— Esse é um risco necessário?
— Não é muito para alguém. Haverá testemunhas. E estou ansioso para estar frente a frente com este analista espacial que você tem procurado por tanto tempo.
— Estarei presente? — perguntou ansiosamente Junz.
— Ah, claro. O Conselheiro também. Precisaremos dele para identificar o analista espacial. E Steen, claro. Todos vocês estarão presentes em personificação trimênsica.
— Obrigado.
O embaixador trantoriano sufocou um bocejo e piscou os olhos úmidos para Junz. — Agora, se você não se importa, tenho estado acordado por dois dias e uma noite e temo que meu velho corpo não possa tomar mais anti-sonífero. Devo dormir.
Com a personificação trimênsica aperfeiçoada, raramente eram feitas importantes conferências face a face. Fife sentia fortemente um elemento de real obscenidade na presença material do velho embaixador. Sua compleição oliva não poderia ser considerada mais escurecida, mas suas linhas estavam dispostas em silenciosa cólera.
Tinha de ser silenciosa. Não podia dizer nada. Podia somente olhar taciturnamente o homem que o encarava.
Abel! Um velho caduco em roupas surradas com um milhão de mundos atrás de si.
Junz! Um intrometido de pele escura e cabelo carapinha cuja perseverança precipitara a crise.
Steen! O traidor! Temendo encontrar seus olhos!
O Conselheiro! Olhar para ele era mais difícil que para os outros. Ele era o nativo que havia desonrado sua filha com seu toque, mas ainda podia permanecer seguro e intocável atrás dos muros da embaixada trantoriana. Ele teria ficado contente em triturar seus dentes e socá-lo contra a escrivaninha se estivesse sozinho. Como estava, nem um músculo de seu rosto deveria mover-se, embora ele se lacerasse sob o esforço.
Se Samia não tivesse… Esqueceu isso. Sua própria negligência havia cultivado a obstinação dela e ele não poderia censurá-la por isso agora. Ela não tinha tentado desculpar-se nem diminuir sua própria culpa. Tinha-lhe dito toda a verdade de suas tentativas privadas de bancar a espiã interestelar e quão horrivelmente haviam terminado. Ela havia confiado completamente, em sua vergonha e amargura, na compreensão dele, e ela a teria de todo. Ela a teria de todo, mesmo que significasse a ruína da estrutura que havia sido erigida.
— Esta conferência me foi imposta — disse. — Não vejo finalidade para dizer alguma coisa. Estou aqui para ouvir.
— Eu acredito que Steen gostaria de falar primeiro — disse Abel.
Os olhos de Fife encheram.se de desdém,o que atordoava Steen.
Steen berrou sua resposta: — Você me fez volver para Trantor, Fife. Você violou o princípio da autonomia. Você não poderia esperar que eu agüentasse isso. Realmente.
Fife não disse nada e Abel falou, não sem um pouco de desdém: — Vá ao ponto, Steen. Você disse que tinha algo a dizer. Fale.
O rosto cavado de Steen enrubesceu sem a ajuda do ruge. — Direi, e agora mesmo. Claro que eu não afirmo ser o detetive que o Nobre de Fife afirma ser, mas posso pensar. Realmente! E estive pensando. Fife tinha uma história a contar ontem, toda sobre um misterioso traidor que ele chamava X. Eu podia ver que era somente um monte de baboseiras para que ele pudesse declarar uma emergência. Não fui enganado um minuto sequer.
— Não existe X? — perguntou Fife calmamente. — Então por que você fugiu? Um homem que foge não precisa de outra acusação.
— É assim mesmo? Realmente! — gritou Steen. — Bem, eu fugiria de um edifício em chamas mesmo que eu não o tivesse incendiado.
— Continue, Steen — disse Abel.
Steen molhou os lábios e voltou-se para uma consideração momentânea a suas unhas. Polia-as gentilmente enquanto falava:
— Mas então eu pensei: por que inventar esta história em particular com todas suas complicações e coisas? Não é seu jeito. Realmente! Não é o jeito de Fife. Eu o conheço. Todos nós o conhecemos. Afinal, ele não tem imaginação, Sua Excelência. Um homem grosseiro! Quase tão ruim quanto Bort.
Fife olhou carrancudamente. — Ele está dizendo algo, Abel, ou está balbuciando?
— Continue, Steen — disse Abel.
— Continuarei, se me deixarem falar. Por Deus! De que lado estão vocês? Eu disse a mim mesmo (isto foi depois do jantar), eu disse, por que um homem como Fife inventaria uma história como essa? Havia somente uma resposta. Ele não poderia inventar. Não com sua mente. Portanto, era verdade. Deve ser verdade. E, claro, os patrulheiros tinham sido assassinados, embora Fife seja completamente capaz de ter cooperado para que isso acontecesse.
Fife deu de ombros.
— Mas quem é X? Não sou eu. Realmente! — insistiu Steen. — Eu sei que não sou eu! E admitirei que só poderia ter sido um Grande Nobre. Mas qual Grande Nobre sabia tanto sobre isso, de um modo ou de outro? Qual Grande Nobre estava tentando utilizar a história do analista espacial há um ano para amedrontar os outros para algum tipo do que ele chama de “esforço conjunto” e que eu chamo de rendição a uma ditadura Fife?
— Vou lhes dizer quem é X. — Steen levantou-se, o alto de sua cabeça raspando a borda do cubo-receptor e achatando-se quando a parte superior corria para o nada. Ele apontou um dedo trêmulo.
— Ele é X. O Nobre de Fife. Encontrou seu analista espacial. Colocou-o fora do caminho, quando viu que o resto de nós não estava impressionado com suas tolas observações da primeira conferência, e então trouxe-o de volta novamente depois que já tinha arranjado um golpe militar.
Fife virou-se aborrecido para Abel. — Ele acabou? Se acabou, tire-o daqui. Ele é uma ofensa intolerável a qualquer homem decente.
— Você tem algum comentário a fazer sobre o que ele disse? — perguntou Abel.
— Caro que não, Não vale a pena comentar. O homem está desesperado. Ele diria qualquer coisa.
— Você não pode negar isso, Fife — gritou Steen. Olhou para os outros. Seus olhos se estreitaram e a pele de suas narinas estava branca pela tensão. Permaneceu de pé. — Ouçam. Ele disse que seus investigadores encontraram registros no consultório de um médico. Ele disse que o médico havia morrido em um acidente depois de diagnosticar que o analista espacial fora vitima de psico-sondagem. Ele disse que foi assassinado por X para manter a identidade do analista espacial em segredo. Foi isto o que ele disse, Perguntem-lhe. Perguntem a ele se não foi isso o que ele disse.
— E se foi? — perguntou Fife.
— Então perguntem-lhe como ele poderia obter os registros do consultório de um medico que estava morto e enterrado há meses, a menos que já os tivesse. Realmente!
— Isso é tolice — disse Fife. — Podemos desperdiçar tempo desse jeito. Outro médico assumiu a clientela do morto e também seus registros. Algum de vocês acha que os registros médicos são destruídos juntamente com um médico?
— Não, claro que não — disse Abel.
Steen gaguejou e então sentou-se.
— Quem é o próximo? — perguntou Fife. — Alguém de vocês tem mais alguma coisa a dizer? Mais acusações? Mais alguma coisa? — Sua voz era baixa. A amargura o dominava.
— Pois bem, essa foi a vez de Steen — disse Abel — e eu deixarei passar. Agora Junz e eu estamos aqui para outro tipo de negócio. Gostaríamos de ver o analista espacial.
As mãos de Fife estavam repousando sobre o tampo da escrivaninha. Levantaram-se e desceram para arranhar a borda da escrivaninha. Suas sobrancelhas negras se cerraram.
— Temos sob custódia um homem de mentalidade subnormal — começou Fife — que afirma ser um analista espacial. Vou apresentá-lo!
Valona March nunca, nunca em sua vida havia sonhado que tais impossibilidades pudessem ocorrer. Por todo um dia agora, desde que havia pousado neste planeta de Sark, tinha havido um toque de assombro em quase tudo. Mesmo as celas da prisão em que ela e Rik haviam sido separadamente colocados pareciam ter uma qualidade de suntuosidade incomum para eles. A água saía de um furo em um cano quando se pressionava um botão. O calor vinha da parede, embora o ar lá fora estivesse mais frio do que ela pensava que pudesse ficar. E todos os que falavam com ela usavam aquelas roupas lindas.