Asmodean aquiesceu.
— Mas, antes disso, dois deles falaram comigo quando se convenceram de que eu não era um espião taireno. Lorde Dobraine e Lady Colavaere. Deixaram tudo tão nebuloso com pistas e insinuações maldosas que eu não tenho muita certeza, mas não me surpreenderia se pretendessem lhe oferecer o Trono do Sol. Seriam capazes de espalhar boatos para… algumas pessoas que eu conhecia.
Rand soltou uma gargalhada rouca.
— Talvez ofereçam. Se conseguirem os mesmos termos que Meilan.
Não precisava que Moiraine lhe dissesse que os cairhienos jogavam o Jogo das Casas até dormindo, nem que Asmodean o alertasse de que eles tentariam a sorte com os Abandonados. Os Grão-lordes à esquerda e os cairhienos à direita. Uma batalha terminada e outra, de um tipo diferente, mas não menos perigosa, começando.
— Seja como for, entendo que o Trono do Sol deva ficar com alguém que tenha direito a ele.
Rand ignorou a dúvida no rosto de Asmodean. Talvez o homem tivesse tentado ajudá-lo na noite anterior, talvez não, mas não confiava o suficiente no sujeito para deixá-lo a par de todos os seus planos. Independentemente de quanto do futuro de Asmodean estivesse amarrado ao dele, sua lealdade era pura necessidade, e ele ainda era o mesmo homem que escolhera entregar sua alma à Sombra.
— Meilan quer me oferecer uma entrada magnífica quando eu estiver pronto, é? Então é melhor eu entender os detalhes do que ele espera. — Rand compreendeu por que Aviendha se tornara tão agradável, até participando da conversa: enquanto ele estivesse ali sentado, estaria fazendo exatamente o que ela queria. — Você vai buscar meu cavalo, Natael, ou vou ter que ir eu mesmo?
A reverência de Asmodean foi profunda, formal e, ao menos na superfície, sincera.
— Eu sirvo ao Lorde Dragão.
46
Outras batalhas, outras armas
Franzindo a testa para as costas de Asmodean e se perguntando até onde confiava no sujeito, Rand levou um susto quando Aviendha arremessou seu copo, espirrando vinho nos tapetes. Os Aiel não desperdiçavam nada que pudesse ser bebido, não apenas água.
Ao encarar o ponto molhado, ela pareceu tão surpresa quanto ele, mas apenas por um momento. No instante seguinte, já plantara as mãos na cintura, ainda sentada, e cravara os olhos nele.
— Então o Car’a’carn vai entrar na cidade, sendo que mal consegue se sentar. Eu disse que o Car’a’carn deve ser mais que um homem, mas não sabia que agora ele era mais do que um mortal.
— Onde estão minhas roupas, Aviendha?
— Você é de carne e osso!
— Minhas roupas?
— Lembre-se do seu toh, Rand al’Thor. Se eu consigo me lembrar do ji’e’toh, você também consegue. — Aquilo lhe soou uma comparação estranha, já que seria mais fácil o sol nascer à meia-noite do que Aviendha se esquecer do ji’e’toh mesmo que por um segundo.
— Se você continuar com isso — disse ele com um sorriso —, vou começar a achar que se importa comigo.
Foi uma brincadeira — só havia duas maneiras de lidar com a mulher: brincar ou simplesmente ignorá-la, pois discutir era fatal —, e bem leve, considerando que já tinham passado uma noite inteira um nos braços do outro, mas os olhos de Aviendha se arregalaram, ultrajados, e ela agarrou o bracelete de marfim como se fosse puxá-lo e atirá-lo em Rand.
— O Car’a’carn está tão acima dos outros homens que não precisa de roupas — rebateu ela. — Se ele quiser ir, deixe que vá nu! Devo chamar Sorilea e Bair? Ou quem sabe Enaila, Somara e Lamelle?
Rand se enrijeceu. De todas as Donzelas que o tratavam como um filho de dez anos de idade, ela citara as três piores. Lamelle até lhe trouxera sopa — a mulher não sabia cozinhar nada, mas insistia em lhe preparar sopas!
— Chame quem você quiser — disse ele com voz firme e neutra —, mas eu sou o Car’a’carn e eu vou até a cidade.
