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„Pelo menos eu vou ver meu filho” — pensou Loren —, „ainda que seja por alguns meses. E então…” Para seu horror ele sentiu as lágrimas escorrendo em sua face. Quando é que tinha chorado pela última vez? Há duzentos anos, olhando para a Terra em chamas…

— O que foi? — perguntou Kumar.

— Está pensando em sua

esposa? — Sua preocupação era tão genuína que Loren achou impossível ofender-se com sua falta de tato ou com a referência a um assunto que por um acordo mútuo era raramente mencionado, já que nada tinha a ver com o aqui e o agora. Duzentos anos atrás, na Terra, ou trezentos anos no futuro, em Sagan 2, estavam por demais distantes de Thalassa, além do alcance de suas emoções, que àquela hora se encontravam bem confusas.

— Não, Kumar, eu não estava pensando em minha esposa.

— Irá… Mirissa? algum dia… falar com ela… a respeito de — Talvez sim, talvez não. Eu realmente não sei. Sinto-me muito sonolento. Será que nós bebemos a garrafa inteira? Kumar? Kumar! A enfermeira veio durante a noite e, contendo risadas, arrumou as cobertas de modo que não caíssem. Loren acordou primeiro. reconhecimento, ele começou a rir. Depois do choque inicial de — Qual foi a graça? — perguntou Kumar, saindo um tanto sonado da cama.

— Se você realmente quer saber, eu me perguntava se Mirissa ficaria com ciúmes. Kumar sorriu sem graça.

— Eu posso estar um tanto bêbado — disse ele —, mas tenho certeza de que não aconteceu nada.

— Eu também. E no entanto ele percebia que amava Kumar, não porque tivesse salvo sua vida ou porque fosse irmão de Mirissa, mas simplesmente por ele ser Kumar. Sexo não tinha nada a ver com isso, a própria idéia o encheria não de embaraço mas sim de vontade de rir. Era bom que fosse assim. A vida em Tarna já era suficientemente complicada.

— E você está certo — Loren acrescentou — quanto Leão Especial. Eu não estou de modo algum de ressaca. De fato me sinto maravilhosamente bem. Pode enviar algumas garrafas para a nave? Melhor ainda, algumas centenas de litros?

38. DEBATE

Era uma questão simples, mas nem por isso tinha uma resposta simples: o que iria acontecer com a disciplina a bordo da Magalhães se o próprio objetivo da missão da nave fosse posto em votação? É claro que qualquer resultado não seria definitivo e ele poderia passar por cima se fosse necessário. Teria que fazê-lo se uma maioria

decidisse (não que imaginasse isso por um momento…). Mas semelhante resultado seria psicologicamente devastador. A tripulação ficaria dividida em duas facções e tal coisa poderia levar a situações que preferia não imaginar. E, no entanto, um comandante precisava ser firme mas não cabeçudo. Havia bastante bom senso na proposta, que tinha muitos atrativos. Afinal de contas, havia desfrutado dos benefícios da hospitalidade presidencial em pessoa e tinha a intenção de encontrar novamente aquela dama, campeã do decatlo. Este era um belo mundo, talvez pudessem acelerar o lento processo de formação de continentes, de modo que houvesse espaço para os milhões extras. Seria infinitamente mais fácil do que colonizar Sagan 2. E além disso, poderiam nunca chegar a Sagan 2. Embora a confiabilidade operacional da nave fosse ainda estimada em 98 %, havia perigos externos que ninguém poderia prever. Somente alguns oficiais de maior confiança sabiam que uma seção do escudo de gelo fora perdida em algum lugar por volta do ano-luz n.° 48. Se aquele meteoro interestelar, ou o que quer que fosse, estivesse alguns metros mais perto… Alguém tinha sugerido que a coisa pudesse ser uma antiqüíssima sonda espacial da Terra. As chances de uma coisa dessas acontecer eram literalmente astronômicas, e é claro que hipótese tão irônica jamais seria comprovada. E agora os autores da petição se estavam chamando de Novos Thalassianos. O comandante Bey ficou pensando se isto não significaria que eles eram muitos e estavam se convertendo num movimento politicamente organizado. Se fosse assim, talvez a melhor coisa a fazer fosse levá-los a agir abertamente, revelando-se tão logo fosse possível. A rejeição de Moisés Kaldor fora rápida e cortês.

