— Siuan Sanche e Elaida se trancaram com Morgase… — Pronto, voltara a mencionar o nome dela, e nem se dera conta. — E, quando saíram, Morgase era metade trovoada, com relâmpagos escapando pelos olhos, e metade uma garotinha de dez anos que tinha levado uma surra da mãe por ter roubado alguns bolinhos. Ela é uma mulher durona, mas presa entre Elaida e o Trono de Amyrlin… — Bryne balançou a cabeça, e os homens riram. Ter a atenção das Aes Sedai era algo que nenhum deles invejava em lordes e governantes. — Ela ordenou que eu retirasse imediatamente todas as tropas da fronteira com Murandy. Pedi para que discutíssemos a questão em particular, mas Siuan Sanche partiu para cima de mim. Diante de metade da corte, me deu um pito de cabo a rabo, como se eu não passasse de um recruta bronco. Disse que, se eu não fizesse o que me mandavam fazer, ela me usaria como isca para peixes.
Bryne implorara pelo perdão dela, antes que a mulher terminasse — na frente de todo mundo, e só por ter feito o que jurara fazer —, mas não havia necessidade de mencionar essa parte. Mesmo ao final, não tivera certeza de que Siuan não faria Morgase lhe cortar a cabeça, ou de que ela mesma não o faria.
— Para ela, deve ter sido como fisgar um peixe enorme. — Alguém gargalhou, e todos os demais acompanharam.
— O resultado — prosseguiu Bryne — foi que meu couro acabou chamuscado, e os guardas se afastaram da fronteira. Então, se estão esperando que eu proteja vocês em Ebou Dar, basta se lembrarem de que, na minha opinião, aquelas atendentes pendurariam até a Amyrlin para secar ao lado do resto de nós.
Os homens urraram de tanto gargalhar.
— O senhor chegou a descobrir do que se tratava, milorde? — quis saber Joni.
Bryne balançou a cabeça.
— Algum assunto das Aes Sedai, imagino. Para tipos como eu e você, elas não contam o que estão planejando. — Aquelas palavras renderam mais algumas risadas.
Os homens montaram com um vigor que desmentia suas idades. Alguns deles não têm mais idade que eu, pensou Bryne, secamente. Velho demais para sair perseguindo um belo par de olhos, jovens o bastante para ser de uma filha, se não de uma neta. Eu só quero saber por que ela quebrou o juramento, afirmou com firmeza para si mesmo. Só isso.
Erguendo a mão, fez um sinal para seguirem, e o grupo avançou para o oeste, deixando um rastro de poeira. Seria preciso cavalgar intensamente para alcançar as garotas. E era o que pretendia fazer. Em Ebou Dar ou no Poço da Perdição, ele as encontraria.
13
Um quartinho em Sienda
Elayne se segurava nas dobradiças de couro da carruagem enquanto o veículo seguia saculejando, e tentava ignorar a expressão amarga de Nynaeve, à sua frente. As cortinas estavam abertas, apesar da poeira que às vezes as açoitavam pela janela. A brisa afastava um pouco do calor do fim de tarde. Sucessivas colinas com florestas estendiam-se na paisagem, a mata interrompida vez ou outra por pequenos trechos de plantações. A propriedade de um lorde, construída à moda de Amadícia, encimava uma das colinas a algumas milhas da estrada, um enorme edifício de pedra de cinquenta metros de altura com uma elaborada estrutura de madeira no topo, com varandas ornamentadas e telhado vermelho. No passado, a construção seria inteiramente de pedra, mas muitos anos haviam se passado desde que um lorde necessitara de uma fortaleza em Amadícia, e a atual lei do rei exigia a utilização de madeira. Nenhum lorde rebelde tinha a capacidade de resistir por muito tempo ao rei. Os Filhos da Luz, obviamente, estavam isentos dessa lei; eles estavam acima de várias das leis amadicianas. Quando criança, Elayne tivera de aprender algumas coisas sobre as leis e os costumes de outros países.
Descampados também pontilhavam as colinas ao longe, feito retalhos marrons em um tecido majoritariamente verde, os homens que neles trabalhavam parecendo formigas. Tudo aparentava secura. Um único relâmpago desencadearia um incêndio que poderia arder por léguas. Mas relâmpagos eram sinal de chuva, e as poucas nuvens no céu estavam demasiado altas e finas para isso. Distraída, Elayne se perguntou se conseguiria fazer chover. Já aprendera a ter um controle considerável sobre o clima. Ainda assim, era muito difícil ter que começar do nada.
— Milady está entediada? — perguntou Nynaeve, ácida. — Pela maneira como milady está olhando para o campo, com ar de desaprovação, acho que milady deve estar querendo viajar mais rápido. — Virando a cabeça para trás sobre o ombro, ela empurrou uma pequena aba e gritou: — Mais rápido, Thom. Não discuta comigo! Você também, Juilin Caçador de Ladrões, cuidado com o que fala! Eu disse mais rápido!
A aba de madeira bateu, mas Elayne ainda ouviu Thom resmungando alto. Xingando, muito provavelmente. Nynaeve passara o dia todo gritando com os homens. Instantes depois, o chicote estalou e a carruagem zarpou adiante ainda mais rápido, balançando tão forte que as duas mulheres não paravam quietas nos assentos de seda dourada. O tecido havia sido cuidadosamente limpo quando Thom comprara o veículo, mas o estofamento já estava bem duro. Mesmo pulando para lá e para cá, o queixo travado de Nynaeve sugeria que ela não pediria para Thom desacelerar logo depois de tê-lo mandado ir mais depressa.
— Por favor, Nynaeve — pediu Elayne. — Eu…
A outra mulher a interrompeu.
— Milady está desconfortável? Sei que as ladies estão habituadas ao conforto, com o tipo de coisa que uma pobre criada sequer sabe que existe, mas tenho certeza de que milady quer chegar à próxima cidade antes do anoitecer, não quer? Para que a criada de milady possa servir o jantar de milady e preparar a cama de milady? — Os dentes de Nynaeve se cerraram em um clique quando o assento, subindo, se chocou contra o corpo dela, descendo. A mulher olhou com raiva para Elayne, como se tivesse sido culpa dela.
Elayne soltou um longo suspiro. Nynaeve entendera a questão, lá em Mardecin. Uma lady nunca viajava sem uma criada, e duas ladies provavelmente teriam duas criadas. A menos que colocassem vestidos em Thom e Juilin, aquilo significava que uma delas teria de fazer esse papel. Nynaeve tinha entendido que Elayne sabia mais sobre como ladies se comportavam. Ela explicara de modo bem gentil, e Nynaeve normalmente conseguia entender os apelos do bom senso. Normalmente. Mas tudo se passara ainda na loja da Senhora Macura, depois de terem enchido as duas mulheres com sua própria bebida horrorosa.
Saindo de Mardecin, viajaram depressa até a meia-noite, chegando a uma pequena aldeia com uma estalagem, onde tiraram o dono da cama para alugar dois quartos apertados com colchões estreitos. Despertaram antes da primeira luz do dia seguinte para seguir em frente, circundando Amador a algumas milhas de distância. Ninguém pensaria que eram mais do que afirmavam ser, mas nenhum deles se sentia confortável com a ideia de passar por uma cidade grande cheia de Mantos-brancos. A Fortaleza da Luz ficava em Amador. Elayne ouvira falar que quem reinava em Amador era o rei, mas quem mandava era Pedron Niall.
O problema começara na noite anterior, em um lugar chamado Bellon, em um riacho lamacento que tinha o grandioso nome de Rio Gaean, mais ou menos vinte milhas depois da capital. A estalagem Vau de Bellon era maior que a primeira, e a Senhora Alfara, dona do lugar, oferecera à Lady Morelin uma sala de jantar privada, o que Elayne não podia recusar. A Senhora Alfara pensara que apenas a criada de Lady Morelin, Nana, saberia como servi-la adequadamente. As ladies exigiam que tudo fosse de certa maneira, dizia a mulher, e tinham mesmo de exigir, mas as garotas do local simplesmente não estavam acostumadas com ladies. Nana saberia a maneira exata como Lady Morelin desejava que sua cama fosse preparada, e providenciaria para ela um belo banho após um calorento dia de viagem. A lista de providências que Nana tomaria de forma perfeita para a sua senhora era infinita.