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Estava sorrindo, mas seu tom de voz era duro e baixo. Disse:

— Não corra. Caminhe naturalmente e siga-me. Agarre-se a Rik. Não o deixe correr.

Uns poucos passos. Pareciam mover-se sobre cola. Eram reais os sons que vinham da biblioteca atrás deles? Imaginação? Terens não ousou olhar.

— Entrem aqui — disse. O aviso acima da entrada de carros que ele indicava bruxuleava um pouco à luz da tarde. Não rivalizava muito bem com o Sol de Florina. Dizia: Entrada de Ambulância.

Entraram pela direita, através de uma passagem lateral, e entre paredes incrivelmente brancas. Eram glóbulos de matéria estranha contra a asséptica vitriosidade.do corredor.

Uma mulher uniformizada observava-os á distância. Hesitou, franziu as sobrancelhas, começou a se aproximar. Terens não esperou por ela. Virou abruptamente, seguiu uma ramificação do corredor, então outra. Passaram por outros uniformizados e Terens podia imaginar a incerteza que manifestavam. Era completamente sem precedentes nativos errando sem guarda pelos andares superiores de um hospital. O que fazer?

Eventualmente, claro, seriam detidos.

Então Terens sentiu sua pulsação se acelerar quando viu a porta discreta que dizia: Para Andares Nativos. O elevador estava parado em seu andar. Conduziu Rik e Valona para dentro e o suave tranco sentido quando o elevador começou descer foi a sensação mais deliciosa do dia.

Havia três tipos de edifícios na Cidade. A maioria era de Edifícios Inferiores, construídos inteiramente no nível inferior. Casas de trabalhadores, distribuídas entre três pavimentos. Fábricas, padarias, comércio. Outros eram Edifícios Superiores: residências de sarkianos, teatros, a biblioteca, praças de esportes. Mas alguns poucos eram duplex, com andares e entradas superiores e inferiores; postos de patrulheiros, por exemplo, e hospitais.

Qualquer um poderia utilizar um hospital para ir da Cidade Superior para a Cidade Inferior e evitar desta maneira utilizar os grandes elevadores de carga com seus movimentos lentos e seus operadores super-atenciosos. Para um nativo, isto era completamente ilegal, claro, mas tal delito adicional era um ligeiro incômodo para aqueles já culpados de agredirem um patrulheiro.

Pararam no andar inferior. As desoladas paredes assépticas ainda lá estavam, mas tinham uma aparência pálida e desbotada como se fossem esfregadas com menos freqüência. Os bancos almofadados que acompanhavam os corredores no andar superior não mais existiam. Na maioria deles havia o murmúrio inquieto de uma sala de espera lotada com homens desconfiados e mulheres apavoradas. Uma única enfermeira tentava entender a desordem e estava se saindo mal.

Ela falava bruscamente com um velhote que dobrava e desdobrava os enrugados joelhos de suas calças desfiadas e que respondia a todas as perguntas com uma apologética monotonia.

— Qual exatamente é sua enfermidade?… Há quanto tempo tem estas dores?… Já esteve antes no hospital?… Agora olhe, sua gente não pode esperar por nós dois para qualquer coisinha. Sente-se e o médico o examinará e receitará medicamentos.

Ela gritou estridentemente — O seguinte! — então murmurou algo para si mesma enquanto olhava para o grande relógio na parede.

Terens, Valona e Rik flanqueavam cautelosamente a multidão. Valona, como se a presença de companheiros florinianos livrasse sua língua de uma paralisia, sussurrava intensamente.

— Eu tinha de vir, Conselheiro. Estava tão preocupada com o Rik. Eu achei que o senhor não o traria de novo e…

— Como você conseguiu chegar à Cidade Superior, de que jeito? — interpelou Terens por cima de seu ombro, enquanto empurrava submissos nativos para qualquer lado.

— Eu segui vocês e vi quando pegaram o elevador de carga. Quando ele desceu, disse que estava com vocês e ele me levou para cima.

— Só isso?

— Sacudi ele um pouco.

— Diabinhos de Sark — gemeu Terens.

