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Para Boannda

Não tiveram grandes problemas para embarcar o grupo de homens, mulheres e crianças. Em momento algum Nynaeve precisou esclarecer para o Capitão Neres que ele iria arrumar lugar para todos, e, a despeito de quanto ele achasse que fosse cobrar, ela sabia exatamente quanto pagaria pelas passagens daquela gente até Boannda. Claro que talvez tivesse ajudado um pouco quando pediu discretamente a Uno para mandar os shienaranos fazerem alguma coisa com suas espadas. Quinze homens de rostos duros e trajes grosseiros, todos com coques nas cabeças raspadas, sem falar nas manchas de sangue, lubrificavam e afiavam lâminas, e gargalhavam quando um deles se lembrava de como o outro quase havia tido o corpo atravessado por um espeto, feito um carneiro — bem, o efeito que eles surtiam foi bastante promissor. Nynaeve contou o dinheiro na mão do homem, e, se aquilo lhe doía, bastava recorrer à memória daquelas docas de Tanchico para continuar contando. Neres tinha razão em um aspecto: aquela gente não parecia ter muitas moedas. Eles precisariam de todo e qualquer tostão que tivessem. Elayne não tinha o direito de perguntar, naquele tom de voz enjoativamente doce, se Nynaeve estava com dor de dente.

A tripulação correu sob gritos de comando de Neres para zarparem enquanto as últimas pessoas ainda embarcavam aos trancos e barrancos, carregando seus pertences miseráveis — aqueles que ainda tinham algo além dos farrapos que vestiam. Na verdade, eles lotaram até mesmo aquela embarcação robusta, de modo que Nynaeve começou a se perguntar se Neres também estivera certo a esse respeito. Porém, tamanha era a esperança que brotava em seus rostos assim que firmavam os pés no convés, que ela ficou envergonhada por pensar naquilo. E, quando descobriram que ela pagara suas passagens, todos se amontoaram em torno dela e lutaram para lhe beijar as mãos ou a barra da saia, gritando agradecimentos e bênçãos, alguns com lágrimas escorrendo pelas bochechas sujas, tanto homens quanto mulheres. Nynaeve desejou afundar entre as pranchas sob seus pés.

Os conveses fervilhavam quando os remos entraram em ação e as velas foram içadas, e Samara começou a sumir antes que ela pudesse pôr fim naquele coro de agradecimentos. Se Elayne e Birgitte tivessem dito uma só palavra, teria lhes dado um peteleco que as faria rodar o navio duas vezes.

Cinco dias haviam se passado desde que embarcaram no Serpente do Rio, cinco dias descendo as lentas curvas do Eldar sob um sol de assar e noites não muito mais frescas. Nesse ínterim, algumas coisas mudaram para melhor, mas a viagem não começou bem.

O primeiro problema da jornada foi a cabine de Neres na popa, a única acomodação no navio, tirando o convés. Não que o capitão estivesse relutante em se mudar. A pressa do homem — calças, casacos e camisas jogadas nos ombros e balançando de um enorme chumaço que trazia nos braços, a caneca de barbear em uma das mãos, a lâmina na outra — fez Nynaeve olhar feio para Thom, Juilin e Uno. Uma coisa era usá-los quando decidisse, e outra bem diferente era eles tomarem conta dela sem ela saber. Seus rostos não poderiam estar mais neutros, ou seus olhos, mais inocentes. Elayne resolveu citar mais um dos ditados de Lini:

— Uma saca aberta não esconde nada, e uma porta aberta esconde muito pouco, mas um homem de expressão aberta com certeza está escondendo alguma coisa.

