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Jasin Natael estava praticamente nos calcanhares de Rand, com a harpa às costas segurando as rédeas de uma mula encilhada comprada de Mestre Kadere. Vestia-se de maneira ainda mais elaborada, com um bordado prateado cobrindo quase completamente o manto negro e babados de renda branca no pescoço e nos punhos. Até as botas eram trabalhadas em prata no local onde se dobravam, na altura dos joelhos. A capa do menestrel estragava a produção com seus remendos, mas menestréis eram uma gente estranha.

Os comerciantes usavam o cadin’sor, e, apesar de suas adagas serem menores que as de guerreiros, Egwene sabia que todos dariam conta de manejar uma lança, caso fosse necessário. Tinham uma parte, se não toda, da graciosidade mortal dos irmãos que empunhavam lanças. As comerciantes, em blusas de algode brancas e folgadas, e saias de lã, com xales e echarpes, eram mais fáceis de distinguir. Exceto pelas Donzelas e pelas gai’shain — e Aviendha —, as Aiel sempre usavam diversos braceletes e colares de ouro e marfim, prata e pedras preciosas, algumas peças feitas pelos próprios Aiel, algumas comercializadas, outras pilhadas. As comerciantes, no entanto, se enfeitavam com o dobro disso, se não mais.

Egwene ouviu parte do que Rand estava dizendo aos comerciantes.

— … deixem os pedreiros Ogier livres para criar, durante a reconstrução. O máximo que conseguirem. Não faz sentido tentar apenas reconstruir o passado.

Então ele estava mandando aqueles homens ao pouso para pedir que os Ogier reconstruíssem Rhuidean. Aquilo era bom. Muito de Tar Valon tinha sido obra dos Ogier. E tudo que eles haviam construído segundo as próprias vontades tinha uma beleza de tirar o fôlego.

Mat já estava montado em seu cavalo, Pips, com o chapéu de aba larga puxado para baixo e o cabo daquela lança esquisita repousando no estribo. Como de costume, o manto verde de gola alta estava todo amarrotado. Egwene evitara os sonhos dele. Uma das Donzelas, uma mulher muito alta de cabelos dourados, abriu um sorriso maroto que pareceu deixar Mat constrangido. E deveria mesmo. Era velha demais para ele. Egwene bufou. Sei bem com o que ele estava sonhando, muito obrigada! Só parou a égua ao lado dele para procurar Aviendha.

— Rand disse a ela para ficar quieta, e ela ficou — comentou Mat, assim que Egwene parou Bruma.

O Rapaz indicou Moiraine e Lan com a cabeça, ela trajando seda azul-clara e agarrada às rédeas da égua branca, ele com a capa de Guardião, segurando o grande cavalo de batalha negro. Lan observava Moiraine com atenção, a expressão neutra como sempre, enquanto a mulher, fitando Rand, parecia prestes a explodir de impaciência.

— Ela começou a dizer que ele não deveria fazer isso, e me pareceu que estava falando aquilo pela centésima vez, então Rand disse “Já decidi, Moiraine. Vá ali para o lado e fique quieta até eu ter tempo para você”. Ele parecia esperar que Moiraine obedecesse. E Moiraine obedeceu. Aquilo ali saindo da orelha dela é fumaça?

A gargalhada de Mat foi tão prazerosa, tão satisfeita com a própria sagacidade, que Egwene quase agarrou saidar e deu uma lição nele ali mesmo, na frente de todo mundo. Em vez disso, bufou outra vez, alto o bastante para que Mat percebesse que fora para ele, para seu bom humor e para sua gargalhada. O rapaz lhe lançou um olhar sarcástico de soslaio e voltou a rir, o que não melhorou em nada o humor dela.

Por um momento, Egwene encarou Moiraine, perplexa. A Aes Sedai fizera o que Rand mandara? Sem reclamar? Aquilo era como ver uma das Sábias obedecendo ordens, ou o sol nascendo à meia-noite. Ouvira falar sobre o ataque, claro. Boatos a respeito de cães gigantes que haviam deixado pegadas em pedra circulavam por toda parte naquela manhã. Não entendia o que uma coisa poderia ter a ver com a outra, mas, afora a notícia sobre os Shaido, aquela era a única novidade que escutara, e não era o bastante para causar aquele tipo de reação. Nada em que pensasse era o bastante. Moiraine com certeza lhe diria que aquilo não era de sua conta, mas, de uma maneira ou de outra, Egwene acabaria descobrindo. Não gostava de não compreender as coisas.

