— Talvez por conta de onde vieram — respondeu Moiraine —, e de quem vieram. — Não era uma explicação, mas era o máximo que ele teria, a não ser que exigisse mais. Ainda assim, teria que insistir. Ela mantinha o juramento, mas a seus próprios modos. — Não há nenhuma agulha envenenada nos lacres. Nem armadilhas urdidas.
Rand parou com o polegar na Chama de Tar Valon — não pensara em nada daquilo — e então a rompeu. Uma segunda Chama em cera vermelha repousava ao lado da assinatura, Elaida do Avriny a’Roihan, rabiscado com afobação acima dos títulos da mulher. O resto estava escrito com a letra angulada:
Não há como negar que você é aquele que foi profetizado, e ainda assim muitos vão tentar destruí-lo pelas outras coisas que você é. Para o bem do mundo, isso não pode ser permitido. Duas nações se ajoelharam para você, assim como os selvagens Aiel, mas o poder dos tronos é como poeira perto do Poder Único. A Torre Branca vai abrigá-lo e protegê-lo contra aqueles que se recusam a enxergar as coisas como devem ser. A Torre Branca vai cuidar para que você viva para ver Tarmon Gai’don. Ninguém mais é capaz disso. Uma escolta de Aes Sedai chegará para conduzi-lo a Tar Valon com a honra e o respeito que você merece. Isto eu lhe garanto.
— Ela nem pergunta — observou Rand, irônico.
Lembrava-se bem de Elaida, considerando que só se encontrara com ela uma vez. Uma mulher dura o bastante para fazer Moiraine parecer uma gatinha. “A honra e o respeito” que ele merecia. Rand poderia apostar que a escolta de Aes Sedai, por obra do acaso, teria treze mulheres.
Devolveu a carta de Elaida para Moiraine e abriu a outra. A página estava preenchida pela mesma letra que a endereçara:
Com todo o respeito, imploro humildemente para me fazer conhecida pelo Lorde Dragão Renascido, a quem a Luz abençoa como salvador do mundo.
Todo o mundo precisa prestar uma reverência a você, que conquistou Cairhien em um dia, assim como fez em Tear. Porém, eu lhe suplico, seja cauteloso, pois seu esplendor vai inspirar inveja até mesmo entre os que não foram laborados na Sombra. Mesmo aqui na Torre Branca há cegos que não conseguem enxergar sua verdadeira fulgurância, que iluminará a todos nós. Mas saiba que alguns comemoram sua chegada, e ficarão gratos de servir sua glória. Não somos daqueles que roubariam seu brilho, mas daqueles que se ajoelhariam para se aquecer diante de sua cintilância. Você vai salvar o mundo, segundo as Profecias, e o mundo será seu.
Para a minha vergonha, devo implorar para que você não permita que ninguém mais leia estas palavras, e para que as destrua assim que as tiver lido. Despida de sua proteção, estou em meio a pessoas que usurpariam seu poder, e não tenho como saber quem, em seu entorno, é tão fiel quanto eu. Soube que Moiraine Damodred pode estar com você. Ela pode servi-lo com devoção, tomando suas palavras como lei, como eu o farei, mas não tenho como saber, já que minha lembrança dela é de uma mulher reservada, muito afeita a intrigas, como são os cairhienos. Mas mesmo que você acredite que ela é sua vassala, como eu sou, imploro para que mantenha esta missiva em segredo, inclusive dela. Minha vida repousa sob seus dedos, milorde Dragão Renascido, e sou sua serva.
Alviarin Freidhen.
Rand leu a carta uma vez mais, incrédulo, e então entregou-a a Moiraine. Ela mal examinou a página antes de repassá-la a Egwene, que, junto com Aviendha, lia a outra carta. Poderia Moiraine já saber o que ambas continham?
— Que bom que você fez seu juramento — ponderou Rand. — Se tivesse continuado do jeito que era antes, tão sigilosa, eu poderia começar a desconfiar. Que bom que agora está mais aberta. — Ela não reagiu. — O que acha disso?
— Ela deve ter ouvido falar do seu ego inflado — respondeu Egwene, baixinho. Rand não achou que fosse para ele ouvir. Ela balançou a cabeça e disse mais alto: — Isso não parece nem um pouco com Alviarin.
— É a letra dela — assegurou Moiraine. — O que você acha disso, Rand?