No entanto, qualquer que fosse o problema que os homens pudessem se tornar, a questão agora era a própria cabine. O local cheirava a mosto e mofo mesmo com as minúsculas janelinhas abertas, que deixavam pouca luz penetrar os cantos úmidos. “Cantos” era a palavra. A cabine era pequena, menor que o carroção, e a maior parte do espaço era ocupada por uma mesa pesada, uma cadeira de encosto alto presa ao chão e pela escada que levava ao convés. Um lavatório construído junto à parede, com um cântaro encardido, uma tigela e um espelho estreito empoeirado atulhavam ainda mais o aposento e complementavam a mobília, exceto por algumas prateleiras vazias e cabides para pendurar roupas. As vigas do teto eram baixas, na altura de suas cabeças. E só havia uma cama, mais larga do que onde vinham dormindo, mas não larga o bastante para as duas. Alto como era, Neres parecia estar morando em uma caixa. O homem com certeza não abrira mão de uma única polegada que pudesse ser entupida de carga.

— Ele chegou a Samara à noite — resmungou Elayne, aliviando-se do peso das trouxas e pondo as mãos na cintura ao olhar em volta com ar insatisfeito —, e queria ir embora à noite. Escutei quando ele falou para um de seus homens que pretendia passar a noite navegando, independentemente da… vontade das… mocinhas. Parece que viajar à luz do dia não é muito do gosto dele.

Pensando nos cotovelos e nos pés frios da outra mulher, Nynaeve se perguntou se não ficaria melhor dormindo lá em cima com os refugiados.

— Do que você está falando?

— O sujeito é contrabandista, Nynaeve.

— Com este navio? — Nynaeve largou as trouxas, deixou a algibeira em cima da mesa e se sentou na beirada da cama.

Não, não ia dormir no convés. A cabine podia até feder, mas poderiam arejá-la, e, se a cama era apertada, ao menos tinha um colchão grosso de penas. O navio balançava, sim, e de um jeito incômodo. Era melhor usufruir de todo conforto possível. Elayne não tinha como expulsá-la dali.

— Está mais para um barril. Vamos ter sorte se chegarmos a Boannda em duas semanas. Só a Luz sabe quanto tempo mais até Salidar. — Nenhuma delas sabia de fato quão longe era Salidar, e ainda não era hora de tocar no assunto com o Capitão Neres.

— Tudo se encaixa. Até o nome. Serpente do Rio. Que comerciante honesto daria esse nome ao seu barco?

— Bem, e se ele for? Não seria a primeira vez que tiraríamos proveito de um contrabandista.

Elayne ergueu as mãos, exasperada. Sempre pensava que obedecer a lei era importante, independentemente de quão tola fosse tal lei. Tinha mais em comum com Galad do que gostaria de admitir. Quer dizer que Neres as chamara de mocinhas?

A segunda dificuldade foi encontrar lugar para os demais. O Serpente do Rio não era uma embarcação muito grande, nem larga, e, contando todos, havia bem mais que cem pessoas a bordo. Um espaço precisava ser ocupado pela tripulação trabalhando com os remos e cuidando dos cordames e das velas, e isso não deixava muito chão para os passageiros. Não ajudava nada o fato de os refugiados se manterem o mais longe possível dos shienaranos. Parecia que já tinham estourado sua cota de homens armados. Mal havia espaço para todos se sentarem, e não havia como se deitar.

Nynaeve abordou Neres logo de cara.

— Esta gente precisa de mais espaço. Especialmente as mulheres e as crianças. Como você não tem mais cabines, vamos ter que usar o porão.

O rosto de Neres ficou sombrio. Com o olhar fixo em frente, a cerca de uma passada à esquerda dela, o homem grunhiu:

— Meu porão está cheio de cargas valiosas. Cargas muito valiosas.

— Será que os ficais reais patrulham este trecho do Eldar? — ponderou Elayne, em tom despreocupado, encarando as margens arborizadas dos dois lados. O rio só tinha algumas centenas de passadas de largura naquele trecho, bordejado por uma lama negra e seca e um barro amarelo. — Ghealdan de um lado, Amadícia do outro. Pode parecer estranho um porão cheio de produtos do sul e você indo para o sul. Claro que é provável que você tenha todos os documentos mostrando onde pagou os impostos. E você poderia explicar que não descarregou por causa dos problemas em Samara. Ouvi falar que os fiscais são mesmo bem compreensivos.

Com os cantos da boca curvados para baixo, o homem continuou sem olhar para nenhuma das duas.