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Como de costume, ela o observou se barbear e se vestir, canalizando para esquentar a água para Rand, sem comentar nada — e sem ele pedir —, depois de o rapaz ter se cortado e reclamado da água fria pela terceira vez. A verdade era que dessa vez estava irritado com a chance de Aviendha ver como ele estava instável, mais do que qualquer outra coisa. Dá para se acostumar a qualquer coisa, caso a situação perdure por tempo suficiente, pensou, irônico.

Aviendha interpretou mal o balançar de cabeça de Rand.

— Elayne não se importa se eu ficar olhando, Rand al’Thor.

Ele fez uma pausa no ato de amarrar a camisa, e a encarou.

— Você acredita mesmo nisso?

— Claro. Você pertence a ela, mas Elayne não é dona da sua imagem.

Rindo em silêncio, ele voltou a amarrar. Foi bom se lembrar de que o mistério recém-descoberto de Aviendha escondia certa ignorância, apesar de tudo. Rand não pôde evitar um sorriso convencido enquanto terminava de se vestir, afivelava a espada e apanhava a ponta borlada da lâmina Seanchan. O último objeto pôs um quê sombrio em seu sorriso. Sua intenção era de que a lâmina fosse um lembrete de que os Seanchan ainda estavam à solta, mas servia para recordá-lo de tudo que ele ainda precisava encarar: cairhienos e tairenos, Sammael e os outros Abandonados, os Shaido e as nações que ainda nem o conheciam, nações que teriam que segui-lo, e antes de Tarmon Gai’don. Lidar com Aviendha era de fato bastante simples, se comparado a tudo aquilo.

Donzelas se puseram de pé aos saltos quando ele saiu da tenda depressa, para disfarçar as pernas vacilantes. Rand não teve certeza se foi bem-sucedido. Aviendha se manteve a seu lado como se não apenas pretendesse segurá-lo, caso ele caísse, mas como se tivesse certeza de que era o que aconteceria. Não ajudou em nada o humor de Rand quando Sulin, com sua touca de bandagens, olhou de modo inquisitivo para ela — não para ele, mas para ela! — e aguardou Aviendha assentir para ordenar que as Donzelas se aprontassem para partir.

Asmodean subiu a colina no dorso de sua mula, trazendo Jeade’en pelas rédeas. De algum modo, o homem encontrara tempo para vestir roupas limpas, peças de seda verde-escura. Com rendas brancas aos borbotões, claro. A harpa dourada pendia às suas costas, mas ele desistira de usar a capa de menestrel e não carregava mais o estandarte carmesim com o antigo símbolo das Aes Sedai. A função recaíra para um refugiado cairhieno chamado Pevin, um sujeito sem expressão que trajava um casaco remendado de lã cinza-escura e montava uma mula marrom que parecia velha demais até para puxar carroças. Uma longa cicatriz, ainda vermelha, lhe percorria toda a lateral do rosto estreito, desde a mandíbula até o cabelo, que já rareava.

Pevin perdera a esposa e a irmã para a fome, e o irmão e um filho para a guerra civil. Não tinha ideia de que homens e de quais Casas os haviam assassinado, ou quem eles apoiavam para o Trono do Sol. A fuga para Andor lhe custara um segundo filho pelas mãos de soldados andorianos e um segundo irmão nas mãos de bandidos, e o retorno custara o último filho, morto por uma lança Shaido, além da filha, raptada enquanto ele era deixado para morrer. O homem raramente falava, mas, pelo que Rand entendera, ele agora só acreditava em três coisas: o Dragão Renascera, a Última Batalha estava próxima, e, se ficasse por perto de Rand al’Thor, vingaria sua família antes que o mundo fosse destruído. O mundo acabaria, com certeza, mas não importava, nada importava, contanto que ele obtivesse vingança. Da sela, ele fez uma reverência silenciosa para Rand assim que chegou ao cume. Seu rosto era absolutamente vazio, mas o homem mantinha o estandarte ereto e firme.