Com sorte, conseguiria encontrar suas roupas antes que ela voltasse. Somara era quase da altura de Rand e, naquele momento, provavelmente mais forte. O Poder Único não contaria para nada. Não teria conseguido tocar saidin nem se Sammael aparecesse na sua frente, muito menos agarrar-se a ele.
Por um longo tempo, Aviendha sustentou seu olhar, e então, abruptamente, pegou o copo entalhado com leopardos e tornou a enchê-lo de um jarro de prata.
— Se você encontrar suas roupas e se vestir sem cair — retrucou, calma —, então pode ir. Mas vou acompanhá-lo e, se eu achar que você está fraco demais para continuar, vai voltar para cá nem que Somara tenha que carregá-lo no colo.
Rand observou Aviendha se deitar, apoiada apenas no cotovelo, arrumar as saias com cuidado e começar a bebericar o vinho. Se ele voltasse a falar em casamento, não havia dúvida de que ela tornaria a lhe dizer poucas e boas, mas, de certa maneira, Aviendha se comportava como se fossem casados. Nas piores partes, pelo menos. Nas partes que eram a mesmíssima coisa que Enaila ou Lamelle faziam.
Resmungando sozinho, ele se enrolou no cobertor, passou se arrastando por ela e pela fogueira e foi apanhar as botas. Meias de lã limpas estavam dobradas dentro delas, mas nada além disso. Ele podia convocar os gai’shain. E fazer a fofoca se espalhar por todo o acampamento. Sem falar na possibilidade de que as Donzelas acabassem se envolvendo na questão. Então, a pergunta seria se ele era o Car’a’carn, que deveria ser obedecido, ou se era apenas Rand al’Thor, um homem totalmente diferente aos olhos delas. Um tapete enrolado nos fundos da tenda chamou sua atenção. Tapetes estavam sempre abertos. A espada de Rand estava lá dentro, o cinturão com a fivela do Dragão enrolado em torno da bainha.
Cantarolando baixinho, os olhos praticamente cerrados, Aviendha parecia semiadormecida enquanto o observava procurar.
— Você não precisa mais… daquilo. — Ela pôs tanto desgosto na palavra que ninguém teria acreditado que fora ela quem lhe dera a espada.
— Como assim?
Só havia uns poucos bauzinhos na tenda, entalhados com madrepérola, trabalhados em latão, ou, no caso de um deles, folheado a ouro. Os Aiel preferiam colocar seus objetos em trouxas. Nenhum guardava as roupas de Rand. O baú revestido de ouro, cheio de pássaros e animais nada familiares, abrigava sacos de couro bem amarrados, e exalou um cheiro de especiarias quando Rand levantou a tampa.
— Couladin está morto, Rand al’Thor.
Sobressaltado, ele parou e a encarou.
— Do que você está falando? — Será que Lan contara para ela? Ninguém mais sabia. Mas por quê?
— Ninguém me contou, se é isso que você está pensando. Eu já conheço você, Rand al’Thor. Todo dia aprendo mais a seu respeito.
— Eu não estava pensando nada disso — rosnou ele. — Não tem nada para ninguém contar.
Irritado, ele apanhou a espada embainhada e a carregou desajeitadamente debaixo do braço enquanto procurava. Aviendha continuou bebericando o vinho. Rand achou que ela poderia estar escondendo um sorriso.
Que ótimo. Os Grão-lordes de Tear suavam quando Rand al’Thor olhava para eles, e os cairhienos talvez lhe oferecessem seu trono. O maior exército Aiel que o mundo já conhecera havia cruzado a Muralha do Dragão sob as ordens do Car’a’carn, o chefe dos chefes. Nações tremiam com a mera menção ao Dragão Renascido. Nações! E, se não encontrasse suas roupas, teria que ficar quieto esperando que várias mulheres que pensavam saber mais do que ele sobre tudo lhe dessem permissão para sair.
Finalmente encontrou as peças quando notou o punho bordado em ouro de uma manga vermelha escapando por baixo do corpo de Aviendha. Ela estivera sentada nas roupas o tempo todo. A mulher grunhiu, mal-humorada, quando ele pediu para ela se afastar, mas obedeceu. Finalmente.