— Acho que há uma competição na Torre, esteja Elaida sabendo disso ou não. Presumo que uma Aes Sedai tenha a mesma dificuldade para escrever uma mentira do que para falar. — Ele não esperou que ela aquiescesse. — Se Alviarin tivesse floreado menos, eu teria pensado que elas estavam trabalhando juntas para me trazer para o lado delas. Não consigo enxergar Elaida pensando nem em metade do que Alviarin escreveu, e não consigo vê-la tendo uma Curadora que escreveria isto, não com ela sabendo.
— Você não vai fazer nada disso — disse Aviendha, a carta de Elaida amassada na mão. Não foi uma pergunta.
— Não sou nenhum idiota.
— Não é, às vezes — retrucou ela, a contragosto, piorando ainda mais as coisas ao erguer uma sobrancelha questionadora para Egwene, que refletiu por um momento e então deu de ombros.
— Você vê mais alguma coisa? — indagou Moiraine.
— Vejo espiãs da Torre Branca — respondeu Rand, seco. — Elas sabem que eu controlo a cidade.
Durante pelo menos dois ou três dias após a batalha, os Shaido teriam impedido qualquer coisa indo para o norte que não fosse um pombo. Nem um cavaleiro que soubesse onde trocar de cavalo, o que não era fácil fazer entre Cairhien e Tar Valon, teria chegado na Torre a tempo destas cartas estarem ali hoje.
Moiraine sorriu.
— Você aprende rápido. Vai se sair bem. — Por um momento, pareceu quase afetuosa. — O que vai fazer a respeito?
— Nada, só garantir que a “escolta” de Elaida não chegue nem a uma milha de mim. — Treze das mais fracas Aes Sedai unidas seriam capazes de sobrepujá-lo, e ele não achava que Elaida mandaria as mais fracas. — Isso, e estar ciente de que a Torre fica sabendo de tudo que eu faço logo no dia seguinte. Nada além disso até eu descobrir mais. Será que Alviarin poderia ser uma das suas amigas misteriosas, Egwene?
Ela hesitou, e Rand de repente ficou se perguntando se Egwene dissera a Moiraine algo mais do que havia lhe dito. Eram segredos das Aes Sedai que ela guardava, ou das Sábias? Ao menos ela respondeu:
— Não sei — disse, simplesmente.
Ouviu-se uma batida na porta, e Somara pôs a cabeça loira para dentro.
— Matrim Cauthon está aí, Car’a’carn. Diz que você mandou chamá-lo.
Quatro horas antes, assim que ficara sabendo que Mat tinha voltado à cidade. Qual seria a desculpa desta vez? Estava na hora de acabar com as desculpas.
— Fiquem — ordenou às mulheres. Sábias deixavam Mat quase tão desconfortável quanto Aes Sedai. Aquelas três o tirariam o sério. Rand não pensou nem hesitou em usá-las. Também usaria Mat. — Mande-o entrar, Somara.
Mat entrou sorrindo e a passos lentos, como se estivesse adentrando um salão de estalagem. Seu casaco verde estava desabotoado, e a camisa, parcialmente desamarrada, expondo a prateada cabeça de raposa que balançava em seu peito suado, mas o cachecol de seda escura, apesar do calor, estava envolto no pescoço para esconder a cicatriz do enforcamento.
— Desculpe se demorei muito. Alguns cairhienos achavam que sabiam jogar cartas. Ele não sabe tocar nada mais animado? — perguntou, indicando Asmodean com a cabeça.
— Ouvi falar — começou Rand — que todos os jovens capazes de pegar em uma espada querem se juntar ao Bando da Mão Vermelha. Talmanes e Nalesean estão tendo que despachá-los aos montes. E Daerid dobrou seu número de lacaios.
Mat fez uma pausa ao se sentar na cadeira que Aracome ocupara.
— É verdade. Um belo grupo de jovens… camaradas querendo ser heróis.
— O Bando da Mão Vermelha — murmurou Moiraine. — Shen an Calhar. Um grupo lendário de heróis, de fato, embora os homens que o formavam devam ter mudado muitas vezes durante uma guerra que durou bem mais de trezentos anos. Dizem que eles foram os últimos a tombar nas mãos dos Trollocs, fazendo a guarda do próprio Aemon quando Manetheren morreu. Reza a lenda que, para marcar a passagem deles, uma fonte nasceu onde eles caíram, mas eu penso que a fonte já estava lá.