— Eu tive de fazer isso — explicou miseravelmente Valona. — Então eu vi os patrulheiros apontando um prédio pra vocês. Eu esperei até que eles fossem embora e fui pra lá também. Só não tive coragem de entrar. Eu não sabia o que fazer, então eu me escondi um pouquinho até que os vi saindo e o patrulheiro detendo…

— Vocês aí! — Era a voz aguda e impaciente da recepcionista. Estava parando agora, e os fortes golpes de seu estilete de metal na escrivaninha de cimentoliga dominavam o ruído da multidão e o reduzia a um silencioso murmúrio.

— Estas pessoas tentaram sair. Venham cá. Vocês não podem sair sem serem examinados. Não haverá evasão dos dias de trabalho por pretenso motivo de doença. Voltem aqui!

Mas os três estavam na penumbra da Cidade Inferior. Havia em torno deles o cheiro e o barulho do que os sarkianos chamavam Bairro Nativo e o andar superior era uma vez mais somente um teto sobre eles. Mas embora aliviados, Valona e Rik poderiam sentir-se distantes da riqueza opressiva das vizinhanças dos sarkianos. Terens não sentiu um aumento de ansiedade. Tinham ido muito longe e doravante não poderia haver segurança em qualquer lugar.

Tal preocupação ainda estava em sua mente turbulenta quando Rik chamou: — Olhe!

Terens sentiu um nó na garganta.

Era talvez a mais aterrorizante visão que os nativos da Cidade Inferior poderiam ter. Era como um pássaro gigante planando através de uma das aberturas da Cidade Superior. Cobriu o Sol e aumentou a sinistra obscuridade daquela parte da cidade. Mas não era um pássaro. Era um dos carros diamagnéticos terrestres armados dos patrulheiros.

Os nativos gritaram e começaram a correr. Poderiam não ter uma razão específica para o medo, mas espalhavam-se por todo lugar. Um homem, quase no caminho do carro, andou relutantemente para o lado. Apressava-se em seu caminho, absorto em qualquer assunto de sua própria conta, quando a sombra o atingiu. Olhou em torno de si, uma ilha de tranqüilidade no meio da turbulência. Tinha altura média, mas ombros quase grotescamente largos. Uma das mangas de sua camisa estava rasgada no sentido de seu comprimento, revelando um braço da grossura da coxa de outro homem. Terens estava hesitante, e Rik e Valona não poderiam fazer nada sem ele. A incerteza íntima do Conselheiro evoluiu para uma agitação. Se corressem, para onde iriam? Se permanecessem onde estavam, o que fariam? Havia uma chance de que estivessem inteiramente atrás de outros, mas com um patrulheiro inconsciente no chão da biblioteca por um ato dos três, as chances eram quase desprezíveis.

O homem troncudo aproximava-se em um pesado meio-trote. Por um momento fez uma pausa ao passar por eles, como que indeciso. Disse, numa voz familiar: — A padaria de Khorov é na segunda à esquerda, depois da lavanderia.

Virou-se novamente.

— Vamos — disse Terens.

Suava bastante enquanto corria. Em meio ao tumulto, ouviu ordens gritadas naturalmente pelos patrulheiros. Lançou um olhar por cima de seu ombro. Meia dúzia deles estava pulando do carro diamagnético, em leque. Não teriam problemas, sabia. Amaldiçoou o uniforme de Conselheiro, era tão visível quanto um dos pilares que suportavam a Cidade Superior.

Dois dos patrulheiros corriam na direção certa. Ele não sabia se eles o teriam visto ou não, mas isto não importava. Ambos chocaram-se com o homem troncudo que havia falado com Terens. Todos os três estavam próximos o bastante para ouvir as imprecações roucas do homem troncudo abaixo e agudas dos patrulheiros. Terens conduziu Rik e Valona pela esquina.

A padaria de Khorov era assim identificada por uma “espiral” quase desfigurada de plástico envernizado iluminado, quebrada em uma meia dúzia de lugares, e tornada inconfundível pelo aroma maravilhoso que se filtrava através de sua porta aberta. Não havia nada a fazer a não ser entrar, e entraram.

Um homem velho olhava-os da sala interna dentro da qual podiam ver o fulgor de polvilho obscurecido das fornalhas-radares. Não teve chance de perguntar-lhes o que queriam.