— Não, comandante, não posso me envolver no debate, seja a favor ou contra. Se eu o fizer, a tripulação não confiará mais em minha imparcialidade. Mas estou disposto a agir como presidente, moderador, ou qualquer outro nome que vocês dêem a isso.

— Concordo — disse prontamente o comandante Bey. Isto era realmente o que ele esperava.

— E quem irá apresentar as moções? Nós não podemos esperar que os Novos Thalassianos se mostrem para advogar sua causa.

— Eu gostaria que pudéssemos ter uma eleição direta, sem quaisquer discussões ou debates — lamentou o comandante Malina. Com isto secretamente concordava o comandante Bey. Mas esta era uma sociedade democrática, de homens responsáveis e altamente

educados, e os regulamentos da nave reconheciam este fato. Os Novos Thalassianos haviam requerido um conselho a fim de apresentarem seus pontos de vista. Se ele recusasse, estaria desobedecendo às suas próprias ordens de nomeação e violando a confiança que lhe fora concedida na Terra, há duzentos anos. Não fora fácil organizar o Conselho. Como todos, sem exceção, teriam de votar, os horários de trabalho teriam que ser reorganizados e os períodos de sono interrompidos. O fato de metade da tripulação encontrar-se lá embaixo, em Thalassa, criava um outro problema que nunca havia surgido antes, o da segurança. Qualquer que fosse o resultado, era altamente indesejável que os lassanianos ouvissem o debate… Por isso Loren Lorenson estava sozinho, com a porta de seu escritório em Tarna trancada, ao que lhe constava pela primeira vez, quando o Conselho começou. Estava usando os óculos de visão total, mas desta vez não deslizava através de uma floresta submarina. Sentiase a bordo da Magalhães, na familiar sala da Assembléia, olhando para os rostos de seus colegas e, sempre que mudava o seu ponto de vista, para a tela na qual os comentários e o veredicto deles seriam exibidos. No momento, ela mostrava apenas uma breve mensagem: PROPOSTA: Que a nave estelar Magalhães termine sua missão em Thalassa, já que todos os seus objetivos básicos podem ser conquistados aqui. „Então Moisés está lá em cima na nave”, pensou Loren, enquanto observava a audiência. „Eu me pergunto por que não o tenho visto ultimamente. Ele parece cansado, assim como o comandante. Talvez a coisa seja mais séria do que imaginei.” Kaldor bateu na mesa, chamando a atenção.

— Comandante, oficiais, companheiros de tripulação, embora este seja o nosso primeiro conselho, todos conhecem as regras e os procedimentos. Se desejarem falar, ergam a mão para serem reconhecidos. Se desejarem fazer uma declaração escrita, usem seus blocos-teclados, os endereços serão omitidos para garantir o anonimato. Em ambos os casos, por favor sejam tão sucintos quanto puderem.

— Se não houver perguntas, abrirei com o item 001. Os Novos Thalassianos haviam acrescentado alguns argumentos, mas 001

ainda era essencialmente o memorando que chocara o comandante Bey há duas semanas. Desde então ele não tinha realizado nenhum progresso na identificação da autoria. Talvez o acréscimo mais revelador ao texto original fosse a sugestão de que era dever de todos permanecer ali, Thalassa precisava

deles técnica, cultural e geneticamente. Loren ficara admirado com isso, muito embora se sentisse tentado a concordar. „Em todo caso, nós devemos perguntar a opinião deles primeiro. Afinal não somos imperialistas à moda antiga, ou somos?” Todos tiveram tempo para reler o memorando, Kaldor bateu na mesa pedindo atenção novamente.