóspedes indesejados, pelo que depressa vieram ordens do Porto para evitar os contactos entre os milicianos galegos e a população portuguesa; era evidente que o regime receava contágios ideológicos. O próprio capitão Branco se sentiu inicialmente desagradado por estar a lidar com comunistas e anarquistas, mas trabalho era trabalho.

Luís, no entanto, ganhou uma certa amizade a um dos galegos, um indivíduo de bigode fino chamado José Alexandre, evidentemente mais instruído do que os restantes. Ambos conversavam amiúde à hora do almoço, por vezes na companhia do capitão Branco, que se ia habituando e se mostrava particularmente interessado em perceber o que tinham os comunistas contra a Igreja.

"A relixión é o ópio do pobo" , explicou-lhe José Alexandre naquele galego quase igual ao português.

"Que disparate é esse?"

"Foi Marx quen o dixo. Para el, a crítica da relixión é o fundamento de toda a crítica.'''

"Mas o que diabo vos fez a Igreja de mal?"

"A Igrexa non nos causou ningún mal a nós, ou a min en particular, mais ás masas si que lies causou moito mal argumentou o miliciano. "A Igrexa educou as persoas a resignárense ás relacións de poder existentes na sociedade, convencéndeoas para que non se revoltasen contra a inxustiza, contra a degradación, contra a miseéria, mais antes a aceptarem todo, a aguantaren todos eses males, a conformárense coa súa situación, a daren a outra fazula a quen as agredia.

Como é evidente, esa postura é a que convén aos capitalistas explotadores, que dese xeito ven perpetuar a súa dominación sobre as masas explotadas. Por iso é importante encarar a relixión e acabar con ela, erradicala da nosa cultura. Sen a relixión, o proletariado e os campesinos libértanse do medo e revóltanse contra este sistema que os oprime sen piedade."

Estas conversas acabavam sempre em acaloradas discussões, com o português e o galego em pólos opostos e Luís no meio a tentar conciliá-las. Mas o capitão apreciava as disputas ideológicas com o miliciano, elas davam-lhe acesso a ideias que nunca tinha considerado; reconhecia até fundamento em muitas delas, pareciam-lhe fazer sentido, mas a verdade é que um pensamento tão radical não se coadunava com a sua natureza conciliadora e a educação católica que recebera.

Gostava de conhecer aquela perspectiva diferente, mas sabia que nunca a partilharia.

Por entre o trabalho com os refugiados, os dois oficiais enviados de Penafiel foram também envolvidos no abastecimento

humanitário à Galiza, uma região já totalmente nas mãos dos revoltosos. Gerara-se por Portugal inteiro um sentimento de solidariedade para com os espanhóis. Os simpatizantes dos republicanos comentavam em surdina os acontecimentos, mas os apoiantes dos nacionalistas não ocultavam o seu fervor; para eles a guerra era uma cruzada do cristianismo contra a ameaça vermelha.

A Igreja apoiava a cruzada, uma reacção natural perante as insistentes notícias de que os comunistas e anarquistas espanhóis andavam a queimar igrejas e a assassinar padres e freiras com requintes de crueldade, actos que incendiavam os ânimos dos católicos portugueses e os impeliam à acção. Daí até se organizarem campanhas para enviar auxílio às populações espanholas na zona nacionalista, em especial na irmã Galiza, foi um pequeno e inevitável passo.