Выбрать главу

— Ela tinha o gênio de um javali preso em uma roseira-brava, no melhor dos dias — comentou Birgitte, baixinho, para ninguém em particular. — Nada parecida com alguém que eu conheço.

Nynaeve rangeu os dentes. Nunca mais elogiaria a mulher, não importava o que ela fizesse. Parando para pensar, qualquer homem de Dois Rios poderia ter atirado tão bem quanto ela, daquela distância. Qualquer menino.

Estrondos os seguiam, rugidos distantes de outras ruas, e Nynaeve tinha a sensação de estar sendo observada de alguma das janelas vazias e quebradas. Mas a notícia devia ter se espalhado, ou os olhos que a seguiam haviam visto o que acontecera, porque ninguém mais deu sinal de vida. Até que, de repente, mais de vinte Mantos-brancos surgiram na rua à frente, metade com os arcos em punho, o restante com as lâminas desembainhadas. Os shienaranos sacaram suas lâminas em um piscar de olhos.

Uma conversa rápida entre Galad e um sujeito de cabelo grisalho sob o chapéu cônico garantiram a passagem de todos, apesar de o homem ter encarado os shienaranos de um jeito condescendente, além de Thom e Juilin, e também Birgitte, por sinal. Foi o suficiente para deixar Nynaeve incomodada. Elayne podia até marchar ao lado dela com o queixo empinado, ignorando os Mantos-brancos como se fossem serviçais, mas Nynaeve não gostava de ser tratada com tanto descaso.

O rio não estava longe. Mais adiante, depois de alguns pequenos armazéns de pedra com teto de ardósia, estavam as três docas de pedra da cidade, que mal encostavam na água por cima da lama seca. Uma embarcação robusta com dois mastros repousava na extremidade de uma delas. Nynaeve não esperava ter problema para conseguir cabines separadas das outras mulheres. Torcia para que o navio não balançasse muito.

Uma pequena multidão estava agrupada a vinte passadas da doca sob os olhares atentos de quatro guardas com mantos brancos. Eram cerca de doze homens, a maioria velhos e todos esfarrapados e lanhados, e o dobro de mulheres, a maioria com duas ou três crianças agarrando-se a elas, algumas também com um bebê nos braços. Havia outros dois Mantos-brancos de pé no início da doca. As crianças escondiam os rostos nas saias das mães, mas os adultos lançavam olhares ansiosos para o navio. Aquela imagem apertou o coração de Nynaeve, que se lembrava dos mesmos olhares, em quantidade muito maior, em Tanchico. Pessoas desesperadas em busca de segurança. Ela não fora capaz de fazer nada por aquela gente.

Antes que pudesse fazer algo por estes, Galad já agarrara ela e Elayne pelo braço e as empurrara pela doca e depois por uma prancha de desembarque instável. Outros seis homens de rostos severos trajando mantos brancos e armaduras polidas estavam de pé no convés, onde observavam um grupo de homens descalços e, em sua maioria, com o peito nu, acocorados nas proas espaçosas e íngremes. Não soube dizer se o novo capitão aos pés da prancha olhava com mais amargura para os Mantos-brancos ou para o grupo tão contrastante que entrava em seu navio.

Agni Neres era um homem alto e magrelo vestindo um casaco escuro, dono de orelhas de abano e um rosto sério e afilado. Não ligava para o suor que lhe escorria pelas bochechas.

— Você pagou a passagem de duas mulheres. Suponho que queira que eu leve a outra mocinha e os homens de graça? — Birgitte fitou-o com uma expressão ameaçadora, mas o homem pareceu não ver.

— Você terá o dinheiro das passagens, meu bom capitão — disse-lhe Elayne, com a voz tranquila.

— Desde que o valor seja razoável — completou Nynaeve, ignorando o olhar penetrante de Elayne.

Os lábios de Neres se estreitaram, apesar de isso parecer quase impossível, e ele voltou a se dirigir a Galad:

— Então, se vocês retirarem seus homens do meu barco, eu navego. Gosto menos do que nunca de estar aqui à luz do dia.

