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Um detector de raios gama capaz de localizar buracos negros primevos é toda a atmosfera da Terra. (De qualquer maneira, é muito pouco provável que sejamos capazes de construir um detector maior!) Quando um quantum de raios gama de energia elevada atinge os átomos da nossa atmosfera, cria pares de electrões e positrões. Quando estes atingem outros átomos, estes, por sua vez, :, criam mais pares de electrões e positrões, de modo que se obtém aquilo a que se chama uma chuva de electrões. O resultado é uma forma de luz chamada radiação de Cerenkov. Podemos, portanto, detectar explosões de raios gama procurando explosões de luz no céu nocturno. É evidente que há muitos outros fenómenos, tais como os relâmpagos e reflexos da luz do Sol em satélites e detritos em órbita, que também podem provocar explosões de luz no céu. Podemos distinguir as explosões de raios gama dos outros efeitos observando simultaneamente explosões de luz em dois ou mais lugares bastante separados. Uma pesquisa deste género foi já realizada por dois cientistas de Dublin, Neil Porter e Trevor Weekes, utilizando telescópios no Arizona. Descobriram várias explosões de luz, mas nenhuma que pudesse ser definitivamente atribuída a explosões de raios gama de buracos negros primevos.

Mesmo que a pesquisa de buracos negros primevos venha a ser negativa, como parece provável, dar-nos-á importantes informações sobre as fases do princípio do Universo. Se este tivesse sido caótico ou irregular, ou se a pressão de matéria tivesse sido baixa, esperar-se-ia que se tivessem produzido muito mais buracos negros primevos do que o limite já determinado pelas nossas observações da radiação de fundo de raios gama. Só se o Universo primordial tivesse sido muito regular e uniforme, com alta pressão, é que podíamos explicar a ausência de buracos negros primevos observáveis.

A ideia da radiação proveniente de buracos negros foi o primeiro exemplo de um prognóstico que dependia de um modo essencial de ambas as grandes teorias deste século: a relatividade geral e a mecânica quântica. Ao princípio suscitou muita oposição, porque vinha perturbar os pontos de vista existentes: "Como é que um buraco negro pode emitir qualquer coisa?" Quando anunciei os resultados dos meus cálculos numa conferência no Laboratório :, Rutherford-Appleton, perto de Oxford, fui recebido com incredulidade geral. No fim da minha conferência, o presidente da sessão, John G. Taylor, do Kings College de Londres, afirmou que era tudo um chorrilho de disparates. Até escreveu umas considerações nesse sentido. No entanto, no fim, a maior parte das pessoas, incluindo John Taylor, acabaram por chegar à conclusão de que os buracos negros deviam radiar, tal como os corpos quentes, se as nossas ideias presentes sobre a relatividade geral e a mecânica quântica estivessem certas. Assim, mesmo sem termos ainda conseguido encontrar um buraco negro primevo, há um consenso razoável de que, se o encontrarmos, terá de estar a emitir uma grande porção de raios X e gama.

A existência de radiação proveniente de buracos negros parece implicar que o colapso gravitacional não é tão final e irreversível como chegámos a pensar. Se um astronauta cair num buraco negro, a massa deste aumentará, mas eventualmente a energia equivalente a essa massa extra será devolvida ao Universo sob a forma de radiação. Assim, num certo sentido, o astronauta será "reciclado". Seria, contudo, uma pobre espécie de imortalidade, porque qualquer conceito pessoal de tempo para o astronauta chegaria quase de certeza ao fim, quando ele fosse feito em pedaços dentro do buraco negro! Mesmo o tipo de partículas eventualmente emitidas pelo buraco negro seria em geral diferente das que constituíam o astronauta: a única característica do astronauta que sobreviveria seria a sua massa ou energia.

As aproximações que usei para obter a emissão dos buracos negros funcionam bem quando o buraco negro tem uma massa maior do que uma fracção de grama. Contudo, falham no fim da vida do buraco negro, quando a sua massa se torna muito pequena. O resultado mais prováve1 parece ser que o buraco negro acabe por desaparecer, :, pelo menos da nossa região do Universo, levando consigo o astronauta e qualquer singularidade que possa estar lá dentro, se realmente existir alguma. Esta foi a primeira indicação de que a mecânica quântica podia retirar as singularidades previstas pela relatividade geral. Todavia, os métodos que eu e outros usámos em 1974 não eram para dar resposta a questões tais como se haveria singularidades em gravidade quântica. A partir de 1975, comecei então a desenvolver uma nova aproximação à gravidade quântica, baseando-me na ideia de Richard Feynman da soma de histórias. As respostas que esta aproximação sugere para a origem e destino último do Universo e do seu conteúdo, tal como são os astronautas, serão descritas nos dois capítulos seguintes. Veremos que, embora o princípio da incerteza limite a precisão de todos os nossos prognósticos, pode, ao mesmo tempo, remover a imprevisibilidade fundamental que ocorre numa singularidade do espaço-tempo.

VIII. A Origem

e o Destino do Universo

A teoria da relatividade geral de Einstein previa que o espaço-tempo começara com a singularidade do *big bang* e terminaria com a singularidade do grande esmagamento (1) (se o Universo viesse a entrar em colapso) ou numa singularidade no interior de um buraco negro (se uma região local, tal como uma estrela, entrasse em colapso). Qualquer matéria que caísse no buraco seria destruída na singularidade e só o efeito gravitacional da sua massa continuaria a ser sentido fora dele. Por outro lado, quando os efeitos quânticos foram tidos em conta, parecia que a massa, ou a energia da matéria, acabaria por ser eventualmente devolvida ao resto do Universo e que o buraco negro, juntamente com qualquer singularidade no seu interior, se evaporaria e, finalmente, desapareceria. Poderia a mecânica quântica ter um efeito igualmente dramático sobre as singularidades do *big bang* e do grande esmagamento? Que acontece realmente durante os primeiros ou os últimos estádios do Universo, quando os campos gravitacionais são tão intensos que os efeitos quânticos não podem ser ignorados? O Universo tem, de facto, um princípio ou um fim? E, se assim é, como são? :,

(1) *Big Crunch* no original (*N. do R.*).

Durante os anos 70 dediquei-me particularmente ao estudo dos buracos negros, mas em 1981 o meu interesse pelas questões da origem e destino do Universo reacendeu-se quando assisti a uma conferência organizada pelos jesuítas no Vaticano. A Igreja Católica tinha cometido um grave erro com Galileu, quando tentou impor a lei numa questão científica, declarando que o Sol girava à volta da Terra. Agora, séculos volvidos, decidira convidar alguns especialistas para a aconselharem sobre cosmologia. No fim da conferência, os participantes foram recebidos em audiência pelo papa que nos disse que estava certo estudar a evolução do Universo desde o *big bang* (2), mas que não devíamos inquirir acerca do *big bang* em si, porque esse tinha sido o momento da Criação e, portanto, trabalho de Deus. Nessa altura fiquei satisfeito por ele ignorar qual havia sido a minha contribuição para a conferência: a possibilidade de o espaço-tempo ser finito mas sem fronteiras (3), o que significaria que não tinha tido um princípio e que não havia nenhum momento de Criação. Não tinha qualquer desejo de partilhar a sorte de Galileu, com quem me sinto fortemente identificado, em parte devido à coincidência de ter nascido exactamente trezentos anos depois da sua morte!

(2) Georges Lemaitre foi o primeiro cosmólogo a advogar a tese do estado inicial de alta densidade, a que chamou átomo primevo. Lemaitre nasceu em 1894 e foi ordenado sacerdote em 1927, no mesmo ano em que obteve o grau de doutor (PhD) no MIT e publicou o seu trabalho sobre a origem do Universo. Parecia a Lemaitre, bem como à Igreja Católica, que este modelo se adaptava particularmente bem ao momento da Criação (*N. do R.*).