— É a grande fraqueza do governo sarkiano, que por séculos associou rebelião somente com Florina. Esqueceram de olhar para si mesmos.
— Estes pequenos sarkianos, admitindo-se que existam, não podem fazer muito por você — disse Junz.
— Individualmente, não. Coletivamente, compõem ferramentas úteis para nossos homens mais importantes. Existem até mesmo membros da classe dominante real que levam a sério as lições dos últimos dois séculos. Estão convencidos de que ao final Trantor terá estabelecido seu domínio por toda a Galáxia, e, acredito, justificadamente convencidos. Até mesmo suspeitam de que a dominação final ocorrerá durante suas vidas, e preferem colocar-se, antecipadamente, do lado vencedor.
Junz fez uma careta. — Você faz a política interestelar parecer um jogo muito sujo.
— É, mas desaprovar a sujeita não a remove. Nem todas as suas facetas são sujeiras irremovíveis. Considere o idealista. Considere os poucos homens do governo de Sark que não servem Trantor nem por dinheiro nem por promessas de poder, mas somente porque acreditam honestamente que um governo galáctico unificado é melhor para a humanidade e que somente Trantor realizaria tal governo. Eu tenho um homem desses, o meu melhor, no Departamento de Segurança de Sark, e neste momento está trazendo o Conselheiro.
— Você disse que ele tinha sido capturado — disse Junz.
— Foi, pelo Depseg. Mas meu homem é o Depseg e é meu homem. — Por um momento Abel franziu as sobrancelhas e tomou. se rabugento. — Sua utilidade será drasticamente reduzida depois disso. Logo que ele deixar o Conselheiro escapar, significará degradação na melhor das hipóteses e aprisionamento na pior. Ah, bem!
— O que você está planejando agora?
— Não sei ainda. Primeiro, devemos pegar nosso Conselheiro. Estou certo do que ele fez somente até o momento de chegada ao espaçoporto. O que aconteceu daí em diante… — Abel deu de ombros, e sua pele velha, amarelada, estendeu-se como pergaminho nas maçãs de seu rosto.
Então acrescentou: — Os Nobres estarão também esperando pelo Conselheiro. Acreditam que o têm, e até que um de nós o tenha em mãos, nada mais poderá acontecer.
Mas a afirmação estava errada.
Rigorosamente falando, todas as embaixadas estrangeiras de toda a Galáxia mantêm direitos extraterritoriais sobre as áreas imediatas à sua localização. Geralmente isto equivalia a nada mais que um desejo sagrado, exceto onde a força do planeta reconhecido infundia respeito. Na prática, realmente significava que somente Trantor poderia verdadeiramente manter a independência de seus enviados.
Os jardins da Embaixada Trantoriana cobriam quase dois mil metros quadrados e dentro deles homens armados, em roupas e insígnias de Trantor, patrulhavam. Nenhum sarkiano poderia entrar a não ser que fosse convidado, e em hipótese alguma um sarkiano armado. Certamente, a soma de homens e armas trantorianas poderia resistir a um ataque determinado de um único regimento armado por não mais de duas ou três horas, mas por trás do pequeno bando estava o poder de repressão da força organizada de um milhão de mundos.
Permanecia inviolada.
Poderia até mesmo manter comunicação material direta com Trantor, sem a necessidade de passagem pelos portos sarkianos de embarque e desembarque. Da influência maternal de Trantor, pairando logo além do limite de cem milhas que marcava a fronteira entre “espaço planetário” e “espaço livre”, pequenas gironaves, turbinadas para viajar na atmosfera com consumo mínimo de potência, poderiam emergir e reentrar na atmosfera (meio deslizando, meio impulsionadas) para o pequeno porto mantido dentro dos jardins da embaixada.
A gironave que agora aparecia sobre o porto da embaixada, entretanto, nem era trantoriana nem era esperada. O poder de fogo da embaixada foi rápida e truculentamente posto em jogo. Urna pistola de agulha levantou sua boca franzida no ar. Campos de força se instalaram.
Mensagens transmitidas pelo rádio chicoteavam por todos os lados. Palavras obstinadas jogavam os ímpetos para o alto, agitavam os desanimados.
O Tenente Camrum deixou o instrumento e disse: — Eu não sei. Afirma que será derrubado lá de cima em dois minutos se não o deixarmos descer. Pede asilo.
O Capitão Elyut tinha acabado de entrar. Disse: — Claro. Então Sark afirmará que estamos interferindo na política interna e se Trantor decidir deixar as coisas correrem, você e eu seremos estraçalhados com um gesto. Quem é ele?
— Não quer dizer — disse o tenente com mais que pouca exasperação. — Diz que deve falar com o Embaixador. Suponho que me diga o que fazer, Capitão.
O receptor de ondas curtas estalou e uma voz, meio histérica, disse: — Tem alguém aí? Só estou descendo, isso é tudo. Realmente! Não posso esperar um segundo, estou dizendo. — Terminou num guincho.
— Grande Espaço, eu conheço esta voz. Deixe-o descer! Minha responsabilidade! — disse o Capitão.
As ordens continuaram. A gironave baixou verticalmente, mais rapidamente do que deveria, resultado de uma mão nos controles ao mesmo tempo inexperiente e aterrorizada. A pistola de agulha mantinha a nave em foco.
O Capitão estabeleceu uma linha direta para Abel e a embaixada fora colocada sob máxima emergência. As naves sarkianas que pairavam sobre a embaixada nem dez minutos depois que a primeira embarcação havia pousado mantiveram uma ameaçadora vigília por duas horas e então partiram.
Sentaram-se à mesa do jantar Abel, Junz e o recém-chegado. Com admirável autocontrole, considerando-se as circunstâncias, Abel bancava o anfitrião despreocupado. Por horas absteve-se de perguntar por que um Grande Nobre precisava de asilo.
Junz era muito menos paciente. Sibilou para Abeclass="underline" — Espaço! O que você vai fazer com ele?
E Abel sorriu em resposta. — Nada — disse. — Ao menos até descobrir se tenho ou não meu Conselheiro. Gosto de saber onde estou pisando antes de abrir o jogo. E já que ele veio a mim, esperar vai confundi-lo mais do que a nós.
Estava certo. Duas vezes o Nobre lançou-se a um rápido monólogo e por duas vezes Abel lhe disse: — Meu caro Nobre? Certamente a conversação séria é desagradável com o estômago vazio. — Sorriu gentilmente e mandou servir o jantar.
Durante o vinho, o Nobre tentou novamente: — Não querem saber por que eu deixei o Continente Steen?
— Não posso imaginar uma razão sequer — admitiu Abel — para que o Nobre de Steen em algum momento tivesse que fugir de naves sarkianas.
Steen observou-os cuidadosamente. Sua figura esbelta e seu rosto magro e pálido estavam tensos por suposições. Seus longos cabelos estavam unidos em tufos cuidadosamente arranjados mantidos por minúsculos grampos que se chocavam com um tilintar toda vez que movia a cabeça, como para chamar a atenção para seu descaso ao atual estilo sarkiano para cabelos presos. Uma tênue fragrância exalava de sua pele e de suas roupas.
Abel, que não ignorara o leve retesar dos lábios de Junz e a forma rápida na qual o analista espacial tratava seus cabelos curtos e lanosos, pensou em quão divertida seria a reação de Junz se Steen aparecesse mais tipicamente, com ruge no rosto e unhas cobreadas.
— Houve uma conferência intercontinental hoje — disse Steen.
— Realmente? — disse Abel,
Abel ouviu o relato da conferência sem sequer um tremor no semblante.
— E temos vinte e quatro horas — Steen falou indignamente. — De fato, restam dezesseis horas agora.
— E você é X — gritou Junz, que se tomava cada vez mais irrequieto durante a recitação. — Você é X. Veio para cá porque o descobriram Muito bem, isso é ótimo. Abel, aqui está nossa prova para a identidade do analista espacial. Podemos utilizá-la para forçar a entrega do homem.