Rand montou em Jeade’en, depois puxou Aviendha para a garupa sem deixá-la usar o estribo, só para mostrar que conseguia, e então pôs o sarapintado em movimento antes que ela estivesse aprumada. Aviendha abraçou sua cintura e reclamou não muito baixo, permitindo que ele capturasse mais alguns fragmentos de sua opinião sobre Rand al’Thor e também sobre o Car’a’carn. Mas ela não fez menção de se soltar, pelo que ele ficou agradecido. Não só era agradável tê-la apertada contra suas costas, como o apoio era bem-vindo. No meio do gesto de erguer Aviendha para a sela, ficara na dúvida se ela estava subindo ou se ele estava descendo. Rand torcia para que ela não tivesse notado. Torcia para que não fosse esse o motivo para ela estar abraçando-o com tanta força.

O estandarte carmesim com o grande disco branco e preto ondulava atrás de Pevin à medida que eles ziguezagueavam colina abaixo e seguiam pelos vales rasos. Como de hábito, os Aiel deram pouca atenção ao grupo conforme eles passaram, embora o estandarte marcasse sua presença com tanta veemência quanto a escolta de centenas de Far Dareis Mai que não tinham problemas para acompanhar o ritmo de Jeade’en e das mulas. Os Aiel continuaram cuidando das próprias vidas, espalhados entre as tendas que recobriam as encostas, no máximo dando uma olhadela ao ouvirem as patas dos cavalos.

Tinha sido espantoso ouvir que quase vinte mil pessoas haviam sido feitas prisioneiras na batalha — até sair de Dois Rios, nunca realmente acreditara que podia haver tanta gente em um mesmo lugar —, mas vê-las lhe chocou duas vezes mais. Em grupos de quarenta ou cinquenta, elas pontilhavam as encostas das colinas como repolhos, homens e mulheres igualmente sentados nus sob o sol, cada conjunto sob a vigilância de um gai’shain, quando muito. Era certo que ninguém mais lhes dava muita atenção, apesar de uma figura trajando o cadin’sor de vez em quando se aproximar de um dos grupos e ordenar que um homem ou uma mulher fosse realizar alguma tarefa. A pessoa chamada sempre partia às pressas, sem vigilância, e Rand viu vários retornarem e se esgueirarem de volta a seus lugares. Quanto aos demais, ficavam sentados, quietos, parecendo quase entediados, como se não tivessem motivos nem desejo de estar em outro local.

Talvez todos fossem vestir robes brancos com a mesma calma. Porém, Rand se lembrava de como aquelas mesmas pessoas já tinham violado as próprias leis e costumes com tanta facilidade. Couladin podia até ter iniciado ou ordenado a violação, mas todos o haviam seguido e obedecido.

Com o cenho franzido para os prisioneiros — vinte mil, e outros mais por vir, mas que ele certamente nunca confiaria em transformar em gai’shain —, levou certo tempo para Rand notar algo estranho entre os outros Aiel. Donzelas e homens Aiel que portavam lanças nunca trajavam nada na cabeça além da shoufa, e sempre de alguma cor que sumisse em meio às rochas e sombras, mas agora via homens usando uma faixa vermelha estreita. Talvez um em cada quatro ou cinco tinha uma tira de pano amarrada em torno da têmpora, com um disco bordado ou pintado acima das sobrancelhas, duas lágrimas unidas, uma preta e outra branca. O mais estranho de tudo, porém, talvez fosse que os gai’shain também a usavam. A maior parte usava os capuzes erguidos, mas todos os que estavam com a cabeça descoberta usavam uma faixa. E os algai’d’siswai com seus cadin’sor viam aquilo e não faziam nada, estivessem ou não usando a faixa. Gai’shain jamais deveriam usar nada que fosse usado por aqueles que podiam tocar em armas. Jamais.

— Não sei — respondeu Aviendha de maneira rude às costas de Rand quando ele perguntou o que significava aquilo. Ele tentou se sentar mais ereto, já que ela parecia mesmo estar lhe segurando com mais força que o necessário. Após um momento, ela prosseguiu, mas falando tão baixo que ele precisou escutar com toda a atenção para poder compreender. — Bair ameaçou me bater se eu tocasse de novo no assunto, e Sorilea chegou mesmo a me bater nas costas com uma vara, mas acho que são aqueles que afirmam que nós somos siswai’aman.