Elayne deu uma olhada nas camisas debaixo do braço de Min e abraçou saidar.
— Me deixe ajudar com isto. — Canalizar para executar tarefas era proibido, já que, segundo se dizia, o trabalho físico desenvolvia o caráter. Mas aquilo não era a mesma coisa. Se rodopiasse as camisas dentro da água com força suficiente, não haveria nenhuma razão para as duas molharem as mãos. — Me conte tudo. Siuan e Leane estão mesmo tão mudadas quanto parecem? Como você veio parar aqui? Logain está mesmo aqui? E por que você está lavando as camisas de um homem qualquer? Conte tudo.
Min gargalhou, claramente satisfeita com a mudança de assunto.
— “Tudo” vai levar uma semana. Mas vou tentar. Primeiro, eu ajudei Siuan e Leane a sair do calabouço em que Elaida tinha enfiado as duas, e então…
Fazendo os devidos sons de espanto, Elayne canalizou Ar para tirar um dos caldeirões ferventes do fogo. Mal se deu conta dos olhares incrédulos das noviças. Já estava acostumada com a própria força, e era raro lhe ocorrer que, sem pensar, fazia coisas que algumas Aes Sedai plenas não conseguiam. Quem era a terceira mulher? Era bom Aviendha estar vigiando Rand bem de perto.
51
A notícia chega a Cairhien
Um fiapo de fumaça azul subia do rústico cachimbo de piteira curta preso entre os dentes de Rand, que apoiava uma das mãos na balaustrada de pedra da varanda enquanto observava o jardim abaixo. Sombras afiadas se alongavam. O sol era uma bola vermelha baixando em um céu sem nuvens. Dez dias em Cairhien, e este parecia ser o primeiro momento em que ficava quieto, tirando as horas de sono. Selande estava a seu lado, o rosto pálido inclinado para cima para observar Rand, não o jardim. O cabelo dela não estava penteado como os das ladies de classes mais altas, porém ainda acrescentava meio pé à sua altura. Ele tentava ignorá-la, mas era difícil ignorar uma mulher que insistia em pressionar os seios firmes contra seu braço. A reunião demorara o suficiente para Rand querer um rápido intervalo. Entendeu que cometera um erro assim que Selande o seguiu.
— Conheço uma piscina isolada — informou ela, baixinho — onde poderíamos escapar deste calor. É uma piscina coberta, onde nada nos perturbaria. — A música da harpa de Asmodean flutuava pelos arcos quadrados atrás dos dois. Algo leve e tranquilo.
Rand pitou com um pouco mais de vigor. O calor. Nada comparado ao Deserto, mas… Embora o outono devesse estar chegando, a tarde parecia ter saído do meio do verão. Um verão sem chuvas. No jardim, homens com camisas de manga curta regavam as plantas com baldes, fazendo isso a essa hora para evitar que a água evaporasse, mas grande parte da vegetação estava marrom ou morrendo. Aquele clima não podia ser natural. O sol escorchante zombava dele. Moiraine concordava, Asmodean também, mas nenhum dos dois sabia o que ou como fazer, não mais que Rand. Sammael. Em relação a Sammael, ele podia tomar providências.
— Água fresca — murmurou Selande —, e eu e você a sós. — Ela se aproximou mais, embora Rand não soubesse como foi possível.
Ele se perguntou quando viria a próxima provocação. Não podia se precipitar na irritação, independentemente do que Sammael fizesse. Assim que a reforma metódica em Tear estivesse concluída, e só então, soltaria o raio. Um único golpe arrasador para pôr um fim em Sammael e, ao mesmo tempo, acrescentar Illian ao pacote. Com Illian, Tear e Cairhien, e mais um exército Aiel grande o bastante para esmagar qualquer nação em semanas, ele…
— Você não quer nadar? Eu não nado bem, mas com certeza você pode me ensinar.
Rand suspirou. Por um momento, desejou que Aviendha estivesse ali. Não. A última coisa que ele queria era que Selande acabasse machucada, correndo e gritando com as roupas parcialmente rasgadas.
