Por um momento, Rand ficou paralisado de choque. A mãe de Elayne nas mãos de um dos Abandonados. Ainda assim, não ousou demonstrar a preocupação. Lanfear já revelara seus ciúmes mais de uma vez. Era capaz de caçar e matar Elayne se sequer desconfiasse de que Rand nutria sentimentos por ela. E o que exatamente sinto por ela? Afora isso, uma dura ideia flutuava além do Vazio, fria e cruel em sua veracidade. Rand não correria para atacar Rahvin, mesmo que Lanfear estivesse dizendo a verdade. Perdoe-me, Elayne, mas não posso. A Abandonada podia muito bem estar mentindo — e não derramaria nenhuma lágrima caso ele matasse algum outro Abandonado, já que todos atrapalhavam os planos dela —, mas, em todo caso, já estava cansado de reagir às ações alheias. Se fizesse isso, poderiam pressupor seus planos. Era melhor que reagissem a ele, e que ficassem tão surpresos quanto Lanfear e Asmodean haviam ficado.
— Rahvin acha que vou correr para salvar Morgase? Só a vi uma vez na vida. Dois Rios faz parte de Andor no mapa, mas nunca vi nenhum homem da Guarda da Rainha por lá. Há várias gerações que ninguém vê. Diga a um homem de Dois Rios que Morgase é sua rainha, e ele provavelmente vai achar que você é louca.
— Duvido que Rahvin espere que você corra para defender sua terra natal — opinou Lanfear, irônica. — Mas deve esperar que você defenda suas ambições. A intenção dele é colocar Morgase no Trono do Sol também, para usá-la como fantoche até que possa se revelar. Mais soldados andorianos chegam a Cairhien todos os dias. E você enviou tropas tairenas para o norte, para assegurar seu domínio da região. Não surpreende ele ter atacado você assim que o encontrou.
Rand balançou a cabeça. Não havia sido exatamente aquele o motivo do envio dos tairenos, mas não esperava que a mulher entendesse. Ou que acreditasse, caso lhe contasse a verdadeira razão.
— Agradeço pelo aviso.
Ser educado com uma Abandonada! Claro que só podia torcer para que alguma coisa do que ela lhe contara fosse verdade. Um bom motivo para não matá-la. Ela vai lhe revelar mais do que imagina, se você ouvir com atenção. Rand esperava que aquele pensamento fosse de fato seu, frio e cínico daquele jeito.
— Você protege os seus sonhos de mim.
— Protejo de todos. — Era verdade, embora, na lista de Rand, Lanfear ocupasse uma posição tão proeminente quanto a das Sábias.
— Os sonhos são meus. Você e seus sonhos são especialmente meus. — O rosto de Lanfear permanecia suave, mas a voz endureceu. — Posso quebrar suas barreiras. Você não iria gostar.
Para demonstrar seu pouco caso, Rand se sentou na beirada do estrado, as pernas cruzadas e as mãos nos joelhos. Pensava que seu rosto estava tão calmo quanto o dela. Por dentro, o Poder se avolumava. Tinha fluxos de Ar prontos para amarrá-la, além de fluxos de Espírito. Eram esses que blindavam as pessoas da Fonte Verdadeira. Quebrara a cabeça para entender como aquilo funcionava, e agora já nem se lembrava mais. Sem aqueles fluxos, os outros seriam inúteis. Lanfear poderia despedaçar ou abrir caminho por qualquer coisa que ele tecesse, mesmo que não conseguisse enxergar o que era. Asmodean vinha tentando ensinar esse truque a Rand, mas a missão era complicada sem a tessitura de uma mulher com a qual praticar.
Lanfear o encarou de um jeito desconcertado, um leve franzir de cenho maculando sua beleza.
— Já analisei os sonhos das Aiel. Dessas que chamam de Sábias. Elas não sabem se proteger muito bem. Eu poderia apavorá-las até elas nunca mais sonharem e, certamente, nunca mais sequer pensarem em invadir seus sonhos.
— Pensei que você não fosse me ajudar tão abertamente. — Não ousou dizer a ela para deixar as Sábias em paz. Lanfear poderia muito bem fazer algo para irritá-lo, e demonstrara desde o início, até falara, que pretendia ter a palavra final. — Não haveria o risco de outro Abandonado descobrir? Você não é a única que sabe entrar nos sonhos das pessoas.
— Os Escolhidos — corrigiu ela, distraidamente. Por um momento, apenas mordiscou o lábio. — Também já acompanhei os sonhos da garota. Egwene. Até pensei que você nutrisse sentimentos por ela. Sabe com quem ela sonha? Com o filho e o enteado de Morgase. Mais frequentemente com o filho, Gawyn. — Sorrindo, sua voz adquiriu um tom de surpresa fingida. — Você não acreditaria que uma garotinha do campo teria sonhos como aqueles.
Rand percebeu que Lanfear estava tentando testar seus ciúmes. Ela achava mesmo que ele protegia os sonhos para esconder que pensava em outra mulher!
— As Donzelas me vigiam de perto — retrucou, seco. — Se quiser saber quão de perto, dê uma olhada nos sonhos de Isendre.
As bochechas da mulher ficaram vermelhas. Claro. Não era para Rand perceber o que ela estava fazendo. Confusão flutuou fora do Vazio. Ou ela pensava que…? Isendre? Lanfear sabia que ela era um dos Amigos das Trevas. Em primeiro lugar, fora Lanfear quem trouxera Kadere e a mulher para o Deserto. E que plantara a maior parte das joias que Isendre fora acusada de roubar. As maldades de Lanfear eram cruéis mesmo quando frívolas. Ainda assim, se pensava que Rand podia amá-la, não devia considerar um obstáculo o fato de Isendre ser Amiga das Trevas.
— Eu devia ter deixado que mandassem aquela mulher para a Muralha do Dragão — prosseguiu ele, com toda a naturalidade. — Mas eu não tinha como saber o que ela diria para tentar se salvar. Preciso proteger Isendre e Kadere em alguma medida, para proteger Asmodean.
O rubor sumiu, mas, quando Lanfear abriu a boca de novo, alguém bateu à porta. Rand se pôs de pé mais do que depressa. Mesmo que ninguém fosse reconhecer Lanfear, se vissem uma mulher no quarto dele, uma mulher que nenhuma das Donzelas lá embaixo vira entrar, perguntas seriam feitas, e ele não teria como respondê-las.
Lanfear, porém, já abrira um portão para algum lugar cheio de pratarias e tapeçarias de seda branca.
— Lembre-se de que sou sua única esperança de sobrevivência, meu amor. — Era uma voz bem fria para chamar alguém de “meu amor”. — Ao meu lado, você não precisa ter medo de nada. Ao meu lado, poderá governar… tudo o que existe ou existirá. — Lanfear ergueu as saias cor de neve e atravessou o portão, que se fechou em um piscar de olhos.
O som da batida na porta ecoou novamente antes que Rand pudesse largar saidin e abri-la.
Enaila bisbilhotou, desconfiada, atrás dele.
— Achei que Isendre talvez… — Ela lançou um olhar acusador na direção de Rand. — As irmãs-de-lança estão procurando você por toda parte. Ninguém o viu retornar. — Ela se empertigou, balançando a cabeça. Sempre tentava ficar o mais alta possível. — Os chefes vieram falar com o Car’a’carn — anunciou, com formalidade. — Estão esperando lá embaixo.
Na verdade, eles estavam aguardando em um pórtico, já que eram homens. O céu ainda estava escuro, mas os primeiros raios da alvorada delineavam as montanhas a leste. Se estavam impacientes por causa das duas Donzelas plantadas entre eles e a porta, seus rostos sombreados não demonstravam.
— Os Shaido estão em marcha — grunhiu Han, assim que Rand surgiu. — E os Reyn, os Miagoma, os Shiande… Todos os clãs!
— Para se juntar a Couladin ou a mim? — indagou Rand.
— Os Shaido estão a caminho de Passo de Jangai — informou Rhuarc. — Quanto aos outros, ainda é cedo demais para dizer. Mas estão em marcha com todas as lanças que não são necessárias para defender os fortes, rebanhos e manadas.
Rand apenas assentiu. Tanta determinação em não deixar ninguém mais ditar o que ele faria, e agora aquilo. Independentemente do que os outros clãs pretendessem, Couladin estava planejando uma travessia até Cairhien. Se os Shaido arrasassem Cairhien enquanto ele estava sentado em Rhuidean esperando pelos outros clãs, podia se despedir dos planos ambiciosos de impor a paz.