— Mas Madame Samia…
— Ela não é nada para mim. Não deveria ser nada para você também. Ou então o que estamos fazendo aqui?
O carro deles estava fazendo a volta, subindo para as retas amplas quase vazias, nas quais somente os carros diamagnéticos mais rápidos eram permitidos.
O sarkiano gemeu: — Não podemos pegar aquele carro. Logo que nos avistar vai chutar a oposição pro meio do inferno. Esse carro pode fazer trezentos e cinqüenta.
— Até agora ela está mantendo os duzentos — disse o arcturiano.
Pouco depois, falou: — Ela não está indo para o Depseg. Isso é certo.
E mais um pouco depois disse: — Não está indo para o Palácio de Fife.
Mais um intervalo e disse: — Quero ficar girando no espaço se souber onde é que ela está indo. Ela vai sair da cidade outra vez.
— Como você sabe que é o matador de Nobres que está lá? — perguntou o sarkiano. Suponha que seja um jogo para nos afastar do posto. Ela não está tentando livrar-se de nós e nem usaria um carro desses se não quisesse ser seguida. Você não pode se perder a uma distância tão curta.
— Eu sei, mas Fife não mandaria sua menina colocar-nos fora do caminho. Um esquadrão de patrulheiros teria feito melhor.
— Talvez não seja realmente a Dama nele.
— Vamos descobrir, cara. Ela está diminuindo. Apagou as luzes e parou numa curva!
— Quero falar com você — disse a garota.
Terens decidiu que não era o tipo comum de armadilha que ele havia inicialmente considerado. Ela era a Dama de Fife. Devia ser. Não pareceu ocorrer a ela que alguém pudesse ou devesse se meter com ela.
Nunca olhara para trás para ver se estava sendo seguida. Três vezes, quando viravam, ele havia notado o mesmo carro atrás deles, mantendo sua distância, nem diminuindo o espaço nem ficando para trás.
Não era somente um carro. Isto era certo. Poderia ser Trantor, que estaria bem. Poderia ser Sark, caso em que a Dama seria um tipo adequado de refém.
— Estou pronto para falar — disse.
— Você estava na nave que trazia o nativo de Florina? Aquele procurado por todos aqueles assassinatos? — perguntou a Dama.
— Eu disse que estava.
— Muito bem. Agora, eu o trouxe até aqui para que não houvesse interferência. O nativo foi interrogado durante a viagem para Sark?
Tal ingenuidade, pensou Terens, não poderia ser simulada. Ela realmente não sabia quem ele era. Respondeu cautelosamente: — Sim.
— Você estava presente ao interrogatório?
— Estava.
— Bom. Eu achava que sim.A propósito, por que você saiu da nave?
Isto, pensou Terens, era a pergunta que ela devia ter feito antes de qualquer outra.
— Era para levar um relatório especial para… — hesitou.
Ela aproveitou-se avidamente da hesitação. — Para meu pai? Não se preocupe com isso. Protegerei você completamente. Direi que veio comigo por ordens minhas.
— Muito bem, Madame.
A palavra “Madame” bateu violentamente contra sua consciência. Ela era uma Dama, a mais importante do território, e ele era um floriniano. Um homem que podia matar patrulheiros podia aprender facilmente a matar Nobres, e um assassino de Nobres poderia, pela mesma razão, olhar uma Dama no rosto.
Ele olhou para ela com olhos duros e penetrantes. Levantou sua cabeça e encarou-a fixamente.
Ela era muito bonita.
E porque ela era a Dama mais importante do continente, não estava consciente disso. — Eu quero que você me conte tudo o que ouviu do interrogatório — disse ela. — Eu quero saber tudo o que o nativo lhe disse. É muito importante.
— Posso perguntar por que a Senhora está interessada no nativo, Madame?
— Não pode — disse categoricamente.
— Como quiser, Madame.
Ele não sabia o que ela iria dizer. Com metade de sua consciência ele estava esperando que o carro que os perseguia os alcançasse. Com a outra metade estava se inteirando cada vez mais do rosto e do corpo da linda garota sentada perto dele.
