Enquanto a mulher se levantava, Melaine falou. E soou hesitante, o que era estranho, partindo dela.
— Eu tenho que… Eu preciso da sua ajuda, Bair. Da sua também, Amys. — A mais velha voltou a se acomodar, e tanto ela quanto Amys encararam Melaine com expectativa. — Eu… queria pedir a vocês que falassem com Dorindha para mim. — As últimas palavras saíram de forma apressada. Amys abriu um largo sorriso, e Bair gargalhou. Aviendha também pareceu entender e ficar surpresa, mas Egwene estava perdida.
Então Bair sorriu.
— Você sempre disse que não precisava de um marido e nem queria um. Eu já enterrei três, e não me importaria em ter outro. Eles são muito úteis em noites frias.
— Uma mulher pode mudar de opinião. — A voz de Melaine soou firme, mas as bochechas coradíssimas a contradiziam. — Não consigo ficar longe de Bael, e não posso matá-lo. Se Dorindha me aceitar como sua esposa-irmã, farei minha grinalda nupcial para colocar aos pés de Bael.
— E se, em vez de aceitar, ele preferir pisar nela? — questionou Bair.
Amys jogou a cabeça para trás, gargalhando e dando tapas nas coxas.
Egwene achava que não havia muito risco de aquilo acontecer, não do modo como funcionavam os costumes Aiel. Se Dorindha decidisse que queria ter Melaine como esposa-irmã, Bael não teria muito o que opinar sobre o assunto. Já não era um choque para ela que um homem pudesse ter duas esposas. Não totalmente. Terras diferentes, costumes diferentes, repetia com firmeza para si mesma. Nunca tinha se obrigado a perguntar, mas, até onde sabia, era possível que uma mulher Aiel tivesse dois maridos. Eram uma gente muito estranha.
— Peço que vocês sejam minhas irmãs-primeiras neste assunto. Acho que Dorindha gosta de mim o suficiente.
Assim que Melaine acabou de falar, a diversão das outras mulheres se transformou em outra coisa. Elas ainda riam, mas a abraçavam e lhe diziam o quanto estavam felizes por Melaine e como ela se daria bem com Bael. Amys e Bair, pelo menos, davam como certo que Dorindha a aceitaria. As três saíram quase que de braços dados, ainda sorrindo e dando risadinhas feito garotas, mas não sem antes mandar Egwene e Aviendha arrumarem a tenda.
— Egwene, uma mulher da sua terra poderia aceitar uma esposa-irmã? — indagou Aviendha, usando uma vara para destampar o buraco por onde saía a fumaça.
Egwene gostaria de ter deixado aquela tarefa por último, já que o calor começou a se dissipar imediatamente.
— Não sei — respondeu, recolhendo bem rápido as xícaras e o jarro de mel. As staera também foram para a bandeja. — Acho que não. Talvez se fosse uma amiga muito próxima… — acrescentou, mais do que depressa. Não havia por que dar a impressão de estar criticando os hábitos Aiel.
Aviendha respondeu com um grunhido e abriu a tenda.
Com os dentes batendo tão alto quanto o barulho das xícaras de chá e das lâminas de bronze chacoalhando na bandeja, Egwene escapou para fora. As Sábias se vestiam sem pressa, como se o clima da noite fosse ameno e elas estivessem nos dormitórios de algum forte. Uma figura de roupão branco, bem pálida à luz da lua, apanhou a bandeja das mãos de Egwene, que logo começou a procurar seu manto e os sapatos. Os objetos não se encontravam entre as vestimentas que ainda restavam pelo chão.
— Mandei levar suas coisas para sua tenda — informou Bair, amarrando o laço da blusa. — Você não vai precisar delas ainda.
O estômago de Egwene foi parar nos pés. Dando pulinhos sem sair do lugar, mexeu os braços em uma tentativa inútil de se aquecer. Pelo menos ninguém lhe pediu para parar. De repente, percebeu que a figura com roupão cor de neve que segurava a bandeja era alta demais até para uma Aiel. Trincando os dentes, olhou para as Sábias, que pareciam não dar a mínima se ela fosse congelar até a morte enquanto pulava. Para uma Aiel, talvez não importasse nada que um homem as tivesse visto nuas, ao menos se esse homem fosse um gai’shain, mas para ela, sim!
Aviendha se juntou ao grupo logo depois, e, ao ver Egwene dando pulinhos, ficou parada sem fazer o menor esforço para encontrar suas roupas. Não demonstrava sentir mais frio do que as Sábias.
— Bem — disse Bair, ajustando o xale nos ombros. — Você, Aviendha, não só é tão teimosa quanto um homem, como não consegue se lembrar de uma tarefa simples que já realizou inúmeras vezes. Você, Egwene, é tão teimosa quanto, e ainda acha que, quando é chamada, pode se demorar em sua tenda. Vamos torcer para que cinquenta voltas correndo em torno do acampamento deem um jeito nessa teimosia, clareiem suas ideias e façam vocês se lembrarem de como se responde a um chamado e como se realiza uma tarefa. Podem ir.
Sem dar um pio, Aviendha começou a trotar em direção à extremidade do acampamento, desviando-se sem dificuldade das cordas das tendas, envoltas pela escuridão. Egwene hesitou por apenas um instante antes de acompanhá-la. A Aiel mantinha um ritmo lento, o que lhe permitiu alcançá-la. O ar da noite era congelante, e o barro pedregoso e rachado sob seus pés estava igualmente frio e ainda tentava prender seus dedos. Aviendha corria com incrível facilidade.
Quando chegaram à última tenda e se viraram na direção sul, sua amiga perguntou:
— Sabe por que me dedico tanto aos estudos? — Nem o frio nem a corrida alteraram sua voz.
Egwene tremia tanto que mal conseguia falar.
— Não. Por quê?
— Porque Bair e as outras sempre citam você e me contam como aprende rápido, como ninguém precisa lhe explicar nada duas vezes. Dizem que eu preciso seguir seu exemplo. — Aviendha lançou um olhar de soslaio na direção de Egwene, que se viu compartilhando risadinhas enquanto as duas corriam. — Essa é uma parte do porquê. As coisas que estou aprendendo a fazer… — Ela balançou a cabeça, sua expressão maravilhada bem nítida, mesmo à luz do luar. — E o próprio Poder. Eu nunca tinha me sentido assim. Tão viva. Sinto até o aroma mais tênue e a perturbação mais sutil no ar.
— É bastante perigoso usar o Poder em excesso ou por muito tempo — alertou Egwene. A corrida pareceu aquecê-la um pouco, embora, de vez em quando, um calafrio percorresse seu corpo. — Eu já lhe disse isso, e sei que as Sábias também.
Aviendha bufou.
— Você acha que eu enfiaria uma lança no meu próprio pé?
Por um tempo, correram em silêncio.
— Rand realmente…? — perguntou Egwene, por fim. O frio não tinha nada a ver com sua dificuldade de colocar as palavras para fora. Na verdade, estava começando a suar de novo. — É que… Isendre? — Egwene não conseguiria ser mais clara do que aquilo.
Depois de uns instantes, Aviendha respondeu, hesitante.
— Não acho que ele tenha feito isso. — A jovem soava irritada. — Mas por que ela ignoraria o risco de apanhar com vara se ele não tivesse demonstrado interesse? Isendre é uma aguacenta de coração mole que espera os homens a cortejarem. Eu percebi como Rand olhou para ela, embora ele tenha tentado esconder. Ele gostou do que viu.
Egwene se perguntou se a amiga pensava nela como uma aguacenta de coração mole. Provavelmente não, ou não seriam amigas. Mas Aviendha nunca aprendera a se preocupar se o que dizia poderia magoar alguém, e provavelmente se surpreenderia se soubesse que Egwene sequer pensara em ficar magoada.
— Do jeito que as Donzelas fazem Isendre se vestir — admitiu Egwene com relutância —, qualquer homem olharia.
Lembrando-se de que ela própria estava sem roupa alguma em público, Egwene tropeçou e quase caiu, olhando nervosamente para os lados. Até onde enxergava, a noite estava vazia. Mesmo as Sábias já haviam se recolhido em suas tendas. Quentinhas debaixo dos cobertores. Egwene estava suando, mas as gotículas pareciam querer congelar assim que brotavam.
— Ele pertence a Elayne — afirmou Aviendha categoricamente.