Baixou os olhos para ela e falou com tranquilidade, o cachimbo ainda na boca:
— Eu consigo canalizar. — Ela piscou e recuou sem mover um músculo. Nunca entendiam por que Rand sempre tocava naquele assunto. Para elas, era algo a ser mencionado de passagem, ignorado, se possível. — Dizem que eu vou enlouquecer. Mas ainda não estou louco. Ainda não. — Ele soltou uma risada profunda e então interrompeu-a abruptamente e deu ao próprio rosto uma expressão vazia. — Ensinar você a nadar? Posso fazê-la flutuar na água com o Poder. Saidin é maculado, você sabe. O toque do Tenebroso. Mas você não vai sentir. Vai envolvê-la por inteiro, mas você não vai sentir nada. — Outra risada, um pouco ofegante. Os olhos escuros da mulher estavam tão arregalados e redondos quanto possível, e havia um quê enojado em seu sorriso. — Mais tarde, então. Quero ficar sozinho, para pensar em… — Ele se curvou como se fosse beijá-la e, com um gritinho abafado, Selande se abaixou em uma reverência tão súbita que, a princípio, Rand pensou que ela havia caído.
Recuando e fazendo reverências afobadas a cada passo, a mulher gaguejou algo sobre como era uma honra servi-lo, que seu maior desejo era fazer isso, tudo com um tom de voz à beira da histeria, até tropeçar em um dos arcos quadrados. Uma última reverência curta, e ela disparou para dentro.
Rand fez uma careta e tornou a se virar para a balaustrada. Assustar uma mulher dessa maneira… Se tivesse apenas pedido para ela deixá-lo, Selande teria dado desculpas, entendido a ordem como apenas um contratempo momentâneo, a menos que fosse um comando direto para ficar bem longe dele, e, mesmo assim… Talvez a notícia sobre o ocorrido se espalhasse, dessa vez. Ele precisava manter seu temperamento em rédea curta. Ultimamente, andava perdendo o controle fácil demais. Era por causa da seca sobre a qual não podia fazer nada, dos problemas que brotavam feito erva por todos os lados. Mais alguns momentos sozinho com seu cachimbo. Quem governaria uma nação quando poderia ter uma tarefa mais fácil, como transportar água morro acima em um crivo?
Do outro lado do jardim, entre duas das torres escalonadas do Palácio Real, tinha uma vista de Cairhien, mal-iluminada e encoberta, domando as colinas mais do que erguendo-se sobre elas. Sua bandeira carmesim com o antigo símbolo das Aes Sedai pairava murcha acima de uma dessas duas torres, uma cópia minuciosa do Estandarte do Dragão acima da outra. Esta era exibida em uma dúzia de pontos da cidade, inclusive na mais alta das grandes torres inacabadas, bem à frente dele. Gritar surtira o mesmo pouco efeito que dar ordens. Nem tairenos nem cairhienos acreditaram que ele realmente falava sério ao dizer que só queria um estandarte, e que os Aiel não davam a mínima para estandartes, de um jeito ou de outro.
Mesmo agora, nos confins do palácio, ouvia os murmúrios de uma cidade lotada a ponto de estourar: refugiados de todos os cantos da região com mais medo de retornar para suas casas do que de ficar perto do Dragão Renascido. Mercadores afluindo e vendendo o que quer que as pessoas tivessem condições de comprar e comprando o que quer que elas não tivessem condições de manter. Lordes e homens armados aderindo ao estandarte de Rand ou ao de quem fosse. Caçadores da Trombeta acreditando que ela seria encontrada perto do Lorde Dragão; uma dezena de habitantes de Portão Frontal — ou uma centena — estavam prontos para vendê-la a qualquer um. Pedreiros Ogier do Pouso Tsofu querendo descobrir se havia trabalho para suas famosas habilidades. Aventureiros — alguns dos quais talvez fossem bandidos uma semana antes — vindos para ver o que conseguiriam. Houvera até cerca de cem Mantos-brancos, apesar de terem galopado assim que ficou claro que o cerco fora suspenso. O fato de que Pedro Niall estava reunindo Mantos-brancos o preocupava? Egwene lhe dava pistas sobre certos assuntos, mas ela via questões do ponto de vista da Torre Branca, onde quer que estivesse. O ponto de vista das Aes Sedai não era o dele.