Ao divisar Aviendha de pé no último degrau do Teto, Egwene conduziu Bruma até o outro lado da multidão que cercava Rand. A Aiel o encarava tão firmemente quanto a Aes Sedai, mas sem demonstrar qualquer emoção. Girava o bracelete de marfim no punho sem parar, parecendo não se dar conta do gesto. Por algum motivo, aquele bracelete era parte de seus problemas com Rand. Egwene não compreendia. Aviendha se recusava a falar sobre o assunto, e não havia outra pessoa a quem perguntar, não quando a questão poderia deixar a amiga constrangida. O bracelete de marfim da própria Egwene, com as chamas entalhadas, fora um presente de Aviendha para sacramentá-las como quase-irmãs. Em retribuição, Egwene dera o colar de prata que Aviendha usava, e que Mestre Kadere afirmara se tratar de uma forma Kandori chamada flocos de neve. Tivera de pedir ajuda a Moiraine para conseguir comprá-lo, mas a peça lhe parecera apropriada para uma mulher que jamais veria neve. Ou que jamais teria visto, se não estivesse para sair do Deserto. As chances de que voltasse antes do inverno eram pequenas. O que quer que aquele bracelete significasse, Egwene sabia que acabaria decifrando a charada.

— Você está bem? — perguntou. Ao se inclinar para saltar da sela de cepilho alto, as saias se levantaram até deixar as pernas à mostra, mas a preocupação com a amiga era tamanha que ela mal percebeu.

Egwene precisou repetir a pergunta antes de Aviendha se sobressaltar e olhar para ela.

— Se estou bem? Claro que sim.

— Me deixe falar com as Sábias, Aviendha. Tenho certeza de que consigo convencer todas elas de que não podem simplesmente obrigar você a… — Não teve coragem de terminar a frase, não ali, onde qualquer pessoa em meio à multidão poderia ouvi-la.

— Ainda está preocupada com isso? — Aviendha mexeu no xale cinza e balançou a cabeça de leve. — Seus costumes são muito estranhos para mim. — O olhar da garota foi arrastado de volta para Rand feito limalhas de ferro atraídas por uma magnetita.

— Você não precisa ter medo dele.

— Não tenho medo de homem nenhum — retrucou a outra, os olhos cintilando um fogo azul-esverdeado. — Não quero que haja problemas entre nós, Egwene, mas você não deveria dizer essas coisas.

Egwene suspirou. Amiga ou não, Aviendha era bem capaz de tentar lhe dar umas bofetadas caso se sentisse ofendida. Em todo caso, ela também não tinha certeza de que a amiga admitiria. O sonho de Aviendha fora doloroso demais para ser acompanhado por muito tempo. Completamente nua, exceto por aquele bracelete de marfim que parecia pesar cem libras, Aviendha corria o mais rápido possível por um terreno plano de barro rachado. Atrás dela vinha Rand, um gigante com o dobro do tamanho de um Ogier, montado em um imenso Jeade’en e alcançando-a lenta, mas inexoravelmente.

No entanto, não podia dizer na cara de uma amiga que ela estava mentindo. O rosto de Egwene enrubesceu um pouco. Especialmente quando, para fazer isso, precisaria admitir o quanto sabia. Aí sim ela me daria uma bofetada. Não vou fazer de novo. Nada de ficar inspecionando os sonhos alheios. Bom, não os sonhos de Aviendha. Não era certo espionar sonhos de amigos. Não que aquilo fosse exatamente espionar, mas, ainda assim…

A multidão em torno de Rand começou a se dispersar. Ele montou em sua sela com facilidade, no que foi imediatamente imitado por Natael. Entretanto, uma das comerciantes, uma mulher de rosto largo e cabelos cor de fogo que usava uma pequena fortuna em ouro trabalhado, gemas lapidadas e marfim entalhado, continuou por perto.

Car’a’carn, sua intenção é partir para sempre da Terra da Trindade? Você falou como alguém que não vai voltar nunca mais.