Afora os soldados, era uma estalagem agradável, com bonitas vigas sustentando o teto alto e paredes escuras polidas. Galhos verdes decoravam a parede de duas grandes lareiras apagadas, e das cozinhas vinha o cheiro apetitoso de comida. Todas as atendentes, com seus aventais brancos, pareciam alegres ao passar apressadas em meio às mesas com as bandejas de vinho, cerveja e comida.
A chegada de uma lady gerou pouco burburinho em uma aldeia tão perto da capital. Ou talvez fosse pela postura daquela lady. Alguns poucos homens olharam para ela. A maior parte encarou com mais interesse a “criada”, apesar de a expressão dura de Nynaeve ao perceber os olhares fazê-los voltar a atenção depressa ao vinho. Nynaeve parecia pensar que um homem olhá-la era um crime, mesmo que ele não dissesse nada e não agisse de modo lascivo. Entretanto, Elayne às vezes se perguntava por que ela insistia em usar roupas que caíam tão bem. Elayne tivera que trabalhar duro até que aquele vestido cinza comum caísse perfeitamente em Nynaeve. Em se tratando de trabalhos mais finos, a mulher era uma negação com a agulha.
A dona da pousada, a Senhora Jharen, era uma mulher rechonchuda com longos cachos grisalhos, um sorriso acolhedor e olhos escuros curiosos. Elayne suspeitou que ela fosse capaz de identificar uma bainha puída ou uma bolsa vazia a dez passadas. Elas obviamente passaram pelo crivo da taverneira, pois a mulher fez uma elaborando reverência, as saias cinza se espalhando ao seu redor, e lhes deu efusivas boas-vindas, perguntando se a lady estava indo ou vindo de Amador.
— Vindo — retrucou Elayne, com lânguida presunção. — Os bailes da cidade foram extremamente agradáveis, e o Rei Ailron é mesmo bonito como dizem, o que nem sempre é o caso com os reis, mas eu preciso voltar para minha terra. Quero um quarto para mim e para Nana, e algo para meu lacaio e meu condutor. — Lembrando-se de Nynaeve na cama de baixo, acrescentou: — Quero duas camas separadas. Preciso de Nana por perto, mas, se ela ficar na cama de baixo, não vai me deixar dormir de tanto roncar. — A expressão respeitosa de Nynaeve vacilou, ainda bem que apenas por um momento, mas era mesmo verdade. Ela roncava muito alto.
— Claro, milady — concordou a proprietária. — Tenho exatamente o que você precisa. Mas seus homens terão que dormir lá no estábulo, no depósito de feno. Estamos bem lotados, como pode ver. Uma trupe de vagabundos trouxe alguns animais imensos e horrorosos aqui para a aldeia ontem, e um deles praticamente destruiu O Lanceiro do Rei. O pobre do Sinn perdeu metade ou até mais da clientela, e todos vieram para cá. — O sorriso da Senhora Jahren era mais de satisfação do que de pena. — Mas tenho um quarto sobrando, sim.
— Tenho certeza de que vai servir muito bem. Se puder mandar uma refeição leve e um pouco de água para eu me lavar, acho que vou me recolher cedo. — Ainda se via a luz do sol pelas janelas, mas Elayne cobriu a boca com delicadeza, como se reprimisse um bocejo.
— Claro, milady. Como quiser. Por aqui.
A Senhora Jharen parecia achar que precisava manter Elayne entretida enquanto mostrava às duas o segundo andar. Seguiu falando sobre a estalagem lotada e o milagre que era ainda ter um quarto vago, sobre o grupo de viajantes com seus animais, o modo como haviam sido expulsos da cidade e como aquela escória já ia tarde, sobre todos os nobres que já haviam se hospedado em seu estabelecimento ao longo dos anos, o que incluíra, certa vez, até mesmo o Senhor Capitão Comandante dos Filhos. Aliás, um Caçador da Trombeta aparecera ali no dia anterior, a caminho de Tear, onde se dizia que a Pedra de Tear caíra nas mãos de algum falso Dragão — e não era uma perversidade horrorosa que os homens fossem capazes de tais atos?
— Espero que nunca encontrem. — Os cachos grisalhos da dona da estalagem balançaram quando ela sacudiu a cabeça.
— A Trombeta de Valere? — indagou Elayne. — Por que não?
— Ora, milady, porque se encontrarem, significa que a Última Batalha está próxima. O Tenebroso está se libertando. — A Senhora Jharen estremeceu. — Que a Luz permita que a Trombeta nunca seja encontrada. Dessa forma, a Última Batalha não tem como acontecer, não é? — Não parecia haver muitas respostas para uma lógica tão curiosa.
O quarto era bem pequeno, embora não exatamente um cubículo. Duas camas estreitas com lençóis listrados repousavam de cada lado de uma janela que dava para a rua, e o espaço entre elas e as paredes com reboco branco era o suficiente apenas para se passar. Entre as camas, uma mesinha com uma lamparina e uma caixa de madeira, um pequeno tapete florido e um lavatório com um espelhinho logo acima completavam a mobília. Ao menos tudo estava limpo e bem polido.
A proprietária afofou os travesseiros, alisou os lençóis e disse que os colchões eram da melhor pena de ganso, que os homens da lady trariam os baús para cima pela escada dos fundos, que tudo ficaria muito aconchegante, e que à noite havia uma brisa gostosa, caso a lady abrisse a janela e não fechasse a porta. Como se ela fosse dormir deixando aberta uma porta que dava para um corredor público. Antes que Elayne conseguisse fazer com que a Senhora Jharen saísse, duas garotas de avental chegaram com uma grande jarra azul com água quente e uma enorme bandeja laqueada coberta com um pano branco. O formato de um cântaro de vinho e duas canecas se desenhava em um dos lados, sob o pano.
— Acho que ela pensou que podíamos ir para O Lanceiro do Rei mesmo com um buraco na entrada — disse Elayne assim que a porta foi bem fechada. Examinando o quarto, ela fez uma careta. Mal haveria lugar para as duas e os baús. — Talvez devêssemos ir…
— Eu não ronco — afirmou Nynaeve, tensa.
— Claro que não. Mas eu precisava dizer alguma coisa.
Nynaeve pigarreou alto, porém, tudo o que disse foi:
— Ainda bem que estou suficientemente cansada para ir para a cama. Tirando a raiz-dupla, não identifiquei nada para ajudar a dormir no que aquela tal de Macura tinha.
Thom e Juilin precisaram de três viagens para trazer para cima os baús de madeira com borda de ferro, resmungando o tempo todo, como sempre faziam os homens, por ter que carregá-los até o segundo andar usando os degraus apertados dos fundos da estalagem. Também estavam reclamando de serem obrigados a dormir nos estábulos quando trouxeram o primeiro dos baús, que tinha dobradiças em forma de folha. A maior parte do dinheiro e dos objetos de valor que possuíam estava na base daquele baú, incluindo os ter’angreal recuperados, mas bastou eles darem uma olhada no quarto e depois entre si para calá-los. Sobre aquele assunto, ao menos.
— Vamos ver o que conseguimos descobrir no salão — informou Thom assim que o último baú foi empurrado para dentro. Quase não restava espaço para se chegar ao lavatório.
— E quem sabe dar uma volta pela aldeia — completou Juilin. — Quando há tanto desgosto quanto o que vi na rua, os homens costumam falar.
— Isso vai ser ótimo — opinou Elayne. Os dois queriam muito pensar que tinham mais utilidade do que só arrastar e carregar coisas. Havia sido assim em Tanchico e em Mardecin, claro, e talvez fosse ser o caso outras vezes, mas não ali. — Só tenham o cuidado de não se meter em confusão com os Mantos-brancos, ouviram? — Os dois trocaram olhares resignados, como se ela já não tivesse visto ambos com os rostos machucados e ensanguentados após darem voltinhas em busca de informação, mas Elayne os perdoou e sorriu para Thom. — Não vejo a hora de ouvir o que vocês descobrirem.
— De manhã — disse Nynaeve com firmeza. Ela estava evitando tanto olhar para Elayne que daria no mesmo se estivesse lhe lançando olhares furiosos. — Se vocês nos incomodarem antes disso por qualquer coisa menos importante que Trollocs, vão ver o que é bom.