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“São rios que voltam para a montanha, mas carregam a sabedoria do mar com eles.”

Encheu o copo de água mineral. Não costumava beber de dia.

– Por isso você descobriu os segredos de que não lhe falei – disse J. – Porque você é um rio. Já esteve no mar, conhece sua sabedoria, nasceu e morreu muitas vezes. Tudo que precisa fazer é lembrar. Paulo estava contente. Aquilo era uma espécie de elogio: Seu mestre estava dizendo que ele

“descobrira segredos”. Mas não tinha coragem de perguntar abertamente que segredos havia descoberto.

– Tenho uma nova tarefa para você – disse J.

“Por causa de seu livro. Porque sei que ele é importante para você, e não merece ser destruído”, pensou. Mas Paulo não precisava saber disto.

Caminharam pelo aeroporto, com J. evitando qualquer conversa, e Paulo insistindo em saber alguma coisa a mais sobre a tarefa que seu mestre lhe dera uma semana antes. Conseguiram finalmente um lugar na lanchonete.

– Só pudemos fazer duas refeições juntos nesta minha estada no Rio – disse J. – Agora fazemos a terceira, para manter o ditado: “Tudo que acontece uma vez pode nunca mais acontecer. Mas, caso aconteça duas vezes, certamente acontecerá uma terceira.”

J. estava de novo tentando mudar de assunto, mas Paulo sabia como evitar isto. Seu mestre havia gostado da homenagem, porque escutara – sem ser notado – uma conversa dele com o recepcionista do hotel. E, mais tarde, um dos amigos de J. se referira a Paulo como “o autor do livro”. Ele devia ter contado para todo mundo: afinal de contas, só existia um manuscrito original.

“Vaidade das vaidades”, disse para si mesmo. Agradecia a Deus por ter um mestre tão humano.

– Quero perguntar sobre a tarefa – disse mais uma vez. – Não quero perguntar “como”, ou

“onde”. Sei que você não vai me responder.

– Pelo menos aprendeu alguma coisa este tempo todo – riu J.

– Você, numa conversa, me contou sobre um rapaz chamado Took, que havia conseguido fazer o que me pede agora. Vou atrás dele.

– Dei também endereço?

– Falou onde morava. Não deve ser difícil chegar lá.

– Não, não é.

A todo minuto uma voz anunciava pelo alto-falante a partida de um vôo. Paulo começou a ficar tenso, com medo de que não tivessem tempo de conversar.

– Embora não queira saber nem “como”, nem “onde”, você me ensinou que existe uma pergunta que todos nós devemos fazer, sempre que começamos qualquer coisa. A pergunta é a seguinte: “Para quê? Para que tenho que fazer isto?”

– Porque a gente sempre destrói aquilo que ama – disse J.

Paulo não entendeu a resposta, e mais uma vez o alto-falante anunciou um vôo.

– É meu avião – disse J. – Tenho que ir.

– Não entendi o que você disse.

J. pediu que Paulo pagasse a conta enquanto escrevia alguma coisa num guardanapo de papel.

– Apenas no século passado um homem conseguiu escrever sobre isto – disse, estendendo o papel para o discípulo. – Embora seja verdade há muitas gerações. Paulo pegou o papel com todo cuidado. Por uma fração de segundo, imaginou que ali pudesse ter uma fórmula mágica. Mas, não, era uma poesia.

A gente sempre destrói aquilo que mais ama

em campo aberto, ou numa emboscada;

alguns com a leveza do carinho

outros com a dureza da palavra;

os covardes destroem com um beijo,

os valentes, destroem com a espada.*

O garçom veio entregar o troco, mas Paulo não notou. As palavras terríveis não saíam de sua cabeça.

– Por isso, a tarefa – disse J. depois de um longo silêncio. – Para quebrar esta maldição.

– De uma maneira ou de outra, terminei destruindo o que amava – disse Paulo. – Vi meus sonhos ruírem quando se tornaram possíveis. Vi três casamentos destruídos. Sempre me pareceu que isto fazia parte da vida. Da minha vida, e da vida de todos.

– A maldição pode ser quebrada – tornou a dizer J. – Se você realizar a tarefa. Caminharam em silêncio pelo aeroporto barulhento. J. pensava nos livros que seu discípulo escrevera. Pensava em Chris. Pensava que tudo empurrava Paulo para a iniciação mágica que aparece algumas vezes na vida de todas as pessoas.

Paulo estava perto de realizar um grande sonho.

E isto significava perigo, porque o discípulo de J. era absolutamente igual a todos os outros seres humanos. Ia achar que não merecia o que conseguiu.

– São lindas as mulheres de sua terra – disse J., quando chegaram ao controle de passaportes. – Espero voltar sempre.

Mas Paulo estava sério.

– Então é para isso – disse, enquanto seu mestre entregava o passaporte para ser carimbado.

– Para quebrar a maldição.

– Pelo amor. Pela vitória. E pela Glória de Deus – respondeu J.

As Valkírias

Estava dirigindo há quase seis horas. Pela centésima vez, ele perguntou à mulher ao seu lado se aquele era o caminho certo.

Pela centésima vez, ela consultou o mapa. Sim, era o caminho certo. Embora tudo ao redor fosse verde, com um belo rio correndo, e árvores ao lado da estrada.

– É melhor pararmos num posto de gasolina e perguntar – disse ela. Continuaram sem conversar, escutando músicas antigas numa estação de rádio. Chris sabia que não era preciso parar no posto, porque estavam no rumo – mesmo que o cenário à volta deles mostrasse uma paisagem completamente diferente. Mas conhecia bem o marido – Paulo estava tenso, desconfiado, achando que ela estava lendo o mapa de maneira errada. Ficaria mais tranqüilo se perguntasse a alguém.

– Por que viemos para cá?

– Para que eu possa cumprir minha tarefa – respondeu ele.

– Estranha tarefa – disse ela.

Realmente muito estranha, pensou ele.

Conversar com seu anjo da guarda.

– Você vai conversar com seu anjo – disse ela, depois de algum tempo. – Mas, enquanto isso, que tal conversar um pouco comigo?

Ele continuou calado, concentrado na estrada, possivelmente achando que ela errara o caminho. “Não adianta insistir”, pensou ela. Ficou torcendo para que um posto de gasolina aparecesse logo; haviam saído direto do aeroporto de Los Angeles para a estrada – ela tinha medo de que Paulo estivesse cansado demais, e cochilasse na direção.

E a droga do lugar não chegava nunca.

“Devia ter casado com um engenheiro”, disse para si mesma.

Nunca se acostumaria com aquilo – largar tudo de repente, ir atrás de caminhos sagrados, espadas, conversas com anjos, fazer todo o possível para seguir adiante no caminho da magia. “Ele sempre teve a mania de largar tudo, mesmo antes de encontrar J.”

Ficou lembrando do dia em que saíram juntos pela primeira vez. Tinham ido logo para a cama, e em uma semana ela já havia levado sua prancheta de trabalho para o apartamento dele. Os amigos comuns diziam que Paulo era um bruxo, e certa noite Chris telefonou para o pastor da igreja protestante que freqüentava pedindo que rezasse por ela.

Mas, no primeiro ano, ele não falara em magia uma única vez. Trabalhava numa gravadora, e isto era tudo.

No ano seguinte, a vida continuou igual. Ele pediu demissão, e foi trabalhar em outra gravadora.

No terceiro ano, ele tornou a pedir demissão (mania de largar tudo!), e resolveu escrever programas para a TV. Ela achava aquilo estranho, mudar de emprego todo ano – mas ele escrevia, ganhava dinheiro, e viviam bem.

Até que, no final do terceiro ano, resolveu – mais uma vez – sair do emprego. Não explicou nada, disse apenas que estava farto do que fazia, que não adiantava ficar pedindo demissão, mudando de um emprego para outro. Precisava descobrir o que queria. Tinham juntado algum dinheiro, e resolveram sair pelo mundo.