— Assim que você embarcar seus outros passageiros — disse Nynaeve, indicando as pessoas agrupadas em terra.

Neres olhou para Galad, mas o homem se afastara para falar com os demais Mantos-brancos. Encarou o povo do lado de fora e falou para o ar acima da cabeça de Nynaeve, sem se dignar a encará-la:

— Qualquer pessoa que tenha como pagar. Não são muitos ali os que parecem poder. E eu não poderia levar todos, mesmo que tivessem dinheiro.

Nynaeve ficou na ponta dos pés para que o homem não pudesse ignorar seu sorriso. O queixo dele foi parar dentro da gola.

— Cada um deles, Capitão. Do contrário, eu mesma arranco as suas orelhas.

A boca do homem se abriu raivosamente. Então, de repente, seus olhos se arregalaram e fitaram um ponto além dela.

— Tudo bem — respondeu ele bem rápido. — Mas eu espero algum tipo de pagamento, não se esqueça. Só faço caridades no Dia Primeiro, e ele já passou faz tempo.

Nynaeve tornou a plantar os calcanhares no convés e olhou desconfiada por cima do ombro. Thom, Juilin e Uno estavam lá, observando ela e Neres de um jeito discreto. Tão discreto quanto possível com as feições de Uno e os rostos ensanguentados. Exageradamente discreto.

Bufando, ela prosseguiu:

— Quero ver todos eles a bordo antes de pegarem em qualquer corda — disse ela, e saiu em busca de Galad.

Achava que ele merecia alguns agradecimentos. O homem pensara que o que estava fazendo era o certo. Esse era o problema com os melhores homens. Eles sempre achavam que estavam fazendo o certo. Ainda assim, independentemente do que os três haviam feito, tinham evitado uma discussão.

Nynaeve encontrou-o com Elayne, aquele belo rosto tingido de frustração. Sua expressão se animou ao vê-la.

— Nynaeve, eu só paguei sua viagem até Boannda. Só é metade do caminho até Altara, onde o Boern deságua no Eldar, mas não tive como pagar mais. O Capitão Neres levou todas as moedas de cobre da minha bolsa e eu ainda precisei pegar emprestado. O sujeito cobra os olhos da cara. Receio que de lá até Caemlyn vá ter que ser por sua conta. Eu realmente lamento.

— Você já fez o suficiente — afirmou Elayne, cujos olhos vagueavam em direção às nuvens de fumaça que se erguiam sobre Samara.

— Eu havia prometido — retrucou ele, com uma resignação já desgastada. Ficou claro que os dois haviam dito palavras parecidas antes de Nynaeve se aproximar.

Nynaeve fez seus agradecimentos, que ele dispensou com toda a graça, mas olhando-a como se ela também não entendesse. O que ela estava mais do que pronta para admitir. Ele iniciara uma guerra para manter uma promessa, Elayne tinha razão sobre isso. Seria uma guerra, se já não fosse. Porém, mesmo seus homens tendo capturado o navio de Neres, ele não exigira um preço melhor. O navio era de Neres, e o homem podia cobrar quanto quisesse. Desde que levasse Elayne e Nynaeve. Era verdade: Galad nunca considerava o custo de agir certo, nem para si nem para qualquer outro.

Na prancha, ele parou e ficou olhando a cidade como se previsse o futuro.

— Fiquem longe de Rand al’Thor — recomendou, sombrio. — Ele traz a destruição. Ele vai romper o mundo de novo, antes disso acabar. Fiquem longe dele. — Então se afastou a passos firmes pela doca, já pedindo sua armadura.

Nynaeve se viu trocando um olhar de curiosidade com Elayne, embora logo tenha se transformado em embaraço. Era difícil dividir um momento cúmplice com alguém que podia lhe agredir com a língua. Pelo menos foi por isso que ela se sentiu constrangida. Não imaginava por que Elayne se preocuparia, a menos que estivesse começando a recuperar o juízo. Claro que Galad não suspeitava que elas não tinham intenção de ir até Caemlyn. Claro que não. Homens nunca tinham esse nível de percepção. Ela e Elayne passaram um bom tempo sem voltar a se entreolhar.