Todos os demais pararam e se viraram para eles. O silêncio se propagou com uma crescente onda de murmúrios que relatavam o que havia sido perguntado.
Por um momento, Rand também ficou em silêncio, examinando os rostos que o encaravam, até finalmente se pronunciar.
— Espero retornar, mas quem pode afirmar o que vai acontecer? Há de ser como a Roda tecer. — Com todos os olhos cravados nele, Rand hesitou. — Mas vou lhes deixar algo para que se lembrem de mim — completou, enfiando a mão no bolso do manto.
Abruptamente, uma fonte ganhou vida perto do Teto, a água jorrando da boca de golfinhos destoantes apoiados nas caudas. Adiante, a estátua de um jovem com uma trombeta erguida para o céu de repente passou a esguichar água, e depois, mais à frente, duas mulheres de pedra borrifaram água pelas mãos. Estupefatos e imóveis, os Aiel apenas assistiam enquanto todas as fontes de Rhuidean voltavam a fluir.
— Eu já deveria ter feito isso há muito tempo. — Rand murmurara para si mesmo, mas, naquela quietude, Egwene o escutou com absoluta clareza. O respingar de centenas de fontes era o único outro barulho que se ouvia. Natael deu de ombros, como se não esperasse menos.
Era para Rand que Egwene olhava, não para as fontes. Um homem capaz de canalizar. Rand. Ele ainda é Rand, apesar de tudo. Porém, a cada vez que o via canalizar era como se descobrisse de novo que ele tinha aquela capacidade. Durante a juventude, aprendera que apenas o Tenebroso devia ser mais temido do que um homem capaz de canalizar. Talvez Aviendha esteja certa em ter medo dele.
Quando olhou para a amiga, no entanto, viu que uma fascinação absoluta brilhava em seu rosto. Toda aquela água deliciava a Aiel tanto quanto o mais belo vestido de seda ou um jardim repleto de flores teria impressionado Egwene.
— Hora de marchar — anunciou Rand, guiando o animal malhado rumo ao oeste. — Quem não estiver pronto vai ter que nos alcançar.
Montado na mula, Natael o acompanhou de perto. Por que Rand permitia que um puxa-saco como aquele ficasse colado nele?
Os chefes de clã começaram a dar ordens prontamente, e o burburinho ficou dez vezes mais intenso. Donzelas e Buscadores das Águas saíram em disparada, e mais Far Dareis Mai cercaram Rand feito uma guarda de honra, acabando por cercar Natael também. Colada ao estribo de Rand, Aviendha caminhava ao lado de Jeade’en e acompanhava o garanhão com facilidade, galope a galope, mesmo nas saias volumosas.
Posicionando-se ao lado de Mat, atrás de Rand e sua escolta, Egwene franziu o rosto. A amiga voltara a exibir aquele olhar de determinação implacável, como se tivesse de enfiar o braço na toca de uma víbora. Preciso fazer algo para ajudá-la. Quando Egwene decidia dar conta de um problema, não desistia.
Moiraine se acomodou na sela e, com a mão enluvada, deu tapinhas no pescoço arqueado de Aldieb, mas preferiu não seguir Rand de imediato. Hadnan Kadere trazia os carroções pela rua, ele próprio conduzindo o da frente. Ela devia ter feito o homem desmontar aquele carroção para que pudesse carregá-lo de objetos, tal qual fizera com os demais. Kadere tinha tanto medo dela e de qualquer Aes Sedai que teria obedecido. O batente de porta ter’angreal estava muito bem preso no carroção logo atrás de Kadere, com telas amarradas por cima para que ninguém voltasse a atravessá-lo acidentalmente. Uma longa fileira de Aiel — os Seia Doon, os Olhos Negros — acompanhava o comboio pelos dois lados.
Kadere lhe fez uma reverência, do assento de condutor, mas o olhar de Moiraine percorreu toda a fileira de carroções até a grande praça que circundava a floresta de finas colunas de vidro, já brilhando à luz do sol. Se pudesse, levaria tudo que havia na esplanada, em vez da pequena fração que coubera nos carroções. Alguns objetos eram grandes demais. Como os três arcos de metal cinza sem brilho, de pé e unidos no meio, cada um medindo mais de duas passadas de largura. Uma corda de couro trançado fora amarrada em torno da peça, alertando a todos para que não entrassem nela sem a permissão das Sábias. Não que fosse provável que alguém o fizesse, claro. Só os chefes de clãs e as Sábias entravam naquela praça e se mantinham tranquilas. E apenas as Sábias tocavam no que quer que fosse, e o faziam de forma bastante reticente.
Por incontáveis anos, o segundo teste enfrentado por uma Aiel que desejasse se tornar Sábia era entrar no conjunto de colunas cintilantes de vidro, vendo exatamente o que os homens viam. Mais mulheres sobreviviam àquilo do que homens — Bair dizia que era porque as mulheres eram mais fortes, e Amys afirmava que era porque as fracas demais para sobreviver eram eliminadas antes de atingir aquele ponto, mas não havia certeza de nada. As mulheres que sobreviviam não eram marcadas. Segundo as Sábias, só os homens necessitavam de marcas visíveis. Para as mulheres, sobreviver já bastava.
O primeiro teste, o primeiro crivo antes mesmo de qualquer treinamento, era passar por um daqueles três arcos. Qual deles não importava, ou talvez a escolha fosse uma questão de destino. Ao que parecia, aquele passo levava a mulher a viver e reviver sua vida incontáveis vezes, o futuro escancarado à frente, todos os futuros possíveis, com base em cada decisão que ela pudesse vir a tomar até o fim da vida. A morte também era uma das possibilidades. Algumas mulheres não conseguiam se defrontar com o futuro, assim como outras não davam conta do passado. Claro que todas as possibilidades de futuro eram opções demais para que a mente as retivesse. Em sua maioria, elas se misturavam e esvaneciam, mas a mulher adquiria um senso do que aconteceria em sua vida, do que deveria e do que poderia acontecer. Em geral, isso permanecia oculto até a pessoa se ver diante do momento em questão. Nem sempre, porém. Moiraine atravessara aqueles arcos.
Uma colher de esperança e uma xícara de desespero, pensou.
— Não gosto de ver você assim — comentou Lan.
No dorso de Mandarb e alto como era, ele a encarava de cima, a inquietação lhe fazendo estreitar o canto dos olhos. Em Lan, aquilo significava tanto quanto lágrimas de frustração em qualquer outro homem.
Aiel passavam pelos dois lados dos cavalos de Moiraine e Lan, além de gai’shain com animais de carga. Moiraine se surpreendeu ao notar que os carroções de água de Kadere já haviam lhe ultrapassado. Não percebera que passara tanto tempo olhando para a esplanada.
— Assim como? — indagou, virando a égua na direção da multidão. Rand e sua escolta já tinham deixado a cidade.
— Preocupada — respondeu Lan, sem rodeios, o rosto pétreo já completamente neutro. — Com medo. Nunca vi você com medo, nem quando estávamos cercados de Trollocs e Myrddraal, nem mesmo quando soube que os Abandonados estavam soltos e que Sammael estava bem perto de nós. O fim está próximo?
Moiraine pulou de susto e se arrependeu na hora. Lan estava olhando para a frente, por cima das orelhas do garanhão, mas nunca perdia nenhum detalhe. Ela às vezes pensava que aquele homem podia ver até uma folha caindo atrás de si.
— Está falando de Tarmon Gai’don? Um passarinho em Seleisin sabe tanto quanto eu. Queira a Luz, não enquanto algum dos selos continuar intacto.
Os dois que encontrara também estavam em um dos carroções de Kadere, embalados individualmente em uma caixa cheia de lã. Moiraine se assegurara de que ficassem em um carroção diferente do que continha o batente de porta de pedra vermelha.
— De que mais eu estaria falando? — perguntou o Guardião, hesitante, ainda sem olhá-la, fazendo Moiraine desejar que tivesse mordido a língua. — Você se tornou… impaciente. Ainda lembro de quando esperava semanas para ouvir uma informaçãozinha que fosse, uma só palavra, sem sentir qualquer comichão, mas agora… — Lan enfim a encarou, um olhar azul que teria intimidado a maior parte das mulheres. E dos homens. — E quanto àquele juramento que você fez ao rapaz, Moiraine. O que, sob a Luz, a possuiu?