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— Você está dizendo que existe algo de sobrenatural nelas — disse Hiram. Seus olhos viraram para observar Caroline enquanto ela se esticava languidamente na cadeira.

— Só quero que dê outra olhada.

— Bem — Hiram falou. Em torno deles, a multidão que almoçava fazia pequenos barulhos com os garfos e copos e falava tão baixinho que soava como água distante. — Tenho certeza de que disse isso antes… parece ser um centavo americano cunhado em 1794, numa forma feita à mão. Podem ter roubado de um museu, de uma loja de numismática, ou de uma coleção parti… — Sua voz falhou. — Hummmm. Deixe-me olhar.

Ele tomou a moeda e apontou com o dedinho carnudo, quase sem tocar a superfície.

— Olha o fundo dessa grinalda aqui. Devia ser um arco. Mas, em vez disso, tem uma aparência disforme, horrível.

Fortunato ficou olhando para a moeda e, por uma fração de segundo, sentiu como se estivesse caindo. As folhas da grinalda transformaram-se em tentáculos, as pontas da fita abriram-se como um bico, as voltas do arco tornaram-se carne amorfa, cheia de olhos, muitos olhos. Fortunato tinha visto isso antes, em um livro sobre mitologia suméria. Na legenda lia-se “TIAMAT”.

— Você está bem? — Caroline perguntou.

— Vou ficar. Continue — disse ele a Hiram.

— Meu instinto diria que são falsificações. Mas quem falsificaria um centavo? E por que não se preocupar em envelhecê-las, ao menos um pouco? Parece que foram cunhadas ontem.

— Se isso importa, não foram. As auras das duas mostram bastante uso. Diria que no mínimo uns cem anos de idade, provavelmente perto de duzentos anos.

Hiram juntou as pontas dos dedos.

— Tudo que posso fazer é mandar você até alguém que poderia ser mais útil. Seu nome é Eileen Carter. Ela cuida de um pequeno museu em Long Island. Costumávamos, hum, nos corresponder. Numismática, sabe. Ela escreveu alguns livros sobre história oculta, coisas locais. — Ele escreveu o endereço num caderninho e arrancou a página.

Fortunato pegou o papel e se levantou.

— Muito obrigado.

— Olha, você acha… — Ele molhou os lábios. — Você acha que seria seguro para uma pessoa comum ter uma dessas?

— Como, digamos, um colecionador? — Caroline perguntou.

Hiram baixou os olhos.

— Quando você tiver terminado de usá-las, eu compro.

— Quando isso acabar — Fortunato respondeu —, se todos nós ainda estivermos por aqui, serão suas.

Eileen Carter tinha quase 40 anos e mechas grisalhas nos cabelos castanhos. Ela ergueu os olhos para Fortunato atrás de óculos quadrados, depois olhou de relance para Caroline. E sorriu.

Fortunato passava a maior parte do tempo com mulheres. Mesmo com toda a beleza, Caroline era insegura, ciumenta, propensa a fazer dietas e maquiagem irracional. Eileen era diferente. Pareceu apenas se divertir com a aparência de Caroline. E em relação a Fortunato — um negro meio japonês, vestido com couro e com a testa inchada, uma cortesia do vírus carta selvagem — também não pareceu achar nada de estranho.

— Você está com a moeda? — ela perguntou. Olhava em seus olhos quando falava com ele. Estava cansado de mulheres que pareciam modelos. Essa tinha o nariz curvado, sardas e uns cinco quilos a mais. O que ele mais gostou foi de seus olhos. Eram de um verde incandescente e tinham linhas sorridentes nos cantos.

Ele colocou a moeda no balcão, com a coroa para cima.

Ela se curvou para olhá-la, tocando a ponte dos óculos com um dedo. Vestia uma camisa de flanela verde; as sardas desciam até onde Fortunato conseguia ver. Seus cabelos tinham um cheiro limpo e doce.

— Posso perguntar onde conseguiu isso?

— É uma longa história — Fortunato respondeu. — Sou amigo de Hiram Worchester. Ele pode confirmar, se isso ajudar.

— É o suficiente. O que querem saber?

— Hiram disse que talvez fosse uma falsificação.

— Só um segundo. — Ela tirou um livro da estante atrás de si. Movia-se em rajadas repentinas de energia, entregando-se completamente a qualquer coisa que fizesse. Abriu o livro no balcão e folheou as páginas. — Aqui — ela falou. Examinou a parte de trás da moeda, concentrada por alguns segundos, mordendo o lábio inferior. Seus lábios eram pequenos, fortes e agitados. Ele se pegou imaginando como seria beijá-la.

— Esta — ela comentou. — Sim, é uma falsificação. É chamada de moeda de Balsam, por conta de Black John “Balsam”, diz aqui. Ele a cunhou em Catskills, por volta da virada do século XIX. — Ela olhou para Fortunato. — O nome não me é estranho, mas não sei por quê.

— Black John?

Ela deu de ombros, sorrindo novamente.

— Posso ficar com ela? Apenas por alguns dias? Talvez eu consiga descobrir alguma coisa a mais pra você.

— Tudo bem. — Fortunato podia ouvir o oceano de onde estavam, e isso fazia as coisas parecerem um pouco menos terríveis. Ele lhe deu seu cartão de visita, apenas com nome e número de telefone. Na saída ela sorriu e acenou para Caroline, que fingiu não ver.

No trem de volta para a cidade, Caroline disse:

— Você quer transar com ela, não é?

Fortunato sorriu, sem responder.

— Pelo amor de Deus — disse ela. Fortunato podia ouvir Houston novamente em sua voz. Era a primeira vez em semanas. — Uma professorinha acima do peso e acabada.

Ele sabia que era melhor não falar nada. Estava exagerando, sabia disso. Parte provavelmente era apenas feromônios, algum tipo de química sexual que ele entendeu muito antes de ela ter aprendido sua base científica. Mas ele se sentia confortável ao lado dela, algo que não acontecia com tanta frequência desde que o carta selvagem o mudara. Ela parecia não ter pudor algum.

Para com isso, ele pensou. Está agindo como uma adolescente.

Caroline, novamente sob controle, pousou uma das mãos na coxa dele.

— Quando chegarmos em casa — disse ela —, vou arrancar aquela vaca da sua cabeça.

— Fortunato?

Ele trocou o telefone para a mão esquerda e olhou para o relógio. Nove da manhã.

— A-hã.

— Aqui é Eileen Carter. Você deixou uma moeda comigo na semana passada.

Ele se sentou, de repente, acordado. Caroline se virou e enterrou a cabeça embaixo do travesseiro.

— Lembro, lembro, sim. Como vai?

— Acho que encontrei alguma coisa. Que tal uma viagem até o interior?

Ela o buscou em seu Volkswagen Rabbit e rumaram para Shandaken, uma pequena cidade nas montanhas de Catskills. Ele estava vestido o mais simples possível, calça Levi’s, uma camisa preta e um velho blazer. Mas não conseguia esconder a ascendência ou a marca que o vírus lhe deixara.

Estacionaram num terreno asfaltado na frente de uma igreja de tábuas brancas. Mal desceram do carro e a porta da igreja se abriu, e uma senhora saiu de lá. Usava um terninho azul-marinho barato de tricô duplo e um xale sobre a cabeça. Olhou Fortunato de cima a baixo por um tempo, mas finalmente estendeu a mão.

— Amy Fairborn. Vocês devem ser o pessoal da cidade.

Eileen terminou as apresentações e a senhora balançou a cabeça.

— O túmulo fica ali — disse ela.

A pedra era um retângulo de mármore simples, fora da cerca branca de estacas do cemitério da igreja, bem distante dos outros túmulos. Lia-se no epitáfio “John Joseph Balsam. Morto em 1809. Queime no inferno”.

O vento balançou o casaco de Fortunato e soprou traços do perfume de Eileen na sua direção.

— É uma história infernal — disse Amy Fairborn. — Ninguém sabe mais quanto dela é verdade. Diziam que Balsam era uma espécie de bruxo, morava nas montanhas. A primeira vez que se ouviu algo sobre ele foi em 1790. Ninguém sabe de onde veio, talvez de algum lugar da Europa. A mesma velha história. Estrangeiro, vivendo às próprias custas, sendo culpado por tudo. Se as vacas dessem leite azedo ou alguém sofresse um aborto, a culpa era dele.