Os florinianos do Funcionalismo Público e os que agiam como Conselheiros era, teoricamente, celibatários. Na prática, a maioria evitava esta restrição quando podia. Terens havia feito o que ousara e o que era comum nesse sentido. Na melhor das hipóteses, suas experiências haviam sido satisfatórias.
Assim, o mais importante de tudo era que ele nunca havia estado tão próximo a uma linha garota num carro de tal luxo sob condições de tal isolamento.
Ela estava esperando que ele falasse, olhos escuros (que olhos escuros!) acesos pelo interesse, lábios vermelhos cheios e separados em antecipação, uma figura ainda mais bonita por estar realçada pelo lindo kyrt. Ela estava completamente alheia a que alguém, qualquer um, pudesse possivelmente ousar nutrir pensamentos arriscados com relação à Dama de Fife.
A metade de sua consciência que esperava pelos perseguidores enfraqueceu-se.
Repentinamente sabia que o assassinato de um Nobre não era o crime máximo, afinal.
Ele não estava completamente cônscio de que se movia. Sabia somente que o pequeno corpo dela estava em seus braços, que ele se enrijeceu, que por um instante ela vociferou, e então ele abafou sua voz com seus lábios…
Havia mãos sobre seu ombro e a corrente de ar frio às suas costas penetrou pela porta aberta do carro. Seus dedos buscaram a arma tarde demais. Ela foi arrancada de sua mão.
Samia arfou, emudecida.
O sarkiano disse, com horror: — Você viu o que ele fez?
— Não importa! — disse o arcturiano.
Pôs um pequeno objeto negro em seu bolso e alisou o fecho da costura. — Pegue-o — disse.
O sarkiano puxou Terens para fora do carro com a energia da fúria. — E ela deixou — murmurou. — Ela deixou.
— Quem são vocês? — gritou Samia com repentina energia. — Meu pai os mandou?
— Sem perguntas, por favor — disse o arcturiano.
— Você é estrangeiro — disse Samia colericamente.
— Por Sark, eu devia explodir sua cabeça — disse o sarkiano e forçou-a para trás.
— Pare! — disse o arcturiano. Agarrou o punho do sarkiano e o forçou para trás.
O sarkiano rosnou sombriamente. — Existem limites. Eu posso suportar o assassinato de Nobres. Eu gostaria de matar um pouco de mim mesmo, mas parar e ficar olhando um nativo fazer o que ele acabou de fazer é muito pra mim.
Samia falou com uma voz anormalmente exaltada: — Nativo?
O sarkiano inclinou-se para a frente, agarrando viciosamente o barrete de Terens. O Conselheiro empalideceu mas não se moveu. Manteve seu olhar fixo firmemente sobre a garota e seus cabelos avermelhados moviam-se levemente pela brisa.
Samia moveu-se impotente de volta ao assento do carro da forma que podia e então, com um movimento rápido, cobriu o rosto com ambas as mãos, sua pele empalidecendo sob a pressão dos dedos.
— O que vamos fazer com ela? — perguntou o sarkiano.
— Nada.
— Ela nos viu. Ela trará todo o planeta atrás de nós antes que tenhamos percorrido um quilômetro.
— Você vai matar a Dama de Fife? — perguntou sarcasticamente o arcturiano.
— Bem, não. Mas nós podemos arruinar seu carro. Pelo tempo que ela demorará para atingir um radiofone, estaremos salvos.
— Não é necessário. — O arcturiano inclinou-se para dentro do carro. — Madame, tenho somente um momento. Pode ouvir-me?
Ela não se moveu.
O arcturiano disse: — É melhor ouvir-me. Sinto que tenha interrompido vocês em uma ocasião melindrosa, mas afortunadamente eu aproveitei esta ocasião. Agi rapidamente e fui capaz de registrar a cena pela tri-câmera. Isto não é um blefe. Transmitirei o negativo a um lugar seguro minutos depois que deixar a senhora e daí em diante qualquer interferência de sua parte irá forçar-me a ser ainda mais desagradável. Estou certo